sábado, 13 de outubro de 2012

Prémio à desunião

O actual modelo de construção europeia conduzido pela UE e pelas suas instituições é absolutamente contrário aos interesses dos trabalhadores e dos povos do nosso Continente. Não se pode premiar, em nome da paz, uma instituição que de forma cada vez mais acentuada põe em causa direitos laborais, sociais, culturais, da paz e da cooperação entre os povos. 

A declaração da CGTP é bastante pertinente e contrasta com um europeísmo acrítico cada vez mais anacrónico. De resto, o Prémio Nobel vem com mais de dez anos de atraso, como assinala Medeiros Ferreira. Acho que quando muito vem com pelo menos mais de vinte anos de atraso, já que até teria sido de algum modo defensável a sua atribuição à CEE, sobretudo enquanto foi compatível, apesar do viés liberal original, denunciado, por exemplo, pela social-democracia escandinava ou pelo trabalhismo britânico, com a reconstrução dos Estados e/ou com o reforço das suas capacidades. Isto numa outra configuração institucional, menos entusiasta da liberalização sem fim e numa outra correlação das forças sociais. Já esta UE é um fracasso porque foi um sucesso neoliberal. Maastricht assinalou uma ruptura pela qual estamos a pagar muito caro. Uma figurinha como Durão Barroso - será que é ele que vai a receber o tal prémio? - simboliza bem a mediocridade e perversidade de todo o arranjo.

A UE é hoje uma construção que humilha os povos, sobretudo os periféricos, o euro-imperialismo, mina a sua independência, atrofia decisivamente as democracias, tem inscrita o neoliberalismo nas suas instituições centrais, na sua rigidez monetária, na sua assimetria mil vezes denunciada e com os seus mecanismos explicitados, revelando ser um dos instrumentos mais poderosos de que de que alguma vez dispuseram certas fracções da burguesia para reconfigurar as economias políticas nacionais, sendo aliás um factor não de controlo, mas sim de intensificação da globalização. Trata-se de um arranjo que está fadado para ser uma causa de conflitos porque é um factor decisivo de polarização social e regional, de perda, sem compensação, de instrumentos de política económica, de austeridade permanente, de desemprego de massas. Nem todo o poder da propaganda é capaz de evitar esta realidade durante muito tempo, ainda para mais quando a bolha de Bruxelas, de uma Comissão Europeia rodeada de mais grupos de pressão empresariais do que aqueles que existem em Washington e com menos vestígios de democracia, gera todas as miopias entre as elites políticas, fazendo com que o eixo político Bruxelas-Frankfurt esteja até à direita do próprio FMI. Isto não é conjuntura, é estrutura.

A única questão é saber como saímos daqui e como reconstruímos um processo de coordenação europeu, de geometria variável, que aumente a margem de manobra dos Estados, ou seja, das democracias realmente existentes. Enquanto toda a esquerda não se convencer de que esta é a tarefa, enquanto não voltar às análises críticas dos socialismos europeus, do movimento sindical, estará condenada a derrotas seguidas de ainda mais derrotas. O resto é solidariedade com várias escalas, a passar por uma aliança das periferias que trabalhe na divisão credor-devedor, apenas uma das muitas fracturas geradas.

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5 comentários:

  1. Em primeiro lugar Povos =/= trabalhadores assalariados. Em segundo lugar, há organizações de trabalhadores de direita.

    Em terceiro lugar, se a CGTP acha que estaríamos melhor servidos com um socialismo ao estilo da União Soviética, Coreia do Norte, Cuba ou mesmo a China, tem de estudar tanta história como os economistas neoclássicos. O socialismo, como tem sido aplicado em todos os países que enveradaram por essa experiência, gera pobreza em massa e uma correlação de poderes entre o Estado/funcionários do Partido e o povo em geral muito mais chocante que a que existe atualmente nos países "neoliberais" entre patrões e trabalhadores. Se nós estamos a pagar muito caro pelo neoliberalismo da UE, os cubanos, os norte-coreanos e os chineses dissidentes estão a pagar muito mais pela opção pelo socialismo/comunismo. Apesar de esmagados pela austeridade, nós pelo menos podemos protestar, satirizar, conhecer alternativas e votar nelas, já os povos governados por governos comunistas não. Se tiverem azar, ainda são executados ou presos.

