terça-feira, 17 de julho de 2012

Escrutínio e permeabilidade (I)

«É preciso pedir explicações a quem aprovou esta lei [equivalências no ensino superior], Mariano Gago, o ministro mais tempo em funções no nosso país», considerou no sábado passado Duarte Marques, líder nacional da JSD, a propósito da licenciatura de Miguel Relvas.

Estas declarações trouxeram-me à memória «Os acusados», de Jonathan Kaplan (1988). O filme relata o caso verídico da violação de Cheryl Araujo num bar de New Bedford e a batalha judicial que se segue, com a defesa dos esturpadores a tentar culpar a vítima (justificando o sucedido, por exemplo, com o modo como se vestia e a forma como dançava).

Com uma lógica idêntica, Duarte Marques considera - no «caso Relvas» - que a fraude académica e administrativa em apreço resulta basicamente da transposição (pela mão de Mariano Gago) das orientações de Bolonha em matéria de certificação de competências no ensino superior. Criada a oportunidade de fraude, como atribuir culpas a Miguel Relvas ou à Universidade Lusófona, as verdadeiras «vítimas» deste processo, segundo o líder da JSD? É curioso, aliás, que este entendimento - igualmente anedótico - vá contudo em sentido oposto ao de outro liberal, João Miranda, que acha que o Estado não deveria meter, nem a ponta do nariz, na absoluta liberdade de organização das instituições de ensino superior.

A questão que merece ser assinalada é contudo mais profunda e estrutural. A lógica de inclusão dos privados nos supostos «sistemas nacionais» (de saúde, educação ou protecção social), defendida pelas direitas que querem «ir ao pote» e com cedências sucessivas das «terceiras vias» europeias (em nome de uma mirífica redução do papel do Estado à função de regulador) - tem sido fortemente contestada por sucessivos «casos», em diversas áreas (veja-se a sucessão de escândalos do ensino superior privado em Portugal, o modo como se instituíram entre nós as PPP's rodoviárias e da saúde ou o funcionamento das entidades reguladoras, por exemplo). A hipótese a colocar, e que merece ser analisada, é a de que - nesta lógica de concretização de políticas públicas através dos privados - se perde uma considerável capacidade de escrutínio e se abre um vasto campo de permeabilidade a interesses obscuros, dificilmente perscrutáveis.


10 comentários:

  1. Mais um com um currículo "riquíssimo" via JSD.
    Futuro Ministro não tarda muito!
    Entregues a este tipo de gente, nunca seremos ninguém. O que dói mais é que somos nós sempre a escolher os mesmos. Triste povo...

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  2. Há um caso bem claro que ilustra a afirmação do último parágrafo: a privatização da acção executiva e o correspondente descontrolo da acção dos novos agentes, os solicitadores de execução...
    O sistema não funciona, é laxista a 200%, mas o cidadão não pode fazer nada, na prática.
    O controlo, antes, funcionava; agora, de grilo!

    A.M.

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  3. Completamente de acordo.
    Trata-se aqui de uma subtil variante, se tanto, à tactica de culpabilizar a Univ. Lusófona apesar da tal estratégia de favorecer o ensino privado.
    Enfim, o caso chama-se Relvas e o resto é ruído para disfarçar a conivência do PSD.

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  4. Pequena correcção (irrelevante, eu sei, mas...): se a memória não me falha, no filme de Kaplan a violada era norte-americana e os violadores eram... imigrantes portugueses (ou luso-descendentes). O filme baseia-se, aliás, num caso real. Convenhamos que a Jodie Foster, com aquele ar, dificilmente poderia encarnar uma portuguesa!

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  5. Caro Mário Machaqueiro,
    Tem toda a razão. A vítima era de facto americana (Cheryl Araujo) e os violadores imigrantes portugueses. Talvez induzido pelo apelido (que no nome fictício do filme - Sarah Tobias - levaria igualmente ao engano), tinha a ideia de que se tratava de uma portuguesa. Já procedi à devida rectificação. Obrigado.

