Há uma página particularmente perturbadora no Público de quarta-feira passada. É a página do artigo assinado por Isabel Arriaga e Cunha, sobre as conversações entre a troika e o governo grego. Em causa está o acordo sobre medidas adicionais de austeridade (orçadas em 4 mil milhões de euros), necessárias à aprovação de uma tranche de 8 mil milhões de euros, aprovada em Maio de 2010.
Embora constitua mais uma evidência dos resultados contraproducentes da sangria austeritária, não é o artigo em si que perturba de forma particular. Nem é, sequer, o facto de vir acompanhado pela foto que o ladeia. Essa foto - pelo que é e representa - será sempre terrível, quando e onde quer que seja publicada. O que é particularmente perturbador - ou melhor, acrescidamente perturbador - é a legenda escolhida: «Protestos voltaram há vários dias às ruas de Atenas». Isto é, o texto escolhido para entitular a foto em que um homem se imola pelo fogo assume essa precisa imagem como ilustração «normal» (corrente, comum), do regresso dos protestos às ruas de Atenas.
Presumo, sem dificuldade, que o título escolhido não pretenda «normalizar» esta forma limite de protesto (ilustrando-a como se poderiam ilustrar outras formas, comuns, de protesto). Mas nem por isso a relação entre a fotografia e a legenda deixa de ser menos perturbadora. Ela mostra, porventura, uma das faces mais sinistras da vertigem austeritária: o ajustar progressivo do que é tolerável para níveis crescentemente indignos e imorais; a resignação que desce, um a um, os degraus do fosso dos retrocessos sociais que a austeridade cava consecutivamente.
(Sobre a destruição do tecido económico local e a deterioração das condições de vida em Atenas, resultante das ondas do choque austeritário, vale a pena ler este testemunho de um jurista de Viena, que há cerca de ano e meio vive num apartamento da capital grega).
Parabéns. Excelente texto. Para lembrar a alguns, infelizmente muitos, que há uma palavra que é "humano".
ResponderEliminarOrwell só se enganou na data. Se tivesse escrito 2011 em vez de 1984, bingo!
O dinheiro keynesiano mal gasto (um ex: auto-estradas «olha lá vem um» - sem rentabilidade possível)... torna-se num travão incontornável da economia... quando chega a altura de começar a pagar a factura!...
ResponderEliminarNuno Serra, sugiro que envie este texto à redacção do jornal.
ResponderEliminarO que diz é oportuno, e parece que, a maior parte do tempo, os jornalistas se limitam a propagar a narrativa oficial, ignorando o sofrimento resultante das políticas «austeritárias», e, deste modo, contribuindo para a sua legitimação.
A casta dos jornalistas é talvez das mais avessa à auto-crítica, mas incomodá-los um pouco que seja de vez em quando não faz mal a ninguém.
Cumprimentos.
Os povos em dificuldades... não se podem andar por aí a queixar... porque... «não são filhos de nenhum cabo especialista»!
ResponderEliminarDe facto, há séculos e séculos que é sempre a mesma coisa:
- sempre que um agiota quer 'deitar a luva' aos bens de alguém... o agiota acena com empréstimos... que sabe que não vão conseguir pagar... RESULTADO FINAL: quem foi atrás do aceno de empréstimos (feito pelo agiota) fica na miséria... e o agiota fica com os seus bens!
Hoje em dia, mega-agiotas não se limitam a acenar a famílias... eles acenam a países inteiros!
Um exemplo: não satisfeito com a delapidação do património de alguns países, o mega-agiota George Soros (JORNAL DE NEGÓCIOS, 15 Setembro 2011) afirma: «é preciso um Ministério das Finanças europeu, com poder para decretar impostos e para emitir dívida».
Eles sobem as escadas e já não há ninguém que me possa acudir.
ResponderEliminarParabéns pelo texto, o depoimento que aparece de um vulgar estrangeiro é terrível e faz-nos abrir os olhos para a realidade grega.
ResponderEliminarSAerá que os nossos políticos e jornalistas não saberão disto ou não têm interesse nisso?
E ainda há quem acredite que somos uma sociedade civilizada...
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