terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guerra de posição

É muito útil ler os intelectuais orgânicos dos grandes negócios e os divulgadores do Consenso de Bruxelas, até para ver a sua total convergência. É muito útil ler, por exemplo, Daniel Bessa no último Expresso e Teresa de Sousa no Público de Domingo. Percebemos melhor a força e o destino do actual programa em curso: a confrontação com a Constituição, a promoção da sua radical alteração, usando o enquadramento monetário e financeiro externo como instrumento insubstituível para alcançar tal objectivo, começando por transferir para a Constituição e para o Tribunal o ónus do segundo resgate, com esse ou com outro nome. Passos pode estar a um passo de retomar o objectivo constitucional. 

Neste sentido, percebe-se a insistência do governo e da troika na austeridade recessiva, um excelente meio para acelerar essa confrontação. Vale a pena “queimar” doze mil milhões de euros para eliminar o que resta da economia política do 25 de Abril, para residualizar o Estado social, consolidando um perfil assistencialista em que os pobres terão esmolas e Estado penal, a tal “piedade ou a forca” clássica, no fundo. O resto será para os grupos económicos: a extracção de rendas na saúde ou na insegurança social sempre à custa dos salários. Bessa há muito que não diz outra coisa, que não sonha com outra coisa: pensar com os grupos económicos tem a virtude de promover a clareza estratégica.

Teresa de Sousa ofusca um pouco mais, é mais contraditória, mas, por outras vias, chega ao mesmo modelo de sociedade de Bessa. Indigna-se com os usos óbvios do patriotismo – contestar o poder constituinte de Bruxelas –, esquece que os que contestam Bruxelas também têm de contestar a subserviência em relação ao capital angolano e que os que se vergam a um vergam-se ao outro, tem o topete de ainda dizer que o euro é um projecto de “soberania partilhada”, enganando felizmente cada vez menos, explora as contradições do PS em matéria europeia, que, na realidade, são as contradições de todos os que querem mais “Europa” sem assumirem que isso implica mais transferências de soberania, o esvaziamento da democracia por aqui, e por aqui é onde ela pode existir, lamento, e chega ao tal momento constitucional, já que o euro e os “duros” amanhãs mudos o exigem: o poder constituinte está mesmo lá fora, como nos arriscamos seriamente a ver se continuarmos por aqui. Esta gente sabe onde é que está a força.

Travar isto exige mesmo fazer da Constituição uma trincheira numa guerra de posição, mas a Constituição tem de ser a última, tem de estar protegida por outras trincheiras, construindo um sistema: da desobediência à troika, passando pela reestruturação da dívida e acabando na primeira, aquela onde a exposição ao fogo inimigo e até amigo é maior, ou seja, na exigência de libertação deste colete-de-forças monetário. De resto, e politicamente, para esta gramsciana guerra de posição precisamos mesmo de uma “frente única”, uma frente que seja capaz de fazer emergir uma verdadeira “vontade colectiva nacional-popular”, para usar os termos do autor dos Cadernos do Cárcere. Qual é a alternativa contra-hegemónica, face a elites objectiva e irremediavelmente colaboracionistas e que dispõem de recursos em múltiplas escalas?

6 comentários:

  1. Afinal,os "papões dos comunistas",

    parece que já não comem as criancinhas,
    não levam a nossa casa...
    não levam o nosso carro...
    não levam o que é nosso...

    Estes vivaços instalados,

    ...outrora acérrimos defensores da "propriedade privada",

    afinal andam

    a confiscar ( roubar ) tudo

    e ainda por cima,

    querem arranjar servos (escravos)em pleno século XXI !

    ...e não dão nada em troca!

    ...vai tudo para o bolso de meia dúzia de tubarões!

    Já se engoliram tantos sapos...

    Porque não, em defesa da DEMOCRACIA!

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  2. "...elites colaboracionistas...": é isso mesmo, e uma das formas mais significativas disso é estar sempre a falar do protectorado, como situação aceite e - cada vez mais descaradamente - benvinda. Como dizia há tempos alguém no facebook, como se um "acordo" entre devedores e credores fosse igual a uma ocupação...

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  3. Contra traidores a solução é pegar em armas. Para quando começar a infiltrar as FA com "ideias"...

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  4. Como é possível lembrarmo-nos de que Bessa foi ministro de Guterres? As eternas contradições do PS.

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  5. Ai o Bessa...ainda me lembro

    "A minha convicção profunda é que, se as coisas correrem bem, o desemprego aumentará."

    Bravo.

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  6. Que se lixem os trocos30 de outubro de 2013 às 15:34



    Muito bem.


    Mas depois de todos os erros crassos cometidos pela Esquerda à esquerda do PS desde 2005, a única resposta à pergunta final deste texto só pode ser uma:

    - a alternativa, AGORA, é apenas ESPERAR e deixar as forças brutas da História trazerem à superfície visível o seu trabalhinho incansável, subterrâneo e descontrolado, que nunca pára, nem se compadece com as fraquezas humanas...

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