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  6. Esta estratégia é clássica na actual maioria. Perante os vígaros do BPN a palavra de ordem era atacar o Constâncio porque não exercera a função de regulador.
    No caso do Relvas híper-turbolicenciado a responsabilidade de Gago será apenas a de ter adoptado as orientações de Bolonha para o que contou, aliás, com o apoio da actual maioria. Sobre a regulamentação do reconhecimento das competências profissionais considero que a actual situação tanto permite fazer favores aos Relvas deste país como penalizar/descriminar outros que com currículos profissionais sólidos e com habilitações académicas relevantes vêm essas qualificações ignoradas. Apenas por f.da.p.
    A forma de fazer este reconhecimento deve ser regulamentada, deve envolver uma avaliação externa e, nunca por nunca deve depender, apenas e só, dos interesses da universidade em questão.
    Um aluno com determinado currículo profissional deve vê-lo reconhecido, caso seja relevante para a área que pretende frequentar, independentemente da universidade a que se candidata e das máfias que, pontualmente imperam no departamento da sua área de preferência. Mas estamos a falar sempre de algumas dezenas de créditos em casos devidamente comprovados nunca de uma Relvada competa.

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  7. Eu tenho uma frequência universitária pré-Bolonha e nunca me passou pela cabeça reentrar no Ensino e pedir equivalências para suprimir um ou dois anos do Curso...Nunca me passou pela cabeça porque o que eu procurei sempre, foi aprender, mais e mais e acho que suprimir etapas, é eliminar possibilidades de aquisição de conhecimentos.
    Agora que estava na hora de pensar em recomeçar até me rio com estes subterfúgios...
    -Se as pessoas precisassem disto para conseguirem um trabalho ainda era compreensível, um canudo exigido para um emprego, uma forma de poder ganhar a vida, mas assim nestes termos é pura aldrabice...Não é admissível.
    Especialmente em pessoas que estão bem instaladas, governantes ou candidatos a tal, influentes, gestores de meios importantíssimos, entrarem por estes caminhos que revelam baixeza de princípios éticos e morais.
    Pessoas que olhavam de alto para os outros, com a arrogância de quem estava num patamar diferente, e estavam, no patamar de quem dirige os destinos de um País e de uma população à espera de um futuro melhor e mais tranquilo.

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  8. eh, esse gajo está do mais direitinho aos padrinhos das lojas, de avental e tonsura, que nem rais o parta, ridículo e igualzinho ao relva danada .

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  9. Este País não vai lá enquanto esta canalha dos políticos não deixar de defender as suas vigarices com a lei que ela própria faz cheia de buracos, precisamente com o objectivo de se aproveitar deles.
    A questão não é de leis, mas sim de moral e de honestidade.
    Por exemplo, a lei que permite aos deputados e governantes ganharem um balúrdio por terem a morada oficial numa terra qualquer, quanto mais longe de Lisboa melhor, foi feita com um objectivo que não tem nada que ver com o aproveitamento abusivo que esta ralé faz dela. Basta lê-la para perceber isso.
    Mesmo com buracos, as leis permitiriam, se os juízes fossem corajosos, condenar estes vígaros.
    Por exemplo, faz-se uma investigação sobre o Freeport e chega-se à conclusão de que, na mesma altura em que supostamente o Sócrates recebeu um milhão de euros, comprou dois edifícios em Lisboa. Não se vai ver onde é que ele arranjou esse dinheiro porquê?
    Há ou não há aqui uma ligação? O que é que é preciso então para o condenar?
    Mas como, se os próprios juízes recebem outro ordenado para "alojamento", mesmo que tenham casa própria na terra em que trabalham, ou que sejam um casal a trabalhar no mesmo sítio, e isto independentemente do custo médio de arrendamento na terra em que estão.
    Termino acentuando esta ideia: em Portugal a questão não é de leis, mas sim de honestidade dos detentores de cargos públicos.
    Ora, como não nos podemos fiar na honestidade dessa gente, o futuro não é promissor...

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  10. Este é o tipo que diz que foi para a JSD porque o Relvas lhe deu uma t-shirt.
    O mesmo betinho que tropeçava nas palavras quando veio defender a licenciatura abortiva do Relvas, através de argumentos humoristicos que só o envergonharam.

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