quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Combater o imperialismo é ser nacionalista?


No contexto do debate em torno da estratégia para a esquerda nos tempos que correm, a posição que defende a saída de Portugal da zona euro (e que tem sido assumida por vários autores deste blogue) tem sido por vezes apelidada de “soberanista” e “nacionalista” – epítetos que, além de estarem carregados de conotações sinistras, pretendem sugerir uma equivocada cedência às ficções do “interesse nacional” em detrimento de uma perspectiva de classe. Quero aqui argumentar que esta adjectivação é enganadora e não beneficia o debate. Sendo certo que a discussão em torno da desejabilidade ou não da saída do Euro por parte das periferias europeias – e de Portugal em particular – é uma questão complexa, na medida em que envolve incerteza a diversos níveis, é também certo que existem bons argumentos de parte a parte que devem ser discutidos seriamente, dispensando-se artifícios retóricos que obnubilem a avaliação das implicações das diversas propostas e opções.

Será evidente para quase todos à esquerda que esta União Europeia tem o neoliberalismo no seu ADN – do défice democrático que a caracteriza à promoção da corrida para o fundo entre estados em matéria de fiscalidade e direitos laborais. O que talvez não seja tão evidente para todos é o carácter intrinsecamente imperialista do euro enquanto projecto político-económico. O euro é uma criação das elites europeias que, mais do que facilitar as trocas comerciais na Europa ou eliminar o risco cambial nas transacções entre agentes nos diferentes estados-membros, visa: i) concorrer com o dólar norte-americano como numerário, forma de reserva de valor e meio de troca a nível mundial; ii) apoiar o processo de expansão do capital europeu para fora da zona euro; e iii) instalar um mecanismo intra-europeu de repressão adicional dos direitos e conquistas dos trabalhadores. Em suma, constitui um mecanismo de promoção da expansão geográfica e social do capital europeu – ou, dito de outra forma ainda, um mecanismo de promoção do imperialismo europeu.

Para que este desígnio original se concretize efectivamente, algumas das características do funcionamento desta moeda e desta zona monetária, que habitualmente são apresentadas como perversidades secundárias ou defeitos conjunturais, são na verdade absolutamente centrais e necessárias – a clara sobrevalorização face ao exterior (a "moeda forte”), por exemplo; ou a tendência estrutural para a emergência e ampliação de défices na periferia e superavites no centro, abrindo a porta ao desenvolvimento do subdesenvolvimento a que essa mesma periferia está a ser sujeita.

Repensar desta forma aquilo que é a natureza da moeda única europeia permite sublinhar que a defesa da saída do euro como opção política à esquerda não tem como objectivo único, ou sequer principal, permitir uma desvalorização cambial que permita reequilibrar a balança de transacções correntes - por mais que esse reequilíbrio seja legítimo e necessário. Muito mais importante do que isso, visa combater – e idealmente contribuir para desmantelar - um dos principais mecanismos de expansão e dominação do capital centro-europeu. Não se pretende alcançar ganhos de importância marginal para a “economia portuguesa” à custa dos trabalhadores de outros países, mas sim começar a libertar os trabalhadores e classes populares portugueses e dos outros países do jugo de uma armadilha político-económica que é profundamente iníqua e que está institucionalmente blindada.

O verdadeiro debate que aqui está em causa não é, por isso, entre nacionalismo e internacionalismo, mas sim ao nível de qual deverá ser a arena preferível, do ponto de vista da eficácia e das implicações, para as esquerdas europeias desenvolverem a sua acção e a sua luta. O internacionalismo é um princípio geral fundamental, mas não é um dogma táctico ou estratégico. O argumento de quem defende a saída do euro é que o caminho para o internacionalismo deverá passar, nas circunstâncias presentes, por rejeitar o euro enquanto projecto imperial e por privilegiar a luta na arena de cada um dos estados nacionais. Não por nacionalismo, mas por opção estratégica no combate ao euro-imperialismo.

7 comentários:

  1. Não entendo o que é que "promoção da expansão geográfica e social do capital europeu" tem que ver com imperialismo? Vendo da forma como foi escrito parece que é a mesma coisa, mas essa definiçao de imperialismo não é no mínimo estranha?!
    Como é que o projecto europeu pode ser de alguma forma um império?

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  2. Simples: no plano imediato, o euro-moeda-forte sustentaria a capacidade dos grupos financeiros europeus para adquirir activos outras áread, e receber as respectivas rendas. A longo prazo, há as vantages a recolher de uma moeda de reserva internacional, como o dólar por tantos anos demonstrou: exportar "moeda" imaterial e receber bens e serviços em troca.

    Esta defesa à esqueda do espaço da nação como lugar mais importante para a acção política só peca por tardia. É o único espaço onde temos alguma forma de democracia e é o que mais importa para a população. As ilusões europeias (se ilusões foram, no caso do Mário Soares e companhia acho que foi mesmo venda da soberania a troco de protecção política para os novos partidos e regime) já saíram muito caras.

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  3. Como o Alexandre quer deixar transparecer, ou haverá uma comunidade digna desse nome, ou será melhor a saída. Também acho. E que se danem os “os amantes desta espécie de globalização”.

