Até à próxima 3ª feira, estão abertas as inscrições para um conjunto de iniciativas, organizadas pelo CIDAC, subordinadas ao tema “Decrescimento: uma proposta polémica?”. Incluem três sessões de um círculo de leitura orientado por Fernando Florêncio, antropólogo da Universidade de Coimbra (4, 11 e 25 de Fevereiro, em Lisboa), seguidas por um seminário (9 e 10 de Março, também em Lisboa) com Serge Latouche, um dos mais conhecidos proponentes desta linha de pensamento e proposta política.
Os defensores do decrescimento chamam a atenção para as consequências e limites ecológicos à expansão da produção e desmontam muitas das falácias intrínsecas à ideologia produtivista que, de tão naturalizada, raramente é posta em causa (consideramos normal quea escala da actividade económica esteja em constante expansão – e inquietamo-nos quando assim não acontece). Perante o carácter socialmente iníquo e ecologicamente destrutivo da acumulação capitalista, a crítica ao produtivismo anárquico e predatório é, por isso, não só pertinente como sobretudo urgente.
Porém, esta crítica, sob pena de ter um carácter meramente utópico, deve assentar na compreensão de que o produtivismo predatório tem as suas raízes na própria lógica de funcionamento do modo de produção; deve fazer-se acompanhar pelo reconhecimento de que o desenvolvimento social e humano, particularmente no caso dos países ditos do “Sul”, requer o desenvolvimento das forças produtivas e a transformação das relações de produção; e não deve servir para legitimar a inacção face a situações de desemprego generalizado (que se caracterizam tipicamente pela estagnação ou “decrescimento”cíclicos), na medida em que estas, além de socialmente dramáticas em si mesmas, constituem também fases de recuo na relação de forças entre o trabalho e o capital. Em suma, trata-se de uma crítica e de uma proposta que, a meu ver (e no de autores como John Bellamy Foster), fazem todo o sentido e têm toda a pertinência... se e só se constituírem parte integrante de uma crítica mais ampla ao capitalismo e de uma proposta para a sua superação.
Em todo o caso, este é um debate que é necessário e urgente aprofundar - e esta louvável iniciativa é uma ocasião extraordinária para o fazer. Mais informações e inscrições aqui.
muito bem. até que enfim. vamos ver se conseguem romper com a ideia falsa ,e partilhada pela esquerda .., de que maior bem estar se consegue com maior consumo .
ResponderEliminarJá vem é tarde!
ResponderEliminarExiste um excelente livro de Peter Victor que é o "Managing Without Growth: Slower by Design, not Disaster".
Entre outras coisas, encontrou que a felicidade pessoal na América do Norte atingiu o seu cume nos anos 70 com um PIB/capita de 20.000€/ano (!!!), enquanto o PIB/capita disparou para o dobro. Noutros países verificou-se o mesmo fenómeno quando se atinge o "tal" patamar de PIB/Capita=20.000€.
O consumismo só traz descontentamento, quer-se sempre ter mais e maior que o do vizinho, e para quê? Por isso a felicidade näo aumenta, antes pelo contrário. Trabalha-se mais horas para ganhar mais, e depois näo se tem vida familiar nem social, nem férias.
E depois explana, e muito bem, que o Japäo há quase 20 anos que näo cresce mas nem os japoneses empobreceram nem ficaram mais infelizes, nem abdicaram de nenhum conforto moderno, antes pelo contrário. E continuam inovadores.
A fixaçäo pelo crescimento do PIB vem dos tempos da Guerra Fria, porque era um indicador conveniente para mostrar que o sistema capitalista era melhor que o socialista. Mas já se viu que o que provoca bem-estar näo é o crescimento em si, mas sim haver um *superavite de recursos* que permitam tanto prosperidade crescimento económico.
Claro que os neoliberais näo gostam desta verdade, mas mais cedo que tarde (porque o crescimento económico anda a "comer" a prosperidade) teräo de se submeter a ela, e passaremos a tentar atingir a prosperidade primeiro, e se houver sobra de recursos logo se tenta crescer.
