quinta-feira, 17 de maio de 2012

Um europeísmo realista


A crise da zona euro parece encaminhar-se a grande velocidade para um desfecho ditado pela dinâmica especulativa dos mercados financeiros, sendo esta acelerada pelo impasse político em que a Grécia caiu após as recentes eleições e pela recusa da Alemanha, da Comissão e do BCE em admitir que a política de austeridade é contraproducente. Fala-se agora numa agenda para o crescimento, uma retórica que está longe de obter consenso e, mesmo que venha a traduzir-se em decisões, está ainda mais longe de se concretizar em investimentos reais com efeitos significativos sobre a criação de emprego em Portugal. Por agora ainda não se reconhece que a crise é muito mais privada do que pública e que é sistémica já que une devedores do Sul e credores do Norte.

Em Julho de 2009 escrevi no Ladrões: "De facto, uma moeda única não é sustentável quando as grandes desigualdades de nível de desenvolvimento dos estados envolvidos não são contrabalançadas por uma política económica comum. Confirmando esta objecção de fundo, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) aguentou-se mal no passado recente e teve de ser flexibilizado. Agora a recessão global em que estamos mergulhados está a criar as condições que vão precipitar o fim do próprio euro. Custa-me fazer esta afirmação, mas o meu europeísmo é um projecto político realista e não uma ideologia que transporta para fora da realidade. E a realidade a que não podemos fugir é que a Alemanha está a criar as condições perfeitas para acabar com o euro."

Decorridos mais de dois anos de crise do euro, ainda há muitos europeístas que tomam os desejos pela realidade. Alguns acreditam que a Alemanha até poderá deixar cair a Grécia, contra a qual construiu uma narrativa de culpabilização extrema. Já quanto à Irlanda, Portugal, e sobretudo a Espanha, todos esperam uma viragem de política que evite o colapso. Mas estão enganados. Nos próximos meses vão ter de se render à evidência. Vão ter de reconhecer que a saída para esta crise não se fará por reformas a partir do que existe, antes exige uma refundação do projecto europeu.

O tempo das ilusões já se esgotou. Talvez o Norte da Europa possa suportar perdas da ordem dos 400 mil milhões de euros em créditos de diferente natureza concedidos à Grécia. Mas há que contar com a corrida aos bancos após a bancarrota grega e com os efeitos de contágio que produzirá. Ora a recente nacionalização do Bankia, o quarto maior banco de Espanha, criado pela fusão de várias caixas de aforro que não foram reestruturadas, com 10 milhões de clientes e cerca de 37 mil milhões de euros em crédito imobiliário tóxico, é um sinal precursor da enorme escala das perdas que vêm a caminho. Como em Portugal, a recessão em Espanha vai fazer crescer o crédito malparado que se adicionará aos créditos imobiliários tóxicos, ou seja, ainda avaliados aos preços anteriores à explosão da bolha.
Percebe-se a crescente preocupação dos EUA com a crise europeia.

Não me parece realista pensar que as dívidas públicas alemã, holandesa e finlandesa vão explodir para financiar a reestruturação do sistema financeiro espanhol e recapitalizar os bancos credores europeus, a que terá de se juntar o financiamento do estado espanhol e o segundo pacote à Irlanda e a Portugal. A emissão de eurobrigações e uma inundação de moeda criada pelo BCE, para financiar tudo o que fosse preciso, permitiria ganhar o tempo necessário para enfrentar a dimensão estrutural desta crise. Acontece que os eleitorados do Norte não parecem dispostos a caminhar em direcção ao federalismo. Um europeísmo realista deveria reconhecer que a União Europeia só sobrevive se for libertada desta união monetária insustentável.

(O meu artigo de hoje no jornal i)

6 comentários:

  1. PSD diz: ESTAMOS MUITO PERTO DA TRAGÉDIA

    Miguel Frasquilho considera que os responsáveis políticos europeus e o Banco Central Europeu não têm feito tudo o que é possível para minorar as consequências da crise. Se nada for feito nos próximos dias, estaremos à beira do precipício, garante.

    http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=557463

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  2. Tudo excelente, excepto a conclusão. É a própria União Europeia que terá de ser refundada, já que esta não tem qualquer hipótese de subsistir depois do colapso do euro.

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  3. Desejo ardentemente que os países da comunidade se revoltem contra este estado de coisas. A Alemanha quer a todo o preço ser o comandante de toda a Europa.
    O Banco Central europeu está sediado na Alemanha e agora são eles que comandam o estado dos países.

