sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Audácia, precisa-se
A recente publicação do Manifesto 3D reflecte um anseio de longa data de muitos activistas das esquerdas, inconformados com a sua fragmentação e frustrados pela sua incapacidade de concretizarem uma iniciativa política unitária. Face ao drama da presente conjuntura, e aproximando-se novos actos eleitorais, o arranque deste projecto tornou-se inadiável. O tom do Manifesto é revelador desta urgência: não havendo mudança na atitude dos partidos situados à esquerda, será criado um novo partido, ou coligação de partidos, para disputar as europeias e, possivelmente, também as legislativas. Depois de uma longa espera, incluindo a realização de um Congresso Democrático das Alternativas, para muitos activistas, partidariamente independentes, chegou a hora de assumir que a idealizada convergência terá de se transformar em concorrência, pelo menos ao PCP e ao PS. Ainda assim, uma plataforma política que se apresenta ao público à espera de uma decisão do BE - em rigor lançando-lhe um ultimato - até será mobilizadora de muitos cidadãos politizados. Porém, aos olhos do país, evoca sobretudo tacticismo: proclama que quer juntar forças mas, de qualquer modo, vai criar um novo partido.
Tratando-se de construir uma alternativa à esquerda, alguns dirão que mais vale tarde do que nunca. Porém, o texto do Manifesto está longe de ser convincente quanto ao que se propõe como alternativa que dê força e sentido prático ao protesto. Desde logo pelo título. Querendo "defender Portugal", implicitamente admite que a estratégia é a resistência. Ou seja, subliminarmente, reconhece que por agora não temos força para vencer o adversário. Acontece que a gravidade da situação em que nos encontramos exige muito mais do que uma proposta política defensiva face os poderes nacionais e europeus que nos esmagam.
Não é uma alternativa, também porque, tratando-se de uma proposta que visa atrair os europeístas das esquerdas (incluindo os do PS), convenientemente nada diz sobre o nó górdio da crise que estamos a viver. Sabendo os seus líderes que a presente política económica está inscrita no Tratado de Lisboa, no Tratado Orçamental e nas directivas da zona euro, ainda assim presumem que um governo de Portugal pode travar a austeridade, renegociar a dívida, impedir novos resgates, defender-nos do Tratado Orçamental e recuperar o Estado social. Tudo isto sem admitir que a nossa participação na moeda única possa estar em causa. Sem admitir que não há estado social sem política económica de pleno emprego, algo impossível no âmbito da zona euro. Se a vontade de criar um amplo movimento político obriga os promotores a evitar falar do essencial, da causa maior do endividamento externo do país, então isto não é a alternativa política de que o país precisa. Um frentismo que, para existir, não pode assumir perante o eleitorado as implicações últimas do embate com o ordoliberalismo, fica aquém da alternativa por que o país anseia.
Do meu ponto de vista, precisamos de um partido com os valores da esquerda que fale para todo o povo e formule um novo desígnio para o país. Desde logo, que defenda a recuperação da soberania monetária como pré-condição para sairmos da crise e para nos desenvolvermos. Mas também um partido aberto à sociedade e que defenda o aprofundamento da democracia sob diversas formas, incluindo a prevenção e o combate à corrupção. Um partido que defenda um Estado social forte e estratego, dotado de uma administração pública valorizada e liberta das nomeações partidárias. Um partido que, recusando ver o trabalho, a moeda e a natureza como mercadorias, atribui um lugar central à economia social, à protecção do ambiente e ao controlo da finança. Na encruzilhada em que estamos, Portugal precisa de um partido político com esta ambição, com a audácia dos que fizeram Abril há quarenta anos. Esse teria o meu apoio.
(O meu artigo no jornal i)
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