segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Há lógica nesta estupidez
Hugo Mendes comenta assim a defesa, feita por Passo Coelho, do statu quo monetário que está a destruir a Europa: “Já sabíamos que temos um governo masoquista, que internaliza a narrativa da crise produzida pelos credores. Mas isto já não é masoquismo, é estupidez.” Há lógica em tudo isto: a crise é uma oportunidade e quanto mais intensa, mais essa oportunidade aumenta devido ao enquadramento europeu existente. Por isso, tudo o que diminua a pressão tem de ser recusado. Não se pode diminuir a oportunidade de ouro para destruir tudo o que resta, e já não é assim tanto, de progressista na economia política nacional. O acentuar da crise dá um ar de plausibilidade à narrativa sobre a insustentabilidade da segurança social; com o enquadramento certo, com os estudos certos por encomenda, até se pode dizer que o aumento do desemprego se deve ao aumento do salário mínimo ou à “rigidez” da legislação laboral. E por aí fora. Não se esqueçam: os instrumentos nacionais, que os governos controlam neste contexto europeu, são os que impendem sobre o trabalho, sobre o salário directo e indirecto, que assim é reduzido a um custo a conter, a uma mercadoria descartável. Há lógica, e com classe, nesta estupidez.
A tese (1997) defendida por Viviane Forrester é de que o emprego, tal como o conhecemos durante três séculos no Ocidente, tem os dias contados e tornou-se menos plausível, a cada ano que passa, de ser a forma de distribuir a riqueza.
ResponderEliminarO "O Horror Económico" ataca também as actuais políticas dos governos ocidentais que fazem tentativas cada vez mais desesperadas para manter vivo o sistema de trabalhos e salários. Forrester cita a constante redução de números cada vez maiores das classes trabalhadoras e, agora, das classes médias; o atrito constante, a nível internacional, da assistência social e dos direitos sindicais, por um lado, e a crescente desestabilização dos que trabalham, já para não falar dos desempregados.
Tudo isto criou uma cultura de emprego e desemprego (e subemprego) que não é apenas stressante, lamentável e desagradável mas também, segundo Forrester, "gerou uma economia mundial que é uma obscenidade, uma afronta à natureza humana" e, usando as palavras do título do livro, um "Horror":
Excertos de "O HORROR ECONÓMICO" de Viviane Forrester
«Penso que cada um de nós, qualquer que seja o nosso trajecto de vida, deveria sentir-se preocupado com a actual situação do mundo, o qual é inteiramente governado por economistas. Se Shakespeare voltasse hoje à vida, julgo que ficaria fascinado pela trágica interacção das poderosas forças económicas que estão furtivamente a transformar os destinos dos cidadãos ou melhor das populações de todos os países.
Em minha opinião estamos a testemunhar uma mudança profunda, uma transformação da sociedade e da civilização, e estamos a ter muita dificuldade em aceitá-lo. Como é que podemos dizer adeus a uma sociedade que estava baseada em empregos estáveis que forneciam uma rede segura e os fundamentos de uma existência decente? A segurança no emprego está de saída.
Pela primeira vez na história, a grande maioria dos seres humanos já não são indispensáveis ao pequeno número daqueles que dirigem a economia mundial. A economia está de forma crescente envolvida com especulação pura. As massas trabalhadoras e os seus custos estão a tornar-se supérfluas. Por outras palavras, existe uma coisa ainda pior do que ser explorado e que consiste em já nem sequer valer ser explorado!
É verdade que a forma como as coisas estão não estão a ser escondidas, mas existe uma tendência para evitar falar sobre isso claramente. Em sociedades democráticas, em qualquer caso, não se diz às pessoas que estão a ser consideradas como supérfluas. Sob os totalitarismos pode existir um perigo ainda pior do que o desemprego e a pobreza. Uma vez desaparecidos os assalariados, porque é que um regime totalitário não elimina simplesmente essas forças que se tornaram inúteis.
Em países democráticos existe uma necessidade urgente de vigilância. É muitas vezes invocado de que a era industrial, quando um salário regular fornecia os meios de subsistência, pode de alguma forma reacender-se. Mas esses dias acabaram. Os rendimentos salariais estão a desaparecer e a panóplia de esmolas temporárias e pensões concebidas para os substituir estão a minguar, algo que não pode ser considerado senão criminoso.
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ResponderEliminarOs gestores da máquina económica exploram esta situação. O pleno emprego é uma coisa do passado, mas ainda o utilizamos como padrão que era corrente no século dezanove, ou há vinte ou trinta anos, quando ainda existia. Entre outras coisas, este facto encoraja a que muitos desempregados sintam vergonha de si próprios. Esta vergonha sempre foi absurda mas é-o ainda mais hoje.