    Até aqui ter uma dívida era uma dor de cabeça para qualquer cidadão mas agora inventaram uma dívida colectiva que cresce sem regras.

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  4. «caminhar em direcção ao federalismo»

    -> Para muita gente vale tudo em nome da crise... todavia, no entanto, pelo contrário, existe gente a considerar que muito muito mais importante do que a crise... é o DIREITO À SOBREVIVÊNCIA!!!
    Todos diferentes!!! todos iguais!!!
    ---> Isto é, TODOS os Povos Nativos do Planeta Terra:
    -> inclusive os de 'baixo rendimento demográfico' (reprodutivo)!...
    -> inclusive os economicamente pouco rentáveis!...
    devem possuir o Direito de ter o SEU espaço no Planeta!!!
    Dito de outra maneira - são duas formas de estar no planeta completamente diferentes:
    - os anti-separatismo (globalization-lovers) ameaçam com 'isto', ameaçam com 'aquilo', e andam numa busca de pretextos para negar o Direito à sobrevivência de outros;
    - pelo contrário, para os pró-separatismo, os outros que fiquem na deles..., os pró-separatismo apenas querem o sobreviver da sua Identidade e terem o SEU espaço no planeta.
    .
    -> As famílias não são independentes/autónomas... todavia, devem as famílias abdicar da sua Identidade?... Resposta: Nâo!
    -> As Nações não são independentes/autónomas... todavia, devem as Nações abdicar da sua Identidade?... Resposta: Não!
    .
    -> De década em década numa alegre decadência 'kosovariana'... não obrigado!!!
    --->>> Não vamos ser uns 'parvinhos-à-Sérvia'........ antes que seja tarde demais, há que mobilizar aquela minoria de europeus que possui disponibilidade emocional para se envolver num projecto de luta pela sobrevivência... e SEPARATISMO-50-50!...

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  5. Concordo com os pressupostos e a análise do autor. No entanto, julgo que a solução não poderá ser encontrada no aprofundamento do federalismo europeu, que é um mero artifício intelectual e uma autêntica falácia. Pretender federar a Europa é a mesma coisa que tentar promover a integração plena nas sociedades ocidentais dos cidadãos da etnia cigana, levando-os a aceitar a trabalhar por conta de outrém, que não seja do seu grupo familiar. E este desiderato, cujos benefícios adivinhados preenchem os critéios da racionalidade económica, nunca irá ser alcançado. Para além dos obstáculos de ordem económica e financeira, que são enormes e complexos, a razão terá de ser encontrada no lastro da História e da Cultura, de origem remota, que mergulha na escuridão da época tribal. As fronteiras políticas da Europa nunca resistiram por muito tempo ao ímpeto das manifestações idiossincráticas dos seus diferentes povos, que, devido à amenidade do clima e à relativa fertilidade dos solos, se diversificaram pelo território, construindo cada um deles identidades próprias, embora possuindo entre eles denominadores comuns. Somos descendentes diretos daqueles povos bárbaros que tiveram o seu momento de glória, no século V, com a capitulação de Roma e que destruiram, em todo o império, tudo aquilo a que não sabiam dar uso, e começando a partir daí a dar forma e conteúdo ao mosaico colorido dos futuros estados europeus. Nem os césares, nem os papas, nem Carlos Magno, nem Napoleão nem Hitler conseguiram atar o nó que o ímpeto dos nacionalismos, os sucedâneos do tribalismo primitivo,sempre conseguiu desatar.
    E os próximos tempos, que serão dramáticos,tal como o foram os das duas guerras mundiais do século passado, irão mostrar, com toda a evidência, que a Europa não passa, na realidade, de um conjunto civilizado de povos bárbaros. Entre eles, a mortífera guerra financeira já começou. Só não sabemos é como vai acabar.
    Para já, um aspeto alarmante ganha evidência significativa e que, ao mesmo tempo, é chocante: o da ausência de qualquer manifestação de solidariedade efetiva dos cidadãos europeus para com o povo da Grécia, situação que, amanhã, se repetirá para com os povos português, espanhol e italiano.

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  6. Em defesa da minha tese, que explicitei em comentário enviado anteriormente, e ainda não publicado, deixo aqui a opinião do intelectual francês, Emmanuel Todd:
    "En mi libro La invención de Europa, yo preconizaba ya en 1990, que quince o veinte años más tarde, Europa sería una jungla. Mi investigación antropológica me había convencido que la diversidad de sistemas familiares, de temperamentos políticos y sociales [europeos] haría que la moneda única [es decir el euro] fuese por decir, algo casi imposible [de administrar]".

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