    Como escreveu Negri, e até ver, bem, “os movimentos insurreccionais de certa dimensão dos séculos XIX e XX, anteciparam e prefiguraram os processos de globalização do capital e a formação do Império…A formação do Império é uma resposta ao internacionalismo proletário”.
    Penso que agora é preciso trocar-lhes as voltas, ir passo a passo. E não ir atrás de abstracções, de “rebeliões contra o Império” nem de “guerra contra os mercados”. Isso fica longe e nunca mais “os” apanhamos…
    As pessoas ainda vivem em comunidades, em territórios de proximidade, onde exprimem os seus anseios, cooperando, pois têm interesses comuns. Seria contra-natura não se protegerem, não significando que se tenha que cair no nacionalismo serôdio. Sabemos como a ingenuidade já levou a aceitar de bom grado os chamados desequilíbrios económicos estruturais. Em nome de quê? Da globalização que o Império quer impingir!

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  4. Caro Alexandre
    A única instituição que é democrática à escala internacional é o estado-nação. É tão simples como isso. Combater o estado-nação (seja em nome da Goldman-Sachs, da pseudo-inspiração flipadóite do Antonio Negri ou do espírito da mula do Cruz Cardoso) é combater, de facto, a única réstia de democracia ainda existente no mundo.
    Pretender fazê-lo em nome duma putativa "sociedade civil global" inexistente é, ou hipocrisia refinada, ou ignorância profunda e "tontería" pura e simples, ou demência imperial levada decididamente demasiado longe, da parte quem de todo não se enxerga, a pontos de não reconhecer o quanto é culturalmente (e nacionalmente!) enviesada a própria pretensão de existência dessa tal putativa "sociedade civil global", em nome qual se alega proceder...
    Ah, e "beggar thy neighbour and thyself" é de facto aquilo que andamos nós a fazer, precisamente para nos "segurarmos" no Euro, com as famosas "desvalorizações internas".
    Se desvalorizarmos a sério, isto é, monetariamente, a diferença principal traduz-se - para além das mãos livres para uma verdadeira política económica, maugrado os pudores "anti-soberanistas" - em margem de manobra assim criada para os interesses de classe dos assalariados: em cada estado-nação e em todos eles.
    Assim, pelo contrário, pelo caminho em que vamos, estamos de facto a defender os interesses... bom, os interesses dos "outros", e também transversalmente: em cada estado-nação e em todos eles.
    Nem todo o "soberanismo" é socialista, claro está, ou sequer de esquerda. Mas o "anti-soberanismo" - ou seja, a aversão à pretensão de as sociedades decidirem colectivamente os seus destinos por meios políticos - corresponde ex definitio a uma forma de pensar "libertária", isto é, anti-socialista (e em geral anti-estatista), isto é, forçosa e funcionalmente de direita.
    E quanto a nacionalismos e internacionalismos, já agora, António Sérgio escreveu um dia algo que convém decerto relembrar: "foi nas prisões que conheci a verdadeira união nacional".
    Mutatis mutandis: na pretensão comum de gregos e portugueses de saída dessa prisão dos povos que é a Eurolândia reconheço eu o único verdadeiro internacionalismo dos nosso dias.
    Quem não compreende isso...

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  5. Pois, é engraçado ver que a UEM nos foi vendida inicialmente (pelo menos do que eu me lembro como puto que era na altura) como a unica saida para combater a hegemonia do dolar... o problema e que o resultado foi mais na onda do "se nao puderes vence-los junta-te a eles"

    Alex é engraçado como em cada texto que leio teu aprendo no mínimo uma palavra nova :P (obnubilem)

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  6. Admiro a insistência e a serenidade com que vários ladroes de bicicletas vêm dando este debate, explicando pedagógicamente as suas posições. Porém convém ter noção de duas coisas: há que chamar os bois pelos nomes, quem usa os epítetos de nacionalista, direitista e afins contra quem defende a saída do euro não são economistas de esquerda no abstrato mas um muito concreto seguido pelos seus acólitos que repetem hoje este argumentário e amanhã repetirão o oposto. Mais do que pedagogia é precisa a denuncia e nisso não estarão sós (http://rupturafer.org/index.php?option=com_content&view=article&id=288:o-bloco-preso-a-ditadura-da-divida-resposta-a-francisco-louca&catid=86:nacional&Itemid=537). A denuncia precisa não é apenas a de chamar os bois pelos nomes mas também de explicar porque enfiam os bois, tal como as avestruzes, a cabeça na areia fingindo não saber o que sabem, confundindo deliberadamente. Esta defesa mascarada com os adjectivos "nacionalista" e outros mais não é do que a defesa intrangigente do euro, custe o que custar, doa aquem doer (até agora doi aos trabalhadores e não se prevê que venha doer a outros). E é preciso dizer que dirigentes de esquerda que estão dispostos a mentir para manter a UE e o euro mesmo que à custa dos trabalhadores não prestam. São precisos outros.

    Fora isso, parabéns pela clareza e pela coragem.

    Manel Afonso

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  7. Esta europa está construida na teoria para a paz e o progresso mas passo a passo( e a crise serve a esse preposito!)tem vindo a mostrar a face merkozy,ou seja mais europa federalista(anti-democratica e ditada pelos ricos do norte com a cumplicidade dos governos centro-direita do sul)e menos soberania,quase que chegamos ao ponto de nos dizerem que se queremos pão devemos desistir da liberdade!acham exagero?pois vejam bem o que está ser cozinhado há meses e no dia 9 confirmem o resultado.

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