O governo está a basear a defesa da proposta do OE para 2014 numa ideia central: a de que, por muito desagradável que seja, vale a pena fazer mais este esforço para que Portugal recupere a sua soberania face aos credores.
Até agora, a mensagem tem passado com sucesso, não só entre os comentadores do regime (o que não surpreende), mas até entre muita da comunicação social habitualmente mais atenta.
Valeria a pena registar cinco ideias:
1. A proposta de OE aumenta, não diminui, a incerteza para os investidores internacionais. Se ‘tranquilizar os mercados’ fosse efectivamente o objectivo, o governo teria feito tudo o que está ao seu alcance para diminuir os riscos de inconstitucionalidade das medidas determinantes para o cumprimento das metas. 'Bastaria', para tal, manter a Contribuição Extraordinária de Solidariedade nos moldes actuais (assegurando uma receita próxima daquela que conseguirá com a convergência das pensões da CGA), manter parte dos cortes aos funcionários públicos introduzidos em 2011 e mexer no IRS. Ao invés, o governo preferiu acumular medidas que dificilmente poderão ser consideradas constitucionais. Com esta opção, o governo junta austeridade desastrosa a incerteza acrescida.
2. A proposta de OE aumenta, não diminui, a probabilidade de incumprimento das metas orçamentais. FMI, Banco de Portugal e, agora, Comissão Europeia convergem na ideia de que a redução do défice orçamental tem efeitos recessivos mais acentuados quando é feita pelo lado da despesa do que quando assenta no aumento de receitas. Ou seja, ao fazer incidir a quase totalidade do esforço nos salários da função pública e nas pensões, o governo não só aumenta os riscos de inconstitucionalidade do OE como aumenta os riscos de aprofundamento da recessão – e, logo, de incumprimento das metas orçamentais para 2014.
3. O governo impõe custos desnecessários para se salvar a si mesmo - e não ao país. Os pontos anteriores permitem perceber que a proposta de OE para 2014 implica custos desnecessários (juros mais elevados, maior desemprego e emigração, maiores riscos de falência das empresas, adiamento dos investimentos necessários ao crescimento e ao desenvolvimento), ao mesmo tempo que aumenta os riscos de uma crise política no primeiro trimestre de 2014. Porquê? Há duas explicações possíveis, não mutuamente exclusivas:
i) o governo não tem coragem para tomar medidas que seriam ainda mais impopulares, como seriam um maior aumento de impostos (que o governo não quer por motivos ideológicos e eleitorais; e que implicaria a continuação da austeridade destruidora por outros modos, mas que seria preferível ao que está a ser proposto) ou cortes ainda mais drásticos na saúde e na educação públicas (que o governo deseja, mas hesita em assumi-lo); logo, o governo e a maioria preferem sujeitar o país a custos elevados e desnecessários apenas para poder culpar o Tribunal Constitucional (TC) pelas medidas que vierem a tomar mais tarde;
ii) o governo está a criar as condições para poder atribuir ao TC a responsabilidade por um segundo resgate, caso este venha a confirmar-se.
4. A eventual necessidade de recorrer a segundo resgate tem muito pouco a ver como o que vierem a ser as decisões do TC. Como já aqui tentei demostrar, a menos que haja alterações substanciais ao nível da dívida e do enquadramento macroeconómico europeu (e/ou de Portugal na UE), o país continuará a depender do financiamento por parte de credores oficiais durante muitos anos. Isto tem muito pouco a ver com as decisões que vierem a ser tomadas pelo TC, sendo antes determinado pelo nível de endividamento público e privado e pela fragilidade da nossa estrutura produtiva (aspectos que têm sido agravados após três anos de austeridade), bem como pelas regras vigentes na UE. Em suma, Portugal terá de recorrer a um segundo resgate (mais ou menos disfarçado) porque a estratégia de ‘ajustamento’ que foi adoptada nos últimos três anos pelo governo e pela troika não só não resolve os problemas fundamentais da economia portuguesa, como os agrava.
5. Mesmo que o segundo resgate venha disfarçado de ‘programa cautelar’, não ganharemos soberania com isso – e, seguramente, não sairemos por essa via da trajectória de empobrecimento. Este é o mito da moda, o eixo central da propaganda do governo: o de que um ‘programa cautelar’ representaria o fim do ‘protectorado’. Tal como o Nuno Teles explica aqui em maior detalhe, o chamado ‘programa cautelar’ não é senão a continuação da austeridade e da ingerência externa por outros meios. Poderemos não ter visitas trimestrais da troika, mas continuaremos sujeitos a uma vigilância e uma chantagem permanentes por parte das instituições que mais têm insistido na estratégia até aqui seguida (o BCE e o eurogrupo, que controla o Mecanismo de Estabilidade Europeu). Aqueles que defendem que um ‘programa cautelar’ é mais ligeiro e menos intrusivo do que um segundo resgate baseiam-se num ‘feeling’: não têm nenhum documento ou experiência passada que sustente a sua posição, antes pelo contrário. Com programa cautelar ou sem ele, Portugal não terá mais instrumentos para contrariar a estratégia do “empobrecimento como via para a redenção”. Até que decida tê-los.
e mexer no IRS
ResponderEliminarQuer você dizer, aumentar os impostos.
Ou seja, aumentar a receita em vez de diminuir a despesa.
É claro que isso não é inconstitucional. É apenas mau.
Mexer no IRS (pedindo o esforço de todos) é mau, aumentar os impostos só para os funcionários públicos e pensionistas (chamando-lhe redução da despesa) é um pouco pior, ou não lhe parece?
ResponderEliminarO Luis Lavoura ainda acredita que diminuir a despesa é menos mau do que aumentar os impostos.
ResponderEliminarÉ tudo fé, não há artigos sérios e de qualidade que indiquem isso(procure no Scirus ou no Science Direct que NÂO encontra nada que seja substancialmente de levar a sério em termos científicos).
Mais, mesmo que fosse verdade, isso seria em contra-ciclo económico. Ou em taxas de juro bem longe das scaling laws da ZLB. Mas enfim, são termos que a fé não permite compreender.
Show me the model Luis!
JL