terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Um jornal que também é contra a autoflagelação
A narrativa neoliberal sobre a emigração da austeridade tem traços ideológicos que vêm de longe. A tónica é sempre colocada na liberdade e nas escolhas, quando os contextos de acção dos cidadãos e as políticas que lhes subjazem são a própria negação das condições materiais e substantivas para a autonomia e as escolhas livres. A cegueira voluntária que reduz a emigração a jovens diplomados, bem-sucedidos e potencialmente rentáveis para o país (dito, sem rir, pelos mesmos que negam o ensino superior como um direito universal e gratuito, dizendo ser um investimento das famílias em si próprias), não é apenas uma forma de criar falsos conflitos entre gerações e de remeter para responsabilidades individuais os infortúnios de vidas que na verdade, estão a ser desbaratadas por enquadramentos políticos e institucionais com origem no país e na União Europeia.
O que a «nova diáspora» tem de novo e positivo (mais pessoas com formações superiores, gerações mais habituadas ao contacto externo e mais apoiada em redes internacionais, mais acesso a tecnologias que encurtam distâncias, mais cidadãos apetrechados para não desistirem dos seus sonhos) foi muito construído, depois do 25 de Abril, com a oposição do neoliberalismo. O que a «nova diáspora» tem de velho e revelho são as desigualdades económicas, sociais e territoriais que a democracia não resolveu e um país com debilidades estruturais (produtivas, redistributivas) que a crise financeira e as respostas austeritárias, no quadro da União Europeia e do euro, só vieram agravar.
Excerto do artigo mensal da Sandra Monteiro no Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Para além das propostas para uma reestruturação da dívida, da autoria da economista Eugénia Pires da IAC, na componente portuguesa do número de Janeiro podem encontrar um dossiê sobre os impactos da austeridade em diversas áreas da produção intelectual. Com este número podem também adquirir um dos últimos livros de Boaventura de Sousa Santos: “A autoflagelação é a má consciência da passividade, e não é fácil superá-la num contexto em que a passividade, quando não é querida, é imposta.”
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