    A UE humilha uma parte dos povos periféricos. Os governos comunistas deixam-nos passar fome e prendem-nos ou matam-nos se reclamarem. A UE promove, de acordo com os autores, o euro-imperialismo (o que quer que isto seja); o socialismo internaticonal queria a ditadura do proletariado à escala global. A UE atrofia as democracias; o comunismo não as deixa existir.

    Porque é que será que os alemães da RDA fugiam para a RFA? Devia ser por toda a "propaganda" capitalista...

    Podem criticar quanto quiserem, mas se a UE tem um pendor neoliberal, é porque os governos democraticamente eleitos que a fundaram lhe deram esse pendor, se o parlamento europeu é maioritariamente neoliberal é porque os cidadãos europeus que não tiveram preguiça no dia das eleições votaram maioritariamente em partidos de direita.

    Apesar de eu concordar com as críticas à política económica da UE, não me esqueço que é assim porque a maioria dos cidadãos votantes prefere as políticas de direita. Parece que alguns esquerdistas só querem a democracia se garantir maiorias de esquerda.

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  2. Veja-se esta afirmação contante da declaração da CGTP:

    "O directório das grandes potências, hegemónico na U.E., tem vindo a impor a regra do mais forte, degradando as condições de vida e de trabalho, acentuando as desigualdades e assimetrias, bcontribuindo para o aumento exponencial da pobreza e da exclusão social e para o cerceamento da soberania dos povos."

    Ora, de acordo com a Rede Europeia Anti-Pobreza, apesar de a percentagem de pessoas em risco de pobreza não ter diminuído nos últimos anos, a verdade é que não aumentou exponencialmente, como afirma a CGTP. Aliás, manteve-se praticamente inalterada. Obviamente que este resultado não é desejável, mas não percebo que necessidade é que a CGTP tem de mentir para avançar a sua agenda.

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  3. Ricardo Reis,

    Essa Rede de não sei o quê, pode trabalhar estatísticas e tendências.

    Eu, identifico realidades e sofro da angustia de familiares e amigos, que na casa dos 50 anos estão no desemprego e sem rendimentos. Talvez daqui a dois anos essa rede do não sei o quê, releve com o que a CGTP agora com justeza afirma.

    Quando deixamos de ver o mundo como ele é visto do nosso sofá???

    Mário Reis

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  4. Mário Reis,

    Essa "rede de não sei o quê" é mencionada neste post como uma das organizações do "Encontro ALternativo da Europa": http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2012/10/hoje.html
    Surge associada a várias organizações de esquerda como a ATTAC e a sindicatos. Mais insuspeita não podia ser.

    De qualquer forma, os dados não são da REAP, mas sim do Eurostat.

    Por mais dramáticas que possam ser as situações que testemunha, não permitem traçar uma ideia geral da evolução da pobreza na União Europeia nos últimos 5, 10 ou 20 anos.

    De qualquer forma, é muito provável que a pobreza tenha aumentado de 2011 a esta data nos países periféricos do Sul, especialmente os que estão sujeitos aos programas de resgate.

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  5. Caro Ricardo Reis,

    O seu primeiro comentário, totalmente respeitável é certo, assenta numa base argumentativa algo frágil: devemos valorizar a UE porque, em diversos sentidos, vive-se aqui melhor do que em diversas ditaduras de inspiração socialista ao longo da história. Posto assim, é um argumento algo fraco, não acha? Sugiro talvez o nobel do próximo ano para o capitalismo, posto que em muitos sentidos é preferível ao feudalismo. O argumento talvez fizesse sentido se os autores deste blogue defendessem outra coisa que não o aprofundamento de toda a democracia, formal e substantiva, mas realmente não é o caso.
    Posto isto, a minha visão do nobel para a UE é que o seu sucesso de 60 anos a promover a paz entre os povos tem como contrapartida 20 anos de promoção, em sentido único, da guerra entre classes, pelo que o balanço é questionável e o 'timing' simplesmente patético.
    Cumprimentos

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