quinta-feira, 7 de março de 2013

Só falta a esperança


A 2 de Março tivemos outra grande manifestação nacional. Uma manifestação pouco festiva, reconheça-se. Havia uma revolta contida, adivinhada nos olhares e nos silêncios, um pouco mais visível quando se exigia a demissão do governo. Acho que é importante perceber este clima e para isso arrisco duas razões determinantes. Primeiro, as pessoas têm consciência de que a loucura dos que nos governam, aqui e na UE, ainda não se revelou plenamente. No espírito de todos estava o pacote dos 4 mil milhões de “redução permanente na despesa pública” com que se pretende formatar a nossa sociedade à luz do pensamento neoliberal mais extremo. Segundo, embora sem o dizerem, as pessoas não estão convencidas de que as oposições saibam fazer melhor do que protestar. Por isso, no dia 2 de Março, vimos na rua a combatividade de um povo disposto a resistir, mas angustiado porque não vê uma luz ao fundo do túnel.

Cada uma das sociedades sob tutela da UE tem uma identidade própria, uma história única, e por isso também uma forma própria de enfrentar esta crise. A cultura de um povo, exprimindo a sua forma de estar no mundo, apoiada num “inconsciente antropológico” (a metáfora é de Emmanuel Todd) sedimentado ao longo de séculos, é central na sua identidade e não deve ser ignorada quando se discute a sua economia política. Os economistas enquanto tal geralmente não prestam atenção à cultura, a menos que se trate de analisar e promover a sua mercantilização. No entanto, se ignorarmos a cultura dos povos europeus, corremos um sério risco de falharmos no diagnóstico da presente crise e nas estratégias que defendemos para dela sairmos.

Por exemplo, muitos economistas atribuem o desencadear da chamada “crise da dívida europeia” às hesitações de Angela Merkel em emprestar dinheiro ao governo grego. Acontece que tais hesitações, também à vista nos resultados de sucessivas cimeiras da UE, são apenas a manifestação de uma causa mais profunda que deve ser identificada. Proponho a seguinte: para o povo alemão, a UE não deve implicar a sua subordinação a normativos jurídicos que não tenham a marca da sua cultura, com destaque para o pensamento económico ordoliberal, nem deve implicar transferências permanentes para outros países, muito menos dívida partilhada. Em síntese, a identidade alemã é incompatível com propostas de saída da crise que impliquem mais perda de soberania, como aliás já avisou o Tribunal Constitucional alemão.

O recuo do governo alemão na recapitalização dos bancos espanhóis através do Mecanismo Europeu de Estabilidade, há meses decidida numa cimeira, bem como o adiamento sine die da garantia de todos os depósitos em bancos da zona euro, no âmbito de uma união bancária, são sinais evidentes de que a Alemanha sabe bem o que não quer. Nisto os partidos da oposição não conseguem ser muito diferentes de Angela Merkel. Por isso, soam a falso as profissões de fé num federalismo redentor que um dia lançará um grande programa de reanimação da economia europeia, possivelmente financiado pelos impostos sobre capitais que hoje fogem ao fisco em paraísos fiscais europeus, ou um grande programa europeu de subsidiação de empregos para jovens.

O povo português só respeitará os dirigentes políticos que tiverem os pés assentes na terra, nunca os vendedores de ilusões. É urgente preparar os portugueses para o fim da ilusão da moeda única e, ao mesmo tempo, evitar o impasse político em que gregos e italianos caíram. No dia em que a energia do protesto de massa se converter num programa político que assuma a necessidade de abandonar o colete-de-forças do euro e proponha uma estratégia de desenvolvimento bem fundamentada, apresentada por cidadãos livres de dogmas e de interesses particulares, então chegará o dia em que os portugueses voltarão à rua para exigir serem ouvidos, mas agora com a energia festiva de quem já sabe o futuro que quer. É só isso que falta, a esperança.

3 comentários:

  1. "No dia em que a energia do protesto de massa se converter num programa político" ou numa revolta popular... das duas, uma!

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  2. é de facto a discussão que falta. quando os comentadores do dinheiro dizem que a saída do euro seria um desastre, duvido muito, pois, desastre é que estamos agora a viver. Lembro a Argentina que quando se libertou do dolar, cresceu. Ou lembro o medo da saída da grecia do euro, por parte dos alemães... que cederam para que tal não sucedesse. o euro é um grilhão, muitos já perceberam...

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  3. O povo é o culpado por esta situação, pois sofre de bipolaridade partidária - legitima os ladrões na governação alternadamente. Fui a muitas manifestações nos inicios da crise, mas os refastelados Funcionários públicos mantinham-se "quentinhos no seu ninho". Agora acordaram e eu adormeci de tanto egoismo e hipocrisia. " Primeiro, os nazistas vieram buscar os comunistas, mas, como eu não era comunista, eu me calei. Depois, vieram buscar os judeus, mas, como eu não era judeu, eu não protestei. Então, vieram buscar os sindicalistas, mas, como eu não era sindicalista, eu me calei. Então, eles vieram buscar os católicos e, como eu era protestante, eu me calei. Então, quando vieram me buscar... Já não restava ninguém para protestar." - Martin Niemoller

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