quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Leituras

«Nós estamos a acumular a nossa dívida pública em resultado de um erro de concepção que foi lançar um planador disfarçado de avião. A moeda única foi lançada desta maneira não por falta de inteligência mas porque os alemães se defenderam. (...) Nós estamos a ser objecto de uma austeridade que não se justifica. (...) Nós estamos a fazer um serviço à sobrevivência do euro que alguém tem de pagar e não são os mercados. (...) Poupámos o ataque ao centro do euro. E o centro do euro continua a dizer: continuem a ter esse papel protector. Continuem a ser os sacos de areia, tomem lá dinheiro e continuem a endividar-se. (...) Se não tem coragem de dizer que não num certo momento a uma trajectória, [Portugal] vai ser triturado completamente. (...) É que não temos um Governo. Temos um conjunto de pessoas agarrado a um manual de instruções.»

José Félix Ribeiro, num momento "and now for something completely different" do Congresso da Ordem dos Economistas (citado aqui)

«Nos últimos dois anos várias personalidades têm tentado lançar um apagão sobre a delicada questão da reestruturação da dívida, ora desvalorizando-a, ora diabolizando as consequências que decorreriam do próprio debate. (...) Cavaco Silva estará certamente entre os (...) que crêem haver bons sinais que permitirão ao País ir gerindo o fardo da dívida. Mas nesse caso convém que aproveite a sua condição de economista (...) para explicar que sinais ou evidências são essas. A dívida pública já ultrapassa os 150% do PIB e consumirá, dentro de pouco tempo, 4,4% do PIB em juros. São mais de sete mil milhões de euros por ano, o equivalente à transferência anual que o Estado faz para o Serviço Nacional de Saúde. (...) Suave ou leve, a dívida pública parece ter de ser renegociada. (...) A menos que, como alertou Richard Freeman, um estudioso das reformas nos países nórdicos durante a década de 1990, se pretenda ter países "resumidos a instrumentos de pagamento de dívida".»

Elisabete Miranda, «Cavaco Silva e os masoquistas»

«Um Estado só declara incumprimento quando se atinge uma linha vermelha que ele próprio decide. (...) Pode acontecer que um governo ache que o pagamento da dívida nos termos contratados se sobrepõe a todos os deveres e deve ser feita "custe o que custar". Pode acontecer que um governo pense que o pagamento da dívida se sobrepõe à lei do país, aos direitos humanos, à moral. Neste caso, aumentará impostos, cortará na educação e saúde, cortará nas pensões, nos apoios sociais e venderá todos os bens que possa. (...) Pode-se oferecer o país para fazer experiências científicas difíceis de aceitar noutros países. (...) Inversamente, quando existe um mínimo de moralidade e de sentido patriótico, há abjecções a que não se admite descer e que fazem com que a dívida seja insustentável. (...) A maior parte dos economistas não comprometidos com os partidos do poder acha que a divida actual é insustentável. Passos Coelho e Cavaco Silva, pelo contrário, acham que é sustentável. (...) Há ainda imensas coisas que eles acham que se pode fazer para ir buscar dinheiro. Não existe linha vermelha definida pela lei, pela moral ou pelo interesse nacional que eles não admitam ultrapassar. Isto significa que, enquanto Passos Coelho estiver no poder, a renegociação não será vista como a melhor opção para os credores. Eles sabem que têm um amigo na presidência e outro em São Bento. Enquanto eles lá estiverem, os credores estão garantidos. A dívida vai ser sustentada. Os portugueses, esses, é que vão ficar sem sustento».

José Vítor Malheiros, «A dívida é sustentável quando não há escrúpulos»

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