Para os falantes de inglês, pois infelizmente sem legendas, uma interessante entrevista no HARDtalk da BBC com Steve Keen, economista pós-keynesiano australiano que é autor de uma devastadora crítica dos fundamentos epistemológicos e metodológicos da economia neoclássica no livro Debunking Economics.
Keen, que enjeita afirmar-se anti-capitalista, dá ainda assim uma rara demonstração de lucidez no espaço mediático ao referir-se às origens sistémicas da crise actual, nas suas diversas manifestações; ao estado da economia como ciência; à relação entre a crise do endividamento soberano e o aumento exponencial do endividamento privado (só faltando assinalar a relação com a compressão neoliberal dos salários directos e indirectos); e à necessidade de proceder à eutanásia dos sectores e interesses rentistas que, se não forem detidos, irão inevitavelmente condenar as nossas sociedades a um prolongado período de pauperização.
Keen advoga a eliminação de uma parte substancial de toda a dívida, pública e privada, e a nacionalização da banca - e é sintomático que até um crítico relativamente tépido do capitalismo perceba a absoluta necessidade de que assim seja, como única alternativa à barbárie parasitária. A conversa perde-se um pouco na parte relativa aos detalhes de como implementar este plano - Keen sugere que a via deverá passar pelo financiamento monetário de défices públicos crescentes (precisamente o contrário do que, no contexto europeu, é actualmente imposto pelos estatutos do BCE no plano monetário e em vias de consagração constitucional nacional no plano orçamental), mas depois perde-se por alguns instantes perante a incompreensão da entrevistadora. Em todo o caso, bastantes elementos interessantes para animar a reflexão, o debate e o optimismo, nestes tempos em que ainda vão escasseando os motivos para tal. Depois de ontem ter visto a reportagem Contracorrente, na SIC, sobre os movimentos sociais anti-austeritários em Portugal, e da Convenção da Iniciativa de Auditoria à Dívida no fim-de-semana, a vontade fica um pouco mais optimista.
Produz-se uma arroba de batatas e imprime-se uma nota de valor correspondente, as batatas desaparecem, comem-se, o que deverá acontecer à nota? Extrai-se petróleo e imprimem-se dólares, o petróleo é consumido, deveriam essas notas serem retiradas de circulação senão temos a inflação como resultado natural desta incongruência; nesta situação querer reduzir a inflação aquém desta disparidade é como se quisesse-mos desmaterializar a matéria, continuar a produzir moeda sem ter em conta a produção efectiva é desmaterializar toda a economia, temos então uma economia virtual, penso.
ResponderEliminarE se se juntar a tudo a invasão da máquina como produtora de trabalho (que para além de substituir o trabalho humano, ainda por cima foge ao financiamento da segurança social vá-se lá saber porquê) em práticamente todos os campos da actividade produtiva, temos um bom cocózinho em prespectiva.
ResponderEliminarO que me admira é que se fale tão pouco ou não se fale de todo
Excesso de leituras da "escola austríaca", não será isso meu caro Adão?
ResponderEliminarÉ que ler essa malta torna tudo tão simples.
Até podemos voltar ao século XVIII e ir viver para a Nova Inglaterra.
E vestirmo-nos de preto,ler a Bíblia todos os dias, enfim...um verdadeiro regresso ao passado.
DEixe o Mises em paz e o outro medíocre do Hayek...
Caro "Anónimo"; não sou economista, não conheço as bases teóricas da "escola austríaca" a não ser pelo que aqui neste blog tenho apanhado assim como o dito Mises e HayeK. O que digo consiste em reflexão em torno do que me apercebo conjugado com artigos lidos ao acaso.
ResponderEliminarMas pelo que infiro das suas opiniões parece-me ter-me explicado de tal maneira que dei a entender o contrário daquilo que queria dizer, do qual só tenho a lamentar-me de mim próprio.
O que eu quis dizer"julgo que vem isso referido num artigo do LM" pelo Ignacio Ramonet, é que "os capitais em movimento são da ordem dos 75 vezes o que produz a economia real", o que eu chamo leigamente de economia Virtual.
A esta disparidade assinalada, se correcta, entre a massa em movimento e o a produção real, seja ela de que natureza for, também lhe dei o nome "pomposo" de desmaterialização da economia.
Caro adão contreiras visto deste lado da cerca dá mais a impressão de ser uma espécie de moeda falsa. Mas como não vejo bôi de economia até posso estar enganado e ser a malta do subprime que esteja certa
ResponderEliminarBom post Alexandre.
