terça-feira, 6 de agosto de 2013

Leituras

«Durante mais de uma década, os swaps foram o produto financeiro sexy por excelência. (...) Hoje é claro que, tal como os empréstimos subprime, os swaps são uma arma financeira de destruição maciça, um jogo de alto risco que foi literalmente vendido por partes interessadas e detentoras de mais informação e mais poder. (...) Não deixa de ser revelador que, cinco anos depois do deflagrar da crise, se assista a uma discussão sobre swaps que, no essencial, trata o problema como sendo sistémico e comportamental do lado do Estado (...) e apenas comportamental do lado do sistema financeiro (a ganância que moveu os banqueiros), quando, na verdade, o problema é sistémico dos dois lados. Um Estado que tem sido desnatado, em nome da austeridade, o que fragiliza objectivamente a capacidade de defender o interesse público, e um sistema financeiro que passou incólume por uma crise pela qual é responsável último.»

Pedro Adão e Silva, Uma verdade sistémica

«Para quem não se lembra, o BPN não estava cotado em bolsa. Por isso, só comprava ações do banco quem a administração convidava para tal. Foi assim com Cavaco Silva, que comprou e vendeu ações do BPN tratando diretamente do assunto com o presidente da instituição, Oliveira Costa. (...) Quer isto dizer que o presidente do BPN beneficiou quem quis - e beneficiou seguramente os seus amigos. (...) Se este caso revela alguma coisa é a podridão com que altas figuras do PSD ligadas ao Estado ganharam muito dinheiro com um banco fantasma que era liderado por uma grupo de malfeitores. E é esse dinheiro fácil que está agora a ser pago, com língua de palmo, por todos os contribuintes. Mais de 4 mil milhões de euros dos nossos impostos servem para pagar as mais-valias e os empréstimos não reembolsados que o BPN concedeu.»

Nicolau Santos, Quem se julga esta gente?

«Uma senhora de apelido Espírito Santo tentando, com certeza, uma graçola, terá dito que gostava dum determinado lugar porque era como brincar aos pobrezinhos. (...) Era capaz de me atrever a recomendar-lhe experiências mais próximas da realidade, mais radicais. (...) Se quiser mesmo uma coisa muito à frente, recomendo o desemprego. Mas o desemprego como deve ser. Aquele em que já passou o período de receber o subsídio. A experiência que cerca de 400 mil portugueses já estão a viver e que mais umas largas centenas de milhares estão prestes a sentir. A que à sensação de inutilidade, a que faz sentir que não se é capaz de obter o sustento pelos seus próprios meios, atira um cidadão para a mais profunda miséria. Viver como se já não fizesse parte da comunidade, como se comunidade ou cidadão fossem apenas palavras sem sentido ou conteúdo. (...) Entretanto, continuo à espera que gente com infinitamente mais responsabilidades que a alegre veraneante da Comporta venha também pedir desculpa por ter passado os últimos anos a insultar os portugueses acusando-os de terem andado a viver acima das suas possibilidades ou de serem sustentados pelos incansáveis trabalhadores do Norte da Europa.»

Pedro Marques Lopes, Do sol na moleirinha

«Em 2013, ano pior da nossa vida coletiva recente, ainda existe gente que continua a ter da pobreza uma imagem romântica, que o salazarismo consagrou ideologicamente e cinco anos de empobrecimento súbito recente não abalaram. "Pobre mas remendado", eis como Salazar via o país. E eis como Cristina Espírito Santo vê o "estado mais puro": "Pintei-a [à casa], renovei-a. Fiz uma boa casa de banho. Mas deixei a estrutura de origem, com colmo em determinadas zonas. Muito rústica. (...) É como brincar aos pobrezinhos". Os que retêm da pobreza a rusticidade e o pitoresco nunca viram um pobre. Não entraram numa mansarda sem água corrente, não mandaram os filhos para a escola sem uma refeição, não passam frio por falta de dinheiro para o aquecimento, não morreram de doença por não poderem pagar a taxa moderadora. Não conhecem o estigma do desemprego, nunca leram, viram ou escutaram a sociedade à sua volta.»

Filipe Luís, Brincar aos ricos

«Escrevo estas linhas numa aldeia ribatejana de fim de estrada, onde só se escuta a camioneta da carreira, até ao dia em que acabarem com isso também. E, no entanto, até aqui os ouço. Riem-se na minha cara. (...) Riem-se na sua cara, quem quer que você seja. Riem na cara da aposentada de Bragança, do funcionário público de Coimbra, do rapper da Brandoa, do comerciante falido do Porto, do desempregado e do emigrado e do pós-graduado que procura um bilhete low-cost para vir a casa. Riem-se na cara dos que tiveram que mudar de país por não mudar o país. (...) Eles riem-se na cara da classe média, da classe baixa e até da classe alta. Eles não têm medo da luta de classes, porque eles acham isso fora de qualquer cogitação: eles estão para lá de qualquer classe. No mundo deles, há regras especiais que são só para eles. Por isso riem-se de cada pedido de demissão: sabem que a oposição nunca se vai entender para mais do que pedir a demissão.»

Rui Tavares, Riem-se na sua cara

4 comentários:

  1. " sabem que a oposição nunca se vai entender para mais do que pedir a demissão.»
    Esta é que é a cruel verdade! Eles roubam-nos. espezinham-nos, levam-nos à miséria...e ainda por cima nos gozam, enquanto a Esquerda, que sempre foi maioritária, se entretêm em guerrinhas entre si em vez de se unir e corre-los para longe!
    Pobre País, com gente tão ignorante!

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  2. "In the last days the pleasure-lovers will certainly give the impression of clemency but they will deny it any power." T. Muntzer

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  3. Para todos os economistas por aqui:

    http://www.smbc-comics.com/?id=3073#comic

    Não se esqueçam de 'clickar' no botão vermelho imediatamente abaixo do comic.

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  4. Rui Tavares a negar a existência da luta de classes ainda vai ser convidado para ministro um dias destas.

    Depois do a culpa é de todos logo a culpa não é de ninguém, temos o a culpa é só daquelas caras que aparecem na televisão. "Pobre país, com gente tão ignorante" diz o anónimo que cita o Rui Tavares sem perceber que pobres e ignorantes são os que ainda dão ouvidos ao Rui Tavares.

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