Utópico? Utópico é pensar que o crescimento pode ser eterno sem crises...
Utilizei aqui a palavra "utópico" no mesmo sentido da crítica de Marx aos socialistas utópicos do início do Séc XIX: proposta política, tipicamente de carácter idealista, que não assenta numa análise das condições e constrangimentos político-económicos. Imaginar o decrescimento num contexto capitalista, simplesmente pela via da persuasão de uma maioria quanto aos méritos da ideia, ignora os constrangimentos que o próprio modo de produção coloca e é, por isso, utópico.
ResponderEliminarQuanto ao resto, de acordo em relação a tudo.
Um abraço.
Eu até estou de acordo com isto.
ResponderEliminarNão deixa contudo de ser irónico que foi preciso os paises ricos serem confrontados com o não crescimento enquanto facto para o começarem a defender (e ainda por cima para todos, mesmo para aqueles que ainda se encontram em crescimento e que se encontramnuns patamares abaixo do nosso).
Parece uma rábula :)
a proposta não é política nem económica , é sobretudo filosófica. por isso a esquerda não gosta dela , suponho.
ResponderEliminar"small is beautiful" , já dizia o economista convertido à sabedoria budista :))
Quem pensa que o crescimento infinito é compatível com um planeta finito, ou é louco, ou é economista!
ResponderEliminarAlexandre, entendido. Um abraço.
ResponderEliminarCaro Sugarstorm, häo economistas e "economistas". O mencionado Victor Peter é um economista a sério, e como tal apresenta um visäo séria.
Já os "economistas" normalmente nem de Economia sabem. Entendi o que quiseste dizer, mas eu diria que
"Quem pensa que o crescimento infinito é compatível com um planeta finito, ou é louco, ou é neoliberal!"... porque para ser neoliberal é preciso ser louco, mas häo loucos que näo säo neoliberais! Fica bem!
Até que enfim que vejo uma das ideias novas, ao menos para mim, que mais me estimularam neste século começar a ser debatida num respeitável blogue de economistas de combate. A outra é a ideia do Rendimento Básico de Cidadania, garantido pelo Estado, incondicionalmente, a todos os cidadãos .
ResponderEliminarBOAVENTURA DE SOUSA SANTOS:
ResponderEliminar- Promover formas de economia social tais como cooperativas, economia solidária, sistemas de entreajuda e de troca de tempo e de trabalho -Submeter ao controlo público (não necessariamente estatal) democrático (não burocrático) a exploração e gestão de recursos e de serviços essenciais ou estratégicos
- Desmercadorizar a natureza na medida do possível - de que é bom exemplo o pacto internacional da água, há algum tempo em discussão - promovendo uma nova relação entre seres humanos e natureza assente na ideia de que os primeiros são parte da segunda (não existem à parte dela) e que por isso deverão respeitar os ciclos vitais de regeneração da natureza, sob pena de suicídio coletivo
- Definir uma nova geração de direitos fundamentais: os direitos da natureza, os direitos humanos à água, à terra, à biodiversidade e a consequente consagração de novos bens comuns insuscetíveis de serem privatizados
- Interditar a especulação financeira sobre a terra e os produtos alimentares a fim de evitar a concentração de terra (está em curso uma contrarreforma agrária) e a subida artificial dos preços dos alimentos
- Transformar a soberania alimentar em eixo de políticas agrárias para que os países deixem de ser, na medida do possível, dependentes da importação de alimentos
- Regular estritamente os agrocombustiveis pelo impacto que têm na segurança alimentar e na soberania alimentar. O impacto destes projectos na agricultura e na vida dos camponeses não é difícil de imaginar
- Aumentar a vida média dos produtos manufaturados. Um carro ou uma lâmpada podem durar muito mais tempo sem acréscimo de custos
- Tributar de forma agravada alguns produtos agrícolas que viajam mais de 1000 km entre o produtor e o consumidor, criando com a arrecadação um fundo para apoiar o desenvolvimento local dos países menos desenvolvidos
- Incluir a diminuição do tempo de trabalho entre as políticas de promoção de emprego
- Proibir o patenteamento de saberes tradicionais e reduzir drasticamente a vigência de direitos de propriedade intelectual na área dos produtos farmacêuticos e agrícolas
- Aproveitar ao máximo as potencialidades democráticas da revolução digital para promover uma cultura livre que recompense coletivamente a criatividade de artistas e investigadores, generalizando a inovadora experiência do movimento do Open Source Software, e da Wikipedia.
