As cúpulas desta plutocraciapós-democrática em que tem vindo a transformar-se a União Europeia anunciaram há dias que a assinatura do novo tratado que irá consagrar uma mais apertada “convergência orçamental” terá lugar em Março. O que está em causa é a imposição de restrições mais apertadas à política orçamental, acompanhadas por sanções maispesadas aos países que não as cumpram. De acordo com o que tem sido anunciado, o limite que irá ser consagrado no tratado consiste num défice orçamental estrutural de 0,5% do PIB. O problema é que ninguém explica – aliás, muito pouca gente pergunta – o que vem a ser isso do défice estrutural. Quero pensar, eventualmente na minha ingenuidade, que o adjectivo não está lá por acaso e que “saldo estrutural” quer dizer aquilo que habitualmente quer dizer: o saldo orçamental corrigido do efeito (sobre a receita e sobre a despesa) das contrações na actividade económica – as quais, como o gráfico em cima ilustra, explicam a maior parte do aumento do défice orçamental português nopassado recente. É que se assim não for, se quiser dizer apenas o saldo orçamental tal como o conceito é habitualmente utilizado, então este tratado significará simplesmente o fim da política macroeconómica à escala nacional: depois de retiradas as políticas monetária e cambial, eliminar-se-ia agora a política orçamental. Em plena distopia austríaca, portanto. Bom, sempre se poupará alguma coisa com as cadeiras a retirar dos cursos de economia.
Mas admitamos que não, que (ainda) não estamos no reino da loucura completa. Se realmente o que está em causa é o saldo orçamental estrutural no sentido acima indicado, há duas coisas que precisam de ser explicadas. A primeira é onde é que entra nesta história o serviço da dívida. De 2001 para cá, no caso português, o montante dos jurospagos anualmente por dívida anteriormente contraída nunca foi inferior a 2,4% do PIB – e nos últimos anos têm andado pelos 3%. Uma vez que, como temos sobejamente assinalado, nem o rácio dívida/PIB nem as taxas de juro associadas a novos empréstimos tenderão a diminuir nos próximos tempos – muito menos pela via da austeridade –, quer isto dizer que na prática nos vamos obrigar a um superávite estrutural de 2,5%-3% ou ainda mais?
Mas assumindo que estamos a falar do saldo orçamental estrutural primário (daqui a pouco preciso de uma linha inteira para tanto qualificativo), falta ainda explicar como é que é suposto este ser calculado. Separar as componentes estrutural e conjuntural do saldo orçamental implica calcular qual seria o saldo orçamental se, com tudo o resto constante, a economia estivesse no pleno emprego. E esse exercício, que implica estimar o output gap (diferença entre o produto real e o produto potencial) e as elasticidades da despesa e receita públicas, pode ser feito de diferentes maneiras, com base em diferentes hipóteses… e com resultados bastante diferentes (tal como exemplificado para o caso da Suíça neste paper, p. 86). Pelo que lanço uma modesta sugestão: e que tal se os partidos políticos e os jornalistaseconómicos começassem a fazer perguntas acerca da metodologia de cálculo autilizar para calcular este saldo estrutural que nos querem impôr e, já agora, aplicassem retrospetivamente – aos últimos vinte anos, vá – a fórmula de cálculo que vier a ser indicada? Só para que se perceba exatamente com que corda nos querem atar ainda mais as mãos...
Caro Alexandre
ResponderEliminarPelo que me toca, obrigado pela sua paciência em proceder ao esclarecimento... mas olhe, já agora, que me parece melhor aplicar um princípio "ockamiano" ao seu raciocínio.
É na via mais simples que está a solução para o mistério. É mesmo "distopia austríaca" (ou seja, solução final para o "problema da política económica") e acabou-se.
O resto é conversa... suíça...