sábado, 19 de novembro de 2011

Economia política da desfaçatez

A desfaçatez das elites políticas dominantes não tem limites. Cavaco, o da “reforma do factor trabalho”, que nomeou um dos principais ideólogos da desvalorização salarial generalizada, Vítor Bento, como Conselheiro de Estado, rejeita a ideia de baixar salários no sector privado, embora a austeridade e as reformas ditas estruturais que apoia não façam outra coisa. O ex-super-ministro Álvaro, por sua vez, diz que o Estado não deve “interferir” nas negociações no privado. Isto está também em linha com as melhores ficções do liberalismo económico. Na realidade, o liberalismo é sempre um activismo político, por vezes mascarado por uma retórica naturalista de “deixar que as coisas sigam o seu curso nos mercados livres”, que é apenas a expressão de uma preferência pelo statu quo, mas apenas depois de alcançadas as vitórias políticas e as transformações institucionais desejadas, ou seja, depois das novas regras que enquadram os mercados dotarem as forças sociais dominantes de novos meios para o exercício do poder económico, facilitando assim a transferência de custos sociais para as classes trabalhadores, sob a forma de salários mais baixos ou de condições de trabalho mais inseguras. Enfim, a hipocrisia é a marca de um liberalismo dominante, mas inseguro. É que ainda vivemos em democracia, mesmo que limitada, e o esforço para instituir as ficções liberais prejudica muito os interesses e as aspirações da maioria.

3 comentários:

  1. Louçã parece considerar que quem sugere a consideração de um plano B que tenha em conta uma eventual saída do Euro é um idiota útil à senhora Merkel. Estamos bem servidos com esta esquerda

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  2. Caro João
    Sim, tem toda a razão. Tudo isto pode realmente ser lido como uma espécie de "homenagem do vício à virtude". A Troika, que tem a vantagem de já estar assumidamente democracy-free, diz o que lhe vai na alma sem reservas, pelo que põe a boca no trombone sem quaisquer problemas e conta a história toda.
    Já os serventuários locais, a elite política "compradora" nativa só pode (coitada) expressar-se sotto voce, por subentendidos, insinuações e innuendo... sempre jogando no "dividir para reinar", como é óbvio, no "anti-estatismo" visceral e instintivo, no "eu até nem sou funcionário público", na conversa dos "privilégios" e das "gorduras", etc.
    É a democracia praticada por quem tipicamente não acredita nela - e reduzida por isso à condição global de pequenez, hipocrisia, intriga... de miséria, em suma.
    Mas é este realmente, ai de nós, o ponto em que estamos.

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