Estas são algumas imagens da consciência antecipatória do mundo.
Dir-se-á que são utópicas ou eivadas de romantismo. Sem dúvida.
Mas devemos ter em conta algumas cautelas ao estigmatizar a utopia.
Muitas destas propostas, quando detalhadas tecnicamente, dispõem de medidas de transição e são susceptíveis de aplicações parciais.
Acresce que uma ideia inovadora é sempre utópica antes de se transformar em realidade. Finalmente, porque muitos dos nossos sonhos foram reduzidos ao que existe e o que existe é muitas vezes um pesadelo, ser utópico é a maneira mais consistente de ser realista no início do século XXI.»
Caro Alexandre
ResponderEliminar"Sofrologismos" à parte (católicos, budistas ou outros), parece-me dever reconhecer-se o quanto esta conversa do "decrescimento" é oh-so-convenient no contexto de... bom, de decréscimo real do PIB.
Aliás, note-se, não é conversa nova. Há toda uma tradição de "ecologismo de direita" (acho que lhe posso chamar assim sem insultar ninguém) que remonta pelo menos a Malthus e, com passagem entre muitos outros pelo Ribeiro Teles e pelo "Clube de Roma" dos early 70s, nunca deixou de ser influente entre nós, e não só entre nós, reconheça-se.
Claro que é necessário distinguir crescimento do PIB de verdadeiro desenvolvimento, sublinhar as diferenças entre produtos e forças produtivas, levar em consideração os circunstancialismos ambientais, etc. Tudo isso é verdade, reconheça-se. Mas reconheça-se também, c'os diabos, que tudo isso se sabia já há muito, e sem necessidade de embrulhos pós-modernos com a correspondente aversão às "grandes narrativas" do progresso das sociedades.
Pode haver adesão à ideia condorcetiana de "progresso indefinido" do género humano sem se ser de esquerda? Sim, pode. É talvez difícil, mas acho que é possível.
Mas pode haver esquerda autónoma (por oposição a gramscianamente hegemonizada, subalternizada e metida no bolso) fora daquele horizonte de ideias? Hmm... sinceramente, tenho muitas dúvidas.
A maior ironia das conversas pós-modernas é, claro, que em nome da aversão às "grandes narrativas" da modernidade, elas próprias constituem uma "grandíssima narrativa". E são, segundo me parece, uma narrativa intrinsecamente de direita, dê-se-lhe a voltas que se lhe quiser dar.
Ah bom, mas, para além disso, temos a tal questão da "conveniência" política do tema em altura de “austeridade”, claro (cf. o post seguinte do João Rodrigues). Sem isso, penso que o interesse e o sainete do assunto teriam eles mesmos entrado há já muito tempo em... "decrescimento"?
Saudações cordiais.
João Carlos Graça,
ResponderEliminarA "conveniência política do tema em tempo de austeridade" é uma insinuação que não entendo a não ser como expressão de impotência da esquerda para deixar de partilhar com os predadores e com a direita a doutrina da escassez organizada e a fantasia do "crescimento". Do meu ponto de vista, seria preferível que os arautos da esquerda produtivista assumissem de uma vez por todas as vantagens de "enforcar o último governante nas tripas do último banqueiro". Se não,talvez o Alexandre Abreu possa explicar qual é a alternativa à "persuasão" a que se refere...