terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
As ambiguidades de quem já vê o barco a afundar
Num artigo no Público do passado domingo ("As novidades da semana"), Paulo Trigo Pereira (PTP) voltou à ladaínha de que "a dívida actual resulta de sucessivos erros do passado" cometidos por governos de maioria absoluta e também por "oposições quando essa maioria não existe." Até parece que o nosso crescimento medíocre, desde que entrámos no euro com uma taxa de câmbio sobrevalorizada, a abertura da UE ao comércio com países de baixos salários, a adesão dos países do Leste, uma política de inovação errada, e as crises internacionais, não tiveram quaisquer efeitos nos défices e na dívida. Num golpe de retórica populista (em sintonia com o ordoliberalismo germânico), lança a culpa da nossa crise sobre políticos capturados pelos interesses de corporações. Para PTP, pouco importa que as ideias de Mancur Olson já tenham sido objecto de crítica académica fundamentada e convincente. De facto, em Portugal há economistas académicos que se sentem realizados ao participarem activamente na propaganda dos media.
No mesmo artigo, PTP também reconheceu que a dívida pública, em percentagem do PIB, já entrou na fase de aceleração. Aliás, ficou surpreendido por o Eurostat ter anunciado que em Setembro de 2011 a dívida já seria de 111%, muito acima da previsão do Ministério das Finanças de 101% do Produto. Diz PTP: "Ou seja, em apenas cinco meses a previsão da dívida aumentou 17.000 milhões, 10% do PIB, e isto não pode ser explicado pelo défice, cujo objectivo nominal foi alcançado. É um desvio de previsão colossal."
Entretanto, não escreve uma linha sobre as razões que explicam este "desvio de previsão". Sabemos que o governo teve de reconhecer dívida adicional, com destaque para a Madeira e o BPN. Mas esperar-se-ia que PTP também reconhecesse que a política económica iniciada em 2011 teve um efeito recessivo, muito acima do esperado pelo governo. Com um denominador em queda, o quociente (Dívida Pública/PIB) disparou. Mas esta explicação ficou omissa no artigo.
É difícil, para um economista do pensamento dominante, assumir com todas as letras que a austeridade não é expansionista, bem pelo contrário. Mas, nem que não seja para conter danos futuros sobre a reputação, lá acabou por assumir que o barco está a afundar. O artigo acaba a reconhecer que, sem crescimento económico, a dívida poderá subir para 125% em 2013. Não sendo possível "voltar aos mercados em 2013 em condições normais", PTP espera que a Alemanha (em linha com a confidência do seu ministro das finanças) se disponha a continuar a financiar Portugal sem medidas adicionais de austeridade e com alguma suavização das condições do pagamento ("a versão moderada de um novo resgate"). Evidentemente, só "depois de mostrar o trabalho de casa feito."
Mas não diz o que é isso do "trabalho de casa" que temos de fazer até meados de 2013. Se estiver a pensar nas reformas estruturais e nas privatizações, devia saber que não há evidência histórica dos efeitos benéficos destas medidas sobre o crescimento económico. Devia ler Ha-Joon Chang e conhecer melhor as políticas desenvolvimentistas dos tigres asiáticos. Se estiver a pensar no cumprimento das metas para o défice acordadas com a troyka, então esqueceu que já tinha reconhecido que a recessão se prolongará pelo menos até 2013. Com o PIB em queda, o peso do défice subirá e o governo será pressionado para tomar medidas de austeridade adicionais na expectativa de se aproximar da meta acordada. Para ser consistente, PTP teria de admitir que a economia portuguesa e europeia não permitirão ao governo fazer figura de bom aluno do ordoliberalismo.
PTP acaba por abrir uma última porta de saída que tem sido tabu nos nossos media: "um perdão parcial da dívida de cerca de 20%. Porque sem crescimento não há saída da crise". Ainda assim, permanece na ambiguidade. Como é que um corte de 20% torna a nossa dívida pública sustentável? Para o discurso ser credível, convinha mostrar as contas num novo artigo, acompanhadas dos pressupostos. Outra pergunta: qual é a fonte do crescimento que faria a economia portuguesa renascer após esse exíguo perdão da dívida? PTP nada diz sobre este ponto crucial.
Para eliminar as ambiguidades da sua posição, era bom que PTP se explicasse melhor.
e conhecer melhor as políticas desenvolvimentistas dos tigres asiáticos...mas a solução do problema foi muito diferente e esmagou fortemente as classes médias
ResponderEliminarse afundar devagarinho já não é mau e 17 mil milhões de desvio?
adonde?