Husson parte de uma posição favorável a uma coordenação com escala europeia. Se for comparada com a posição aparentemente mais “soberanista” de um Jacques Sapir, que muitos de nós seguem com especial atenção, concluir-se-á que as divergências económicas, centradas na questão da importância da variável cambial e da capacidade de encontrar soluções decentes que a substituam numa Zona Euro atravessada por tão grandes desníveis de apetrechamento económico, podem ser, até certo ponto, politicamente conciliáveis. Conciliáveis em parte porque Sapir sabe bem o que a saída do euro implica em termos de transformação institucional profunda da economia para almofadar uma ruptura que surge como uma das alternativas ao impasse neoliberal europeu e às políticas recessivas. Isso leva-o a convergir com Husson, por exemplo, na questão dos controlos de capitais, da socialização do sector financeiro ou da reestruturação da dívida que são requeridas pela situação.
Tanto Husson como Sapir indicam-nos que uma melhor articulação nacional-europeia terá de partir da acção de governos nacionais progressistas, sozinhos ou em aliança com outros, que comecem por desafiar as regras europeias neoliberais, bloqueadoras do controlo do sector financeiro ou da política industrial, só para dar dois exemplos, e que estejam dispostos a ir até às últimas consequências nesse desafio porque, uma coisa é certa, não são possíveis políticas progressistas, políticas civilizadas, políticas de saída da crise, nesta configuração do euro, mesmo que Husson considere que já se ultrapassaram com facilidade obstáculos “formais” que há pouco tempo pareciam intransponíveis.
Ir até às últimas consequências é então aceitar a formulação de Husson e usá-la abertamente na intervenção política: “não se exclui um braço de ferro e usa-se a ameaça de saída do euro”, tal como aqui temos defendido e tal como Sapir defende, até porque na ausência de mudanças europeias relevantes, que aqui também tempos apontado, a saída do euro é o que resta a qualquer governo, periférico ou não. Mas continuemos a dar a palavra a Husson: “Este esquema reconhece que não se pode condicionar a implementação de uma ‘boa’ política à constituição de uma ‘boa’ Europa. As medidas de retaliação de qualquer espécie devem ser antecipadas por meio de medidas que, efectivamente, fazem apelo ao arsenal proteccionista. Mas não se trata de proteccionismo no sentido habitual do termo, porque este proteccionismo protege uma experiência de transformação social e não os interesses dos capitalistas de um dado país face à concorrência dos outros. É pois um proteccionismo de ampliação, cuja lógica é desaparecer a partir do momento em que as ‘boas’ medidas forem generalizadas.”
Tenho pelo menos duas questões prévias: interesses capitalistas internos, como sabemos, há muitos e as suas contradições estão mesmo muito longe de estar convenientemente exploradas do ponto de vista político; interesses capitalistas externos divergentes nem se fala: as economias têm desníveis de desenvolvimento e diferentes necessidades de recorrer à variável cambial para ajudar nas políticas de transformação estrutural. O capital não pode ser pensado, a um nível de abstracção relevante para as políticas públicas de transformação, como realidade homogénea num país e fora dele. Nenhuma estratégia ganhadora de governo progressista pode deixar de incorporar activamente sectores do empresariado industrial/produtivo/exportador que, ao contrário do que se possa pensar, não esgotou as suas capacidