Disfarçar a iniquidade sob um manto de pretensa justiça social é uma das estratégias neoliberais mais típicas. É um manto diáfano, porém.
Quando Passos Coelho e os seus apaniguados – no governo, na
blogosfera ou em ambos – invocam a equidade para facilitar os despedimentos no
sector público, quando invocam a justiça para retirar rendimentos a reformados
e pensionistas, quando invocam a eficácia para transformar o Estado social
universalista num Estado assistencialista mínimo, a estratégia, de tão batida
que é, já só engana os tolos. Esta justiça, esta equidade e esta eficácia só
nivelam por baixo, nunca por cima. Só desenvolvem o subdesenvolvimento, nunca a
coesão social. Valem apenas quando falamos de trabalhadores, pensionistas,
desempregados, classes populares – nunca quando está em causa reduzir os
desequilíbrios entre trabalho e capital. E pelo caminho visam lançar os trabalhadores
do sector privado contra os funcionários públicos, as classes médias contra os
mais pobres, os nacionais contra os imigrantes, os precários jovens contra as
gerações mais velhas.
Depois de dois anos em que o desemprego disparou de 12% para
19%, em que a parte do capital na repartição funcional do rendimento não cessou
de aumentar em detrimento do trabalho, em que as falências de PME se mediram às
dezenas de milhar por ano ao passo que as grandes empresas rentistas registaram
lucros de centenas ou milhares de milhões de Euros (veja-se o extraordinário
caso da EDP), sabemos já o que é que a economia nacional irá ganhar com este
nivelamento praticado em nome da equidade e da consolidação orçamental. Ganhará
piores serviços públicos, ganhará mais desempregados, ganhará mais
desigualdade, ganhará menos procura interna, ganhará mais falências, ganhará menos
receitas fiscais, ganhará mais défice, ganhará mais dívida. E daqui a alguns
meses, quando a realidade teimar em desmentir pela enésima vez as previsões
macroeconómicas do governo e da troika, estes mostrar-se-ão “profundamente desapontados”.
Todos os dias somos confrontados com a necessidade de comparar o incomparável, este hábito pouco reflectido contribui em larga medida para uma interpretação errónea da realidade, a similaridade entre algo é definida pelo grau de abstracção da análise, a desigualdade instigada pelos governos ou pelo capitalismo não é diferente da que é legitimada pelo cidadão comum, mesmo que este não conheça as implicações das suas acções.
ResponderEliminarA palavra mais perigosa para o regime capitalista tanto em Portugal como no mundo é a palavra classe.
ResponderEliminarCada vez que alguém pronuncia essa palavra com o mínimo de inteligência, os capitalistas rangem os dentes. Não há horror, não há genocídio que não se faça para amordaçar a boca de que se atreve a falar na palavra classe.
Parabéns pela honestidade intelectual e coragem das suas palavras.