terça-feira, 10 de abril de 2012

Um regime de acumulação em crise (I)


Desloquemos a discussão por um instante para o quadro geral do capitalismo avançado e para a escala das décadas. Já aqui tenho argumentado por diversas vezes que a crise de 2007-? não é uma mera flutuação cíclica, mas sim a crise terminal do actual regime de acumulação – uma crise análoga à da década de ‘70 que, tal como esta última, só será resolvida através da sua substituição por um novo regime de acumulação (ou, cenário mais hipotético que outra coisa no curto-médio prazo, através da própria superação do modo de produção). A ser assim, decorrem daqui, entre outras, as seguintes implicações: primeiro, daqui para a frente o processo de acumulação de capital não poderá continuar a decorrer da mesma forma e a assentar na mesma configuração institucional e político-económica (i.e., “mais do mesmo” não funcionará); segundo, estamos a atravessar uma fase de bifurcação e turbulência em que o desenlace do confronto das forças sociais terá implicações mais profundas e decisivas (e em que a agência individual e os acidentes históricos têm mais importância) do que nas fases de relativa estabilidade. Antes de discutir estas implicações e o seu significado político, porém, faz sentido regressar à premissa: o que é um regime de acumulação, o que caracteriza o actual regime de acumulação e porque é que este se encontra em crise?

Introduzido originalmente pelos autores da chamada “escola da regulação”, o conceito de regime de acumulação pretende explicar a alternância de períodos de estabilidade e crise que caracteriza a evolução histórica do modo de produção capitalista. Os períodos de estabilidade correspondem , nesta perspectiva , ao período de vigência de um determinado regime de acumulação, durante o qual as instituições legais-políticas, a distribuição do produto social, a organização social da produção e as restantes dinâmicas e instituições político-económicas se articulam de uma forma relatuivamente coerente que permite estabilizar o processo de acumulação do capital. Mais cedo ou mais tarde, porém, os limites e contradições latentes no regime de acumulação tornam-se manifestos e provocam uma crise estrutural, só superada através da sua substituição por um novo regime de acumulação, cujas características dependem do resultado do confronto entre as forças sociais em presença.

Para se perceber melhor tudo isto, é útil regressar no tempo ao regime de acumulação anterior, que esteve subjacente ao crescimento económico das décadas após a 2ª Guerra Mundial e que é habitualmente designado por “fordismo”. Mais do que pela questão da produção em massa que o epitomiza, este regime de acumulação caracterizou-se pelo rápido crescimento da produtividade, do produto, dos salários e do consumo nas economias mais avançadas; pelos níveis elevados de emprego; pela socialização da provisão de um conjunto crescente de bens e serviços; e pela repressão financeira (através tanto da manutenção de níveis relativamente elevados de inflação como da regulação e controlos de capitais). Este regime de acumulação assegurava a relativa estabilidade do processo de acumulação de capital na medida em que o crescimento dos salários e a correspondente expansão do consumo garantiam a realização do capital, ao mesmo tempo que os níveis elevados de emprego e o crescimento dos salários directos e indirectos asseguravam a estabilidade política do sistema. Porém, esta solução para o problema da acumulação continha em si mesma a semente de novas tensões e contradições, que a prazo se tornaram manifestas: o “problema” do ponto de vista político foi o facto das conquistas cumulativas dos trabalhadores terem feito com que a possibilidade de transformações sociais anti-sistémicas (leia-se, anti-capitalistas), possibilitadoras de uma emancipação e de um bem-estar mais mais efectivos, se tornasse mais iminente (de onde a quase-revolução de ’68); o “problema” do ponto de vista económico consistiu na redução do incentivo ao investimento que, também a prazo, resultou da redução da taxa de exploração, mais uma vez em resultado das conquistas dos trabalhadores (de onde a estagnação do investimento, e depois do produto, logo a partir do final da década de 1960 – e não, como habitualmente se pensa, em consequência do choque petrolífero de ‘73). 

(Continua)

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