No final do programa Prós & Contras do passado dia 21 de Outubro, eu e o Ricardo Arroja envolvemo-nos num breve e acalorado debate sobre os fatores determinantes da quebra contínua do investimento que se vem verificando em Portugal há vários anos e que se acentuou no período do austeritarismo (-10,5% em 2011, -14,3% em 2012, -8,5% em 2013).
O meu homónimo defendia que a prioridade da política económica para fazer relançar o investimento deveria estar centrada na descida dos impostos sobre as empresas. Eu contrapus, chamando a atenção para os resultados do Inquérito de Conjuntura ao Investimento do INE, que há vários trimestres indica que a “deterioração das perspetivas de vendas” constitui, de longe, o principal factor limitativo ao investimento empresarial (sendo 5 a 6 vezes mais importante do que a “incerteza quanto à rentabilidade dos investimentos” ou as “dificuldades em obter crédito bancário”).
A minha conclusão é clara: o principal entrave ao investimento no momento presente é a falta de procura. Ou seja, a política de austeridade em tempos de crise não se limita a destruir empregos no imediato, mas adia também a recomposição e modernização da capacidade produtiva da economia portuguesa.
O Ricardo Arroja regressou hoje aos temas do Prós & Contras, num artigo no Diário Económico com o sonante título “A manipulação”. Embora não refira explicitamente o debate que tivemos, os temas abordados deixam poucos equívocos, merecendo aqui a devida resposta.
Refere o autor que está de regresso “uma certa argumentação segundo a qual não são as empresas que criam emprego; nesta linha de pensamento, quem cria emprego são os consumidores”, o que tem como corolário “que é a procura interna que deve ser estimulada, e não o investimento”.
Não sei se é manipulação sua ou se o Ricardo Arroja não percebeu o argumento. Se na ciência económica se fala em oferta e em procura é porque uma não faz sentido sem a outra. Há produção e há emprego porque há quem produza (já agora, não são só empresas que o fazem) e porque há quem consuma o que se produz. Quando as coisas não estão bem, pode ser porque há problemas num dos lados, no outro lado, ou em ambos. O meu argumento é que, no momento actual, não há investimento porque não há procura. Qual é a dúvida?
Ricardo Arroja refere um “segundo corolário” segundo o qual “o nível da fiscalidade é somente secundário em matéria de incentivo ao investimento”. Para criticar este suposto corolário, o autor socorre-se de um relatório do Fórum Económico Mundial, segundo o qual as taxas de imposto e as leis fiscais constituem o principal obstáculo à competitividade internacional de Portugal. Aqui, o Ricardo dá vários passos em falso.
Desde logo, o conceito de competitividade é tudo menos unívoco, sendo utilizado tanto de um modo restrito e referindo-se ao curto-prazo (e.g., estando a competitividade refletida nos custos reais do trabalho – esta é a interpretação habitual do FMI, por exemplo), como de um modo amplo e referindo-se ao longo prazo (e.g. envolvendo a capacidade sustentada de criação de riqueza e de emprego numa economia – esta é uma interpretação frequentemente utilizada pela OCDE, por exemplo), sendo por vezes as duas dimensões incompatíveis. Logo, interpetar a ideia de “obstáculo à competitividade” como correspondendo a um determinante do baixo investimento num momento específico é, no mínimo, excessivo.
Em segundo lugar, percebe-se mal por que motivo Ricardo Arroja dá mais importância aos resultados de um inquérito baseado numa amostra de 100 responsáveis por empresas de grande e média dimensão (ver cap. 3 do dito relatório, aqui), do que a um inquérito estatisticamente representativo do INE. Afirma o Ricardo sobre o tal relatório que “Estes resultados derivam de inquéritos realizados a empresários e gestores sediados em Portugal, cujas empresas reflectem a estrutura empresarial típica do nosso País”. Tenho dificuldade em perceber como é que uma amostra estatisticamente não representativa, construída a partir de uma lista inicial escolhida a dedo e que exclui as micro e pequenas empresas (que representam 97,5% do tecido empresarial português), pode ser considerada um argumento de autoridade.
