1. Será que a Espanha teve afinal uma “década irresponsável”, como defendeu Merkel? Olhem para a dívida e para o défice públicos espanhóis antes da crise, as grandes obsessões do novo tratado, mais bem comportados do que os alemães. O problema começa afinal pela dívida privada que ninguém no fundo quer controlar, porque isso implica controlar os bancos, sair de um regime de baixa pressão salarial ou socializar as rendas dos solos e a provisão de bens associados como a habitação. Em época de crise, essa dívida privada transmuta-se sempre em dívida pública. Mas não foi essa dívida privada mediada por decisões de “mercado”, eficientes por natureza? E não foi essa dívida, na sua decisiva componente externa, o outro lado de decisões de financiamento de bancos alemães, que assumiram a missão de canalizar excedentes para belos e solarengos prédios à beira mal plantados, beneficiando do facto de a Alemanha ter trancado economias menos desenvolvidas numa moeda feita à medida das necessidades dos seus sectores exportadores e do capital financeiro que opera à escala internacional? Isto não foi irresponsável? E não foi com base na hipótese dos mercados financeiros eficientes que se justificaram e justificam todas as transformações liberais associadas a esta integração, a começar na abolição dos controlos nacionais de capitais, na privatização dos bancos, na sua exposição à concorrência e a acabar numa regulação ligeira e nada intrusiva, feita por um banco central obcecado com a suposta rigidez laboral? Não terá sido a politica neoliberal associada à integração uma imensa “irresponsabilidade” a que há que pôr termo de forma tão expedita quanto possível?
2. Vicenç Navarro e Juan Torres López, talvez as duas principais vozes económicas progressistas em Espanha neste momento, escreveram esta semana um artigo conjunto no publico.es que vale a pena ler: El rescate traerá más recortes y no sirve para salir de la crisis. Com as taxas de juro da dívida pública em níveis insustentáveis, tal como foi reconhecido pelo ex-responsável do Lehman Brothers na península e actual ministro da economia espanhol, a Espanha em peso vai cair na rede tóxica europeia e, juntamente coma Itália, furá-la. Os bancos não são separáveis do Estado e da restante economia em crise. É preciso insistir, não desistir de denunciar todas as fraudes convenientes.
3. Entretanto, a denodada luta dos mineiros asturianos, que já dura há várias semanas, confirma a tradição histórica de tal comunidade operária, a sua economia moral. Tem estado à altura da violência das políticas em curso, cujas declinações cada vez mais repressivas são reveladoras da real economia política do neoliberalismo. Perante governos periféricos que crescentemente fazem lembrar forças de ocupação, o movimento operário, confrontado com uma ameaça existencial, será sempre uma componente absolutamente vital das forças sociais de resistência, das forças sociais de libertação…
Vivemos na loucura da normalidade,a normalidade que nos afunda a todos num mar de numeros e de dividas reais e ilusórias.
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