Parece que Angela Merkel afirmou hoje que a Zona Euro "não pode sobreviver de forma estável e a longo prazo", a não ser que reduza o fosso da competitividade entre os seus países membros. Digamos que já é um passo em frente face ao discurso da indisciplina orçamental e da preguiça dos povos do sul como origem de todos os males. Resta saber o que entende Merkel - e os vários tele-economistas portugueses que se apressam a repetir a ladainha - por competitividade.
O conceito, oriundo da gestão e tradicionalmente aplicado a análise das empresas, começou a ser utilizado de forma generalizada desde a década de 1980 na análise das economias nacionais. O problema é que um país não é uma empresa e o que faz sentido a um nível de análise pode não fazê-lo noutro. Num mercado concorrencial, uma empresa só cresce se for melhor que os concorrentes. Mas, em princípio, um país pode desenvolver-se e proporcionar melhores condições de vida às populações sem penalizar outros países por isso. O que é então a competitividade quando aplicada aos países?
Perante o uso e abuso da palavra, a OCDE tentou trazer alguma ordem à discussão propondo uma definição de competitividade de uma economia. Segundo esta organização, a competitividade seria "a capacidade de um país para produzir bens e serviços competitivos nos mercados internacionais, em condições de concorrência livre e justa, consolidando e expandindo o nível de rendimento real das populações".
A definição é apelativa, mas deixa muitas questões em aberto: como é que isto se mede? Interessa-nos olhar para o desempenho competitivo, ou para as condições que favorecem a competitividade? E de que depende a competitividade? Será que os factores que favorecem a "capacidade para produzir bens e serviços competitivos nos mercados internacionais" são sempre compatíveis com "a consolidação e expansão do nível de rendimento real das populações"? Será que o objectivo da competitividade no curto prazo é compatível com a competitividade no longo prazo? E em que condições a competitividade de um país pode aumentar sem pôr em causa a competitividade dos outros países?
Para ter melhor noção da ambiguidade do conceito, pense-se em dois exemplos. Primeiro: a recuperação da 'competitividade' das periferias é hoje vista como passando necessariamente pela redução dos salários reais; e, no entanto, a história do desenvolvimento económico mostra-nos que os países com melhor desempenho nos mercados internacionais são frequentemente aqueles cujos salários reais mais crescem (trata-se do famoso 'paradoxo de Kaldor'); será a redução dos salários, de facto, compatível com "a consolidação e expansão do nível de rendimento real das populações"? E, se não for, de que serve a um país ser bem sucedido no comércio externo? Segundo exemplo: o indicador hoje mais utilizado para medir o desempenho competitivo é o saldo da balança corrente; mas como pode um país manter saldos correntes positivos sem que outros países tenham saldos negativos?
Na verdade, pouco disto interessa a Merkel e às elites que governam a Alemanha. A sua "agenda da competitividade" é inequívoca e não requer muita clareza e coerência conceptuais: trata-se apenas de aproveitar a crise e o clima de chantagem para forçar a descida dos salários e a fragilização dos estados nos países periféricos da UE. Fica assim garantido o controlo político e financeiro por parte dos grandes interesses alemães de vastas zonas da periferia da Europa - cada vez mais especializada em actividades de mão-de-obra barata - ao mesmo tempo que a concorrência salarial dentro do mercado interno ajuda a manter na linha os próprios sindicatos alemães.
Enfim, se a sobrevivência do euro depende mesmo da redução do fosso de competitividade - entendida nos termos em que é definida pela OCDE - então não há que ter muitas esperanças.
Então existem três milhões de desempregados na Alemanha?...
ResponderEliminarPrisioneiro - cartoon
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