Aparentemente, segundo uma sondagem internacional, Portugal é o campeão da austeridade, com 70% dos portugueses a favor de mais
cortes, o que parece estar desalinhado com outras sondagens, mas as coisas são como são os enquadramentos.
Teresa de Sousa, no Público, com a objectividade que se lhe
conhece, acha que os portugueses exibem “uma visão realista sobre o
que é preciso fazer”, até porque “não houve verdadeiros cortes naquilo que vêem como despesa do Estado (...) [h]ouve redução de salários e de pensões, o que não é exactamente a
mesma coisa”. É exasperante ler, nesta fase do campeonato, tais dislates numa notícia de um jornal de referência: pensões e salários
são o grosso da despesa pública.
Pergunte-se aos funcionários públicos, pensionistas, desempregados ou
beneficiários do RSI se não houve verdadeiros cortes.
De resto, os portugueses
inquiridos, mas disto não fala Teresa de Sousa, são a favor de cortes
na despesa em geral, ou em áreas menores (defesa e
infraestruturas de transporte), mas não na educação ou noutras
despesas sociais (“bem-estar”), ou seja, pretendem ver o grosso da
despesa a salvo da austeridade, defendendo a sua manutenção ou
aumento. E ninguém os inquiriu sobre cortes no serviço da dívida, uma componente da despesa cada vez mais importante e a única que se pode cortar sem impactos recessivos. Basta um governo com coragem e que defenda os interesses da maioria dos que por aqui vivem.
Bom, o que o
inquérito tem de mais interessante, tendo em conta que o debate
nacional sobre a UE e o euro parece ser dominado por gente para quem Bruxelas e Washington substituíram Pequim ou Moscovo, é que uma proeminente maioria de inquiridos portugueses (65%) acha
que o
euro foi mau para a economia e que 36% é a
favor da saída do euro. Isto
sim é relevante, até porque estas percentagens têm crescido e estão destinadas a
crescer. E ainda falta quem lhes dê uma expressão política mais clara. Tudo começa pela desobediência à troika.
cortes no serviço da dívida, uma componente da despesa que se pode cortar sem impactos recessivos
ResponderEliminarTem a certeza?
Se Portugal cortasse no serviço da dívida, no dia seguinte a troica deixaria de emprestar dinheiro ao Estado português.
O que aconteceria depois ninguém sabe com precisão. O Estado português talvez deixasse de pagar salários, ou então paga-los-ia numa moeda desvalorizada. Em qualquer dos casos, os efeitos recessivos não seriam nada pequenos.
Do meu ponto de vista a enormidade que Teresa de Sousa escreveu no público e que o João Rodrigues aqui referenciou, só encontra justificação na necessidade de dar sentido aos resultados que emanam de um inquérito que aos olhos da jornalista, certamente uma acérrima defensora da escola de pensamento positivista, se apresenta como verdade incontestável. Neste sentido, mais do que procurar explicar resultados de estudos e inquéritos que pouco ou nada representam a realidade que as pessoas experienciam no seu dia-a-dia, penso que seria mais interessante perguntarmo-nos sobre o modo como estes inquéritos são realizados, ou seja, em vez de depositarmos as nossas atenções no resultado do estudo, que tal transpô-las para o estudo do estudo. Talvez aí não nos espantaremos tanto com o facto de estas "verdades" serem tão pouco verdadeiras.
ResponderEliminarClaro que HC tem toda a razão.
ResponderEliminarEstes ditos estudos ou sondagens e quem lhes dá guarida e crédito mais não são do que a voz do dono sem qualquer correspondência com a realidade.
De Tereza de Sousa não se esperava outra coisa que não fosse o de servir de correia de transmissão.
Enfim, patetices.
Este inquérito labora num equívoco que a direita tem alimentado, com grande proveito para ela, na sociedade portuguesa.
ResponderEliminarQuando se fala em redução da despesa do Estado, a maioria das pessoas está a pensar nas chamadas
"gorduras" (como reformas chorudas dos políticos, excesso de motoristas e assessores, desperdícios diversos). Não sabem que isso são apenas "trocos" e que o grosso da despesa pública está na saúde, na educação, na segurança social, bem como nos salários e pensões. O que é preciso é desconstruir a narrativa de que a crise financeira se resolve cortando na despesa do Estado. E que esses cortes implicam a destruição do Estado Social.
Se perguntarem às pessoas se o Estado deve reduzir as despesas com as áreas que referi acima, estou certo de que a esmagadora maioria estará contra.
Este inquérito, dirigido por uma organização pró-atlantista e favorável ao neoliberalismo, mais não faz do que tentar mostrar um pretenso apoio dos portugueses às políticas do (des)governo.
Quanto à Teresa de Sousa, não passa de uma reles serventuária do "mainstream" político do Bloco Central, 1000% favorável às atuais políticas da UE e da NATO. Mais palavras para quê? É uma "artista" portuguesa...
Pois na minha opinião esta sondagem (as dos 70%) revela bem o que os portugueses querem: cortes nos salários de todos menos nos deles; cortes nas regalias de todos menos dos deles. Ou seja, cortes nas pensões e nos salários dos FP, os que não são FP. Cortes nos RSI e no subsídio de desemprego, todos os que deles não beneficiam. Cortes na educação que deles não usufrui. E por aí adiante.
ResponderEliminarA responsabilidade para este tipo de pensamento primário reside, a meu ver, numa muito bem arquitetada retórica que ao longo dos anos foi sendo assimilada pelos portugueses: o Correio da Manhã e outros pasquins, as televisões, jornalistas escolhidos a dedo e todo o discurso demagógico, que se autoalimentava, descredibilizando os órgãos de soberania, a política, os tribunais, o Estado, mas que ao mesmo tempo desculpava os verdadeiros facínoras (públicos ou privados) tão ao gosto português do "chico-esperto".
É mais ou menos como fazer um inquérito em que se pergunta às pessoas se são a favor da vida, e concluir que a maioria é contra o aborto.
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