A crise que estamos a viver tem muito em comum com a crise de entre as duas grandes guerras do século XX, com destaque para o quadro institucional e ideológico da política económica. A maioria dos economistas acreditava (era mesmo uma crença!) que um orçamento equilibrado dava confiança aos agentes económicos e que medidas de austeridade eram indispensáveis à recuperação da economia. Por outro lado, as taxas de câmbio estavam fixadas pela institucionalização do padrão-ouro. Por isso, com livre circulação de capitais e câmbios fixos, a política monetária não estava disponível. A política económica reduzia-se à engenharia do empobrecimento através do desemprego para reduzir os custos de produção. Esse tempo regressou. Sob a tutela do ordoliberalismo germânico, uma variante da “economia da idade das trevas” na expressão de Paul Krugman, as elites políticas e financeiras da UE enterraram boa parte da sua periferia numa nova grande depressão e induziram uma nova recessão continental. Hoje, milhões de pessoas estão desesperadas e não vêm qualquer luz ao fundo do túnel. Por isso, em alguns países europeus já eclodiu, enquanto noutros está em gestação, o “tempo fascista” que Karl Polanyi tão bem descreveu na “Grande Transformação” (1944, cap. 20).
Dizia Polanyi: “Imaginar que foi a força do movimento [fascista] que criou situações desta natureza e não ver que, neste caso, foi a situação que deu origem ao movimento, significa não aprender a marcante lição das últimas décadas.” Esta passagem devia ser meditada por todos aqueles que se opõem à presente política de neoliberalismo selvagem. É que o “tempo fascista” é um tempo de impasse político, um tempo em que os partidos se revelam incapazes de apresentar uma proposta que rompa com “a situação” geradora do desemprego de massa, lançando assim os cidadãos desesperados para os braços de um demagogo carismático.
Para romper com este impasse, a oposição precisa de mobilizar os cidadãos para acções de protesto pacífico numa escala e numa duração inéditas face às quais, à semelhança do que aconteceu na Islândia e na Bulgária, a queda do governo se tornaria inevitável. Para que tal pudesse acontecer, tendo em conta o descrédito em que caíram, os partidos da oposição teriam de a) participar numa frente política abrangente, liderada por um colectivo de cidadãos sem vínculo partidário e (b) assumir que o desenvolvimento do país, baseado numa política económica visando o pleno emprego, não é possível sem que o país recupere a soberania monetária. Só com uma mudança radical no seu posicionamento estratégico, ilustrado por estas duas condições, seria porventura ainda possível encontrar, antes das legislativas de 2015, uma resposta política progressista para o “tempo fascista” que vivemos.
O sofrimento que atravessa a sociedade portuguesa, o visível desnorte do governo num beco sem saída, a que se junta a irrevogável preocupação com o destino das poupanças suscitada pelo resgate dos bancos de Chipre, tudo junto parece ter criado receptividade a uma proposta política credível que responda de forma construtiva a este “tempo fascista”. A capacidade de regeneração da democracia portuguesa está hoje posta à prova.
(O meu artigo no jornal i)
A democracia não está garantida: o capitalismo só não tende para o fascismo em situações de estabilidade ou de progresso. E é isso que não existe hoje. Como dizia o amado Zeca: põem-te em guarda!
ResponderEliminar" Para que tal pudesse acontecer, tendo em conta o descrédito em que caíram, os partidos da oposição teriam de a) participar numa frente política abrangente ..."
ResponderEliminarO debate de ontem no Parlamento entre PCP e PS mostrou bem (se ainda fosse necessário) quanto isto está distante.
Estamos a atravessar uma crise muito semelhante à do intervalo entre as duas guerras. A repetição do que aconteceu em 1929 é possível e o que vier a seguir é imprevisível.
ResponderEliminarhttp://sempunhosderenda.blogspot.pt/2013/03/jorge-bateira-ou-um-dislate-muito-pouco.html
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