Finalmente, não sei se propositadamente ou não, o Ricardo Arroja ignora a distinção entre determinantes do investimento em diferentes horizontes temporais. A fiscalidade (e a incerteza sobre a mesma) é, seguramente, um dos (muitos) factores que as empresas têm em conta nas suas decisões de investimento. Mais, podemos afirmar com um elevado grau de certeza que uma economia onde os impostos sobre as empresas se mantenham muito elevados durante muito tempo tende a atrair menos investimento do que uma economia de características semelhantes em que os impostos são sistematicamente mais reduzidos (principalmente quando estão em causa empresas que podem escolher a sua localização).
Mas a nossa discussão não é abstracta. O que temos de saber é: no momento actual, é ou não possível recuperar o investimento sem relançar a procura? É aqui ou na descida de impostos sobre as empresas que deve estar a prioridade das políticas públicas, se o objetivo é relançar o investimento e o emprego?
Se tivermos em conta (i) que cerca de 30% das empresas portuguesas se encontram em situação de incumprimento de créditos bancários e (ii) que a esmagadora maioria das empresas em Portugal (como, aliás, na maioria dos países do mundo) depende da procura interna como principal fonte de receitas (e isto aplica-se a grande parte das empresas exportadoras e não só aos setores não-transaccionáveis…), não nos restarão muitas dúvidas quanto à resposta àquelas questões. A não ser que acreditemos que a descida de impostos sobre as empresas vai convencer quantidades imensas de investidores estrangeiros a instalar capacidade produtiva num país à beira da falência e que vive sob a promessa de uma austeridade prolongada. Aí, estamos no domínio da fé. Cada um tem a sua e há que respeitá-la.
Parece que RA defende a designada lei de Say, segundo a qual a oferta cria a sua própria procura. E para tal, basta baixar a carga fiscal sobre as empresas que dias felizes nos esperam!
ResponderEliminarAs políticas de relançamento da procura interna aumentam o investimento em não transaccionáveis, contribuindo também para o aumento das importações. Políticas fiscais mais agressivas atraem investimento na produção de bens transacionáveis, aumentando a exportação. Num país com uma grande dívida externa e desequilíbrio na balança de pagamentos, o que acha preferível? (nem sequer falo que as tais políticas de incentivo à procura dependeriam da boa-vontade dos países credores ou de uma saída do euro)
ResponderEliminarEu sinceramente parece-me altamente redutor considerar que a carga fiscal é o factor mais considerado quando as empresas querem investir num país. De que interessa a uma empresa ter impostos sobre os rendimentos baixos se não consegue gerar lucros. Esse é o grande problema das empresas em Portugal. Quer queiramos ou não a maior parte das empresas do país dependem do mercado interno. E o mercado interno é a chave para a recuperação da economia. Infelizmente, sem banco central e com uma taxa de câmbio completamente desadequada é impossível estimular a procura interna sem causar um aumento das importações. Ou seja, o país não tem por onde crescer. Não pode estimular a procura interna e também está condenado a perder quota de mercado pois não pode ajustar a taxa de câmbio.
ResponderEliminarDe qualquer forma, acho que o governo está claramente à nora. Esta baixa de impostos não vai trazer praticamente nenhum investimento adicional à economia. O país não passa a ser fiscalmente competitivo. O que era importante fazer era desburocratizar o país. Mas infelizmente este governo é talvez o mais burocrata desde o 25 de Abril. Em vez de simplificar os procedimentos continua a produzir mais leis que não passam de empecilhos ao investimento. Simplifiquem os procedimentos administrativos que logo aí ficará muito investimento desbloqueado.
