sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Nós e a globalização

O discurso do governo, e dos seus ideólogos, trata a globalização como uma força a que devemos adaptar-nos se queremos prosperar. Tendo em vista a competição global, reduzir os salários tornou-se o objectivo central da política económica. Desencadeando uma recessão brutal, facilitando e embaratecendo os despedimentos, reduzindo o tempo e o montante do subsídio de desemprego, cria-se uma multidão de cidadãos desesperados, dispostos a trabalhar por um salário de sobrevivência. A ideia é fazer regredir as condições de vida da grande maioria da população para alcançar um crescimento mais agressivo das nossas exportações e consolidar uma enorme desigualdade na repartição do rendimento nacional. As frágeis políticas de promoção da inovação empresarial ficaram para trás.

Em Portugal, o desemprego subiu muito a partir de meados da década de 90 e por várias razões convergentes: alargamento da UE a Leste, abertura do mercado europeu aos países de muito baixos salários, sobretudo a China, e entrada na zona euro com a correspondente perda de instrumentos de política económica. A economia portuguesa não tinha a robustez necessária para superar tais desafios. Nas palavras de um dos prosélitos da actual política de empobrecimento, “Infelizmente, pouco, muito pouco, foi feito para enfrentarmos com sucesso esta nova e muito mais exigente realidade” (Miguel Frasquilho, “Jornal de Negócios”, 14 Fevereiro 2012). Suponho que, para o autor, estamos agora a recuperar o tempo perdido. O número de desempregados terá de subir o que for preciso porque “desistir está fora de questão”.

Acontece que nenhuma economia capitalista alguma vez se desenvolveu através da sujeição incondicional à concorrência global. Como Ha-Joon Chang documenta no seu livro “Bad Samaritans – The Guilty Secrets of Rich Nations and the Threat to Global Prosperity” (p. 15), “Os actuais países ricos usaram a protecção e os subsídios, ao mesmo tempo que discriminavam contra os investidores estrangeiros – tudo anátemas para a ortodoxia dos nossos dias – agora severamente limitados por tratados multilaterais, como no caso dos Acordos da OMC”. Para se industrializarem, a Grã-Bretanha, os EUA e a Alemanha praticaram exactamente o contrário do livre comércio e da livre circulação de capitais. Porém, uma vez alcançada a posição dominante, tudo fizeram para derrubar a escada que lhes permitiu subir, tentando assim evitar que fossem imitados pelos menos desenvolvidos. O Chile, um bom aluno do neoliberalismo com a ditadura de Pinochet, muito invocado como caso de sucesso, revela hoje debilidades que comprometem o seu futuro. “Nos últimos 30 anos o país [o Chile] perdeu uma parte importante da sua indústria e tornou-se excessivamente dependente das exportações de recursos naturais” (idem, p. 31).

Em rigor, a crise da zona euro resulta da impossibilidade de estados-nação de muito desigual nível de desenvolvimento coexistirem numa união monetária intergovernamental perfeitamente integrada na globalização comercial e financeira. Sem política económica própria, com uma opinião pública pouco informada e uma elite política desqualificada, Portugal parece hoje condenado a alargar a desertificação do seu território até ao litoral. Para recusar este destino sombrio e indigno, o país teria de romper com o euroliberalismo e adoptar uma estratégia de desenvolvimento que, à semelhança do que acontece em vários países bem sucedidos, controle o comércio externo, o investimento produtivo e os fluxos financeiros em função dos objectivos de robustecimento da sua economia. Escolher o desenvolvimento não significa voltar as costas à Europa, mas de facto obriga a romper com uma Europa submissa à globalização.

Publicado ontem no jornal i

1 comentário:

  1. Em termos macro é esse livro.

    Em termos micro, é este artigo:
    http://www.lrb.co.uk/v28/n07/slavoj-zizek/nobody-has-to-be-vile

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