ResponderEliminarFicam algumas notas críticas. Para além da discordância de fundo quanto ao Obama (na parte final), as minhas dúvidas também de que as disputas no interior de economics sejam de facto susceptíveis de ser essencialmente reconduzidas a qualquer coisa como "ciência pós-positivista" ou algo semelhante. Por isso, as referências ao Max Planck e à física quântica são, de facto (na minha insignificante opinião, claro) mais "consumo ostentatório" do que outra coisa. Dá jeito ao próprio, faz talvez subir a adrenalina (e sabe-se lá que mais) da Judite entrevistadora, faz porventura outras coisas ficarem "hard" para além da conversa, etc. - mas é muito provavelmente só mesmo isso.
Quanto à substância, fica uma dúvida a propósito da iniciativa de auditoria da dívida. Se a questão é realmente muito mais sistémica (como o Keen diz, e eu concordo) do que reportando-se à responsabilidade individual, será que o projecto de auditoria da dívida prolonga/expressa realmente uma forma mentis essencialmente parecida com a da economics vulgar, apenas invertendo-a?
Se, porém, assumimos a necessidade de tratar tudo "sistemicamente" e concluímos pela necessidade de moeda soberana/democrática e banca nacionalizada, com o que concordo, concluímos todavia (instinto básico keynesiano?) que fazemos isso apenas transitoriamente, para "salvar o capitalismo de si mesmo", "eutanasiar o rentista" e por aí fora?
Dessa parte, acho que discordo. Parece-me antes que a tendência do capital para fugir para a "haute finance" à la Arrighi (cada vez mais "esquemas Ponzi" às medida que as coisas se complicam, claro) é coisa funda, também ela "sistémica" e inextirpável. E por isso, se queremos salvar-nos a nós próprios e realmente decretar a salvação comum, temos bom remédio: "economia mista", permitindo e mesmo promovendo o mercado, mas tudo incrustado e bem incrustado num Estado (com maiúscula, sim) forte, muito forte, que permite e até promove capitalismo, quando isso é conveniente à salus populi e só quando é, mas sempre com a tal de "haute finance" permanentemente (e não apenas transitoriamente) nacionalizada. Ou seja, e como se compreenderá, um esquema algures entre Adam Smith e Deng Xiao Ping (com uma desviozito de permeio pelo Maynard e pelo Arrighi). Salvamo-nos a nós próprios e, de passagem (querem lá ver isto) salvamos de facto o capitalismo de si mesmo...
Seja. Finalmente, porque não? Ah, mas banca permanentemente (e não apenas transitoriamente) nacionalizada. Disso acho mesmo que não se deve abdicar.
Mas gostei de ver, sim senhor. Obrigado, Alexandre, e um abraço.
Caro anónimo
ResponderEliminar“uma pequena história”:
Quando era moço tive uma explicadora, não sei já em que disciplina, que numa conversa casual com os explicandos perguntou aos ditos e a mim: - também pensa que a mulher não é igual ao homem? Ao que eu respondi – metade, insistiu e eu voltei a responder o mesmo. Estávamos nos anos 60 do século passado. A professora fez um gesto acabrunhado e calou-se.
Fiquei a pensar naquilo e cheguei à conclusão de que tinha dado uma imagem errada do que queria dizer; ao dizer “metade” referia-me à unidade como representante do homem e da mulher, logo “metade” seria igual ao homem, pois este era a outra metade.
Passados 50 anos ainda guardo esse remorso na minha consciência, pois nunca mais tive ocasião de desfazer o equivoco.
Agora: - é que eu também não acho que seja “a malta do subprime que esteja certa”,
ou dizendo à minha maneira: transformar o dinheiro numa mercadoria foi um subterfúgio irracional para conseguir “lucros”, lucros também irracionais que os donos do dinheiro sempre exigem, mas que a economia real já não comporta. Na sequência desta conversa lembrei-me de tentar fazer um cálculo seguindo os números que como referi são dados do director do LMD Ignacio R. referenciados por “Henrique Custódio” numa página do Jornal Avante de 15.12.2011 ; se eu calcular uma inflação média mundial a 2% sobre o valor de 3450 biliões, tenho 69 biliões, sendo o produto da economia de 45 biliões tenho que o valor da inflação é superior ao (PIB) cerca de quase 0,5; assim sendo só para repor a desvalorização tínhamos que produzir no mínimo mais metade do que o que se produz actualmente. Mesmo que o capital transforme todos em “escravos” caminha para o fim. Há que , re-socializar a economia!