1 - O que sao bens transacionaveis e bens nao-transacionaveis? Definicao sff. Farto de imaginacoes ferteis estou eu.
ResponderEliminar2 - Quanto ao resto do rame-rame do Carlinhos e mais do mesmo: falsas dicotomias. Nem sequer se deu ao trabalho de ler, nem que na diagonal, os posts sobre a actual crise neste blog, analise e propostas. E mais facil debitar a k7 neo-liberal.
Ha boa solucao para isto felizmente: puxar o autoclismo.
Sectores de bens transaccionáveis são sectores sujeitos à concorrência externa.
ResponderEliminar«Bens não-transaccionáveis (non-tradables) Bens não susceptíveis de transacção no mercado internacional devido, nomeadamente, ao facto de os custos de transporte serem proibitivos face ao valor intrínseco do bem (como é o caso da areia ou da água) ou ao facto de estarem intimamente relacionados com a sua localização num determinados espaço geográfico. São, por isso, apenas transaccionáveis no mercado interno. São principais exemplos a maior parte dos serviços pessoais e o fornecimento de bens públicos como sejam, p.ex., o abastecimento domiciliário de água e saneamento. Veja-se tb. bens transaccionáveis.
Bens transaccionáveis (tradables) Bens e serviços que podem ser objecto de troca internacional ---- independentemente de efectivamente o serem ou não. É o caso dos bens e serviços exportados e importados e dos que, não o sendo de facto, o poderiam ser. vd. tb. bens não-transaccionáveis.»
O imobiliário é um exemplo típico de não transaccionável.
As políticas de relançamento da procura interna aumentam o investimento em não transaccionáveis, contribuindo também para o aumento das importações"
ResponderEliminarAHAHAH. Carissimo Carlos, você está delirante. A baixa de IRC é que vai aumentar o investimento em não transaccionáveis. Sabe porquê? Qual é o investidor que vai criar uma fábrica em Portugal sabendo que pode ganhar mais investindo na bolsa em empresas protegidas, clientelares, mononópolios(riscar onde lhe interessa) cuja baixa do IRC é mesmo o que precisam e que já está a ser considerada internamente em produtos de aplicação de capital consequentes da distribuição maior de dividendos?
Você está alucinado. Além disso há muita procura interna em bens transaccionáveis que agora foi simplesmente destruida em 3 anos. Dizer que a procura interna é maioritária em bens não transaccionáveis é ridícula. A não sere agora que a maior parte já foi para o galheiro e a pouca procura interna está agora restringida a pagamentos de dividas, energia, seguros e telecomunicações.
É que há muita exportadora que depende de subcontratadas as quais fazem ou faziam muito negócio internamente. Claro está é mais um que não levanta o rabo do escritório em Lisboa e que nunca pos os pés numa boa metalomecãnica ou a respirar os ares de uma caldeira.
JL
"O meu argumento é que, no momento actual, não há investimento porque não há procura."
ResponderEliminarPenso que seria útil para esta análise consider a dimensão externa e interna quer da procura quer do investimento.
A procura interna, por muito que cresça, será sempre limitada pela dimensão do país. Não acho razoável pensar que, em geral, as decisões de grandes investimentos se façam considerando a procura interna (basta ver o exemplo da AutoEuropa). Por outro lado, o investimento interno, dado o nível de endividamento privado em Portugal e os constrangimentos actuais na obtenção de crédito pelas empresas, estará também sempre fortemente condicionado.
Resta portanto procurar atrair investimento externo para responder a uma procura muito mais alargada que a que o mercado interno pode proporcionar (exportações). Os últimos meses (anos) têm provado que mesmo em contexto de crise há mercados externos que permitem o crescimento das exportações, logo a procura externa existe e pode aumentar.
E é neste contexto específico, considerando que não temos a possibilidade de desvalorizar a moeda, que a redução da carga fiscal sobre as empresas (feita de forma significativa, estável, e transparente) me parece mais relevante.