Isto ocorre de mãos dadas com o receio sentido pelos privilegiados que ainda possuem um emprego pago e têm medo de o perder. Eu sustento que esta vergonha e este medo deviam ser cotadas na bolsa de valores, porque constituem inputs importantes no lucro. Há uns anos as pessoas condenavam a alienação causada pelo trabalho. Hoje, a redução dos custos do trabalho contribuem para os lucros das grandes companhias, cuja ferramenta de gestão favorita é despedir trabalhadores; quando despedem, o valor das suas acções disparam.
Hoje, ouvimos muito falar acerca da “criação de riqueza”. Dantes, esta expressão era simplesmente conhecida como lucro. Hoje, as pessoas falam desta riqueza como se ela fosse automática e directamente para a comunidade e criasse empregos, e, contudo, vemos empresas altamente lucrativas a reduzir drasticamente a sua força de trabalho.
Quando as pessoas falam dos poderosos, não estão a falar do grosso da população do seu país mas acerca dos manda-chuvas que relocalizam num piscar de olhos. Os políticos fazem do emprego a sua prioridade, mas a Bolsa de Valores fica deliciada sempre que um grande complexo industrial despede trabalhadores e fica preocupada sempre que exista qualquer melhoria nos números do emprego. Gostava de chamar a atenção das pessoas para este paradoxo. A cotação do valor em bolsa de uma empresa depende em grande parte dos custos do trabalho, e o lucro é gerado em última análise pela redução do número daqueles que têm trabalho.
A presente situação levanta uma questão vital para o futuro das pessoas deste planeta, sobretudo para os mais jovens e o seu futuro. Hoje, o ideal é ser “lucrativo”, não “útil”. Isto levanta uma questão muito séria: Devem as pessoas ser lucrativas para “merecer” o direito a viver? A resposta do senso comum é que é uma coisa boa ser útil à sociedade. Mas estamos a impedir as pessoas de serem úteis, estamos a esbanjar a energia da juventude ao olhar para a rentabilidade como o supra-sumo.
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ResponderEliminarA maior parte dos países perdeu o seu sentido das prioridades. Existe uma necessidade cada vez maior de professores, pessoal médico, mas os governos mostram-se crescentemente agressivos contra eles. Estas são as profissões onde os lugares são abolidos e os fundos são cortados. E no entanto são indispensáveis para o bem-estar e o futuro da humanidade. Esta confusão entre “utilidade” e “rentabilidade” é desastrosa para o futuro do planeta.
Os jovens vivem numa sociedade que ainda considera o emprego assalariado como o único modo de vida aceitável, honesto e de acordo com a lei, mas a maior parte deles estão impedidos de ter a oportunidade de os alcançar. Em zonas pobres dentro das cidades isto é um grande problema. Ao mesmo tempo, encontro muitas vezes gente jovem com os braços carregados de diplomas que não arranjam trabalho. Que desperdício imperdoável! Durante gerações os estudos constituíam a iniciação da juventude na vida social. Admiro os jovens de hoje porque avançam com os seus estudos perfeitamente conscientes de que correm o risco de serem rejeitados pela sociedade.
Apenas há vinte ou trinta anos atrás, existiam ainda razões para esperar que a prosperidade relativa do Norte se espalhasse pelo mundo. Hoje, estamos a assistir à globalização da pobreza. As empresas do Norte que se deslocalizaram para os chamados “países em desenvolvimento”, não criam empregos para as pessoas desses países, em vez disso fazem-nos geralmente sem qualquer tipo de protecção social, em condições medievais. A razão para isto é que força de trabalho sub-paga de homens, mulheres e crianças, tal como os prisioneiros, custam menos do que a automação custaria no país de origem. Isto é colonização noutra, igualmente odiosa, forma.
Não sou pessimista, longe disso. Os pessimistas são aqueles que afirmam não haver alternativa à presente situação, de que não há escolha possível. O meu livro é uma tentativa para descrever o que se passa. É verdade que a situação é dramática. Apesar de tudo, eu sou, tal como muitas outras pessoas, uma cidadã de um país cujo regime democrático torna possível reflectir e resistir livremente à pressão crescente que o factor económico está a exercer nas nossas vidas.
Eu gostaria que existissem contrapoderes, pensamento alternativo, conflitos de ideias e interesses. Não conflito violento, claro, mas temos de acordar e deixar de estar petrificados, prisioneiros do pensamento banal. Em países onde o meu livro já foi traduzido, especialmente nos Estados Unidos, Brasil, México, Lituânia, Polónia e outros tais como a República da Coreia está a causar uma espécie de convulsão mesmo antes da sua publicação.»
Na Universidade do Minho, há professores, que até me parece que fazem estudos para o governo, sobre o aumento do salário mínimo, que mostram aos alunos gráficos que pretendem relacionar o aumento do salário mínimo com o desemprego. Enquanto isto assim for....coisa boa não virá!
ResponderEliminarNão será o oportunismo uma das máximas do virtuoso capitalismo?
ResponderEliminarÉ interessante o texto que o Diogo coloca no entanto penso que será incontornável a apresentação de "números" que comprovem algumas das afirmações...