Perante a vertigem das falências que todos os dias desfilam nos telejornais, é legítimo que nos perguntemos: de onde virá a procura que vai pôr a economia a crescer em 2013? A resposta já foi dada pelo Ministro das Finanças em várias intervenções: é o regresso da confiança e a reconquista da credibilidade nos mercados que farão os agentes económicos voltar a consumir e investir.
Como disse noutro texto aqui publicado (“O país que se cuide”), credibilidade e confiança são palavras-chave na retórica dos novos clássicos, uma corrente do pensamento económico nascida nos anos 70 do século passado. Renegando o essencial do pensamento de Keynes, esta corrente conseguiu instalar-se como pensamento dominante na profissão dos economistas ao convencer a maioria dos agentes políticos e dos comentadores das televisões de que a política orçamental é inútil ou até perversa. Apoiada pelas mais altas instâncias do poder nos EUA, tornou-se hegemónica nos departamentos de Economia durante a era Reagan. Das universidades norte-americanas para as portuguesas foi apenas uma questão de tempo e de subserviência intelectual. Que estas ideias não tenham qualquer fundamento científico pouco importa à academia e aos agentes políticos. São agora artigos de fé de uma ortodoxia que nem a crise de 2007/8 conseguiu pôr em causa, apesar da legitimação que os novos clássicos deram às políticas que a geraram.
Em 2009, Robert Skidelsky, profundo conhecedor da obra de Keynes, chamava a atenção para um pressuposto crucial no pensamento dos novos clássicos: a economia está sempre no pleno emprego ou, se não está, para lá se encaminha, a menos que o governo decida intervir na economia. Tornando evidente que a teoria não passa de ideologia, Skidelsky recordava que no Reino Unido, em 1931, no mais fundo da maior depressão económica da história, os economistas ortodoxos negavam a existência de capacidade produtiva por utilizar. Ou seja, a cegueira ideológica era tanta que não viam a necessidade de uma política orçamental deficitária para retirar a economia da crise.
Paul De Grauwe*, um dos economistas europeus que ainda preserva o espírito crítico, também confronta o núcleo central do pensamento dos novos clássicos (“ricardianos”) com o dos keynesianos. O autor acaba por reconhecer que os modelos dos economistas pressupõem que os indivíduos entendem a complexidade da economia e do mundo em que vivem, ou seja, que formulam expectativas racionais sobre a política económica e tomam decisões plenamente informadas. Daí a necessidade de os governos lhes incutirem confiança e de os convencerem de que as suas políticas são estáveis e credíveis. De Grauwe termina de forma lapidar: “Poucas vezes ideias tão insensatas foram tomadas tão a sério por tantos académicos. (…) O erro básico da moderna macroeconomia é a crença de que a economia é simplesmente a soma de decisões microeconómicas de agentes racionais.”
No dia em que as faculdades de Economia ensinarem que as economias não são agregados mas antes sistemas, e que estes emergem a partir de relações entre pessoas que não são átomos sociais dotados de racionalidade optimizadora, no dia em que ensinarem que as pessoas têm hábitos e crenças e estão envolvidas em relações de poder nas várias organizações a que pertencem, nesse dia teríamos recuperado a economia política institucionalista, a economia que era ensinada nas melhores universidades norte-americanas no período entre as duas grandes guerras. Nesse dia, em vez de lavagem ao cérebro, os nossos alunos teriam acesso a um ensino pluralista, crítico, confrontado com o real. Sem revisões nem amputações, Keynes teria aí o seu lugar.
*Paul De Grauwe, “Economics in crisis: it is time for a profound revamp”
Texto publicado há dias no jornal i
muito bom, aliás como todos os outros post.
ResponderEliminarPouco importa para um tipo de "cientistas sociais" que pelo menos uma vez o Nobel tivesse sido atribuido a quem uma vida se dedicou a estudar as limitações da racionalidade nas tomadas de decisão.
Continui a gostar muito deste texto: http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/2002/kahnemann-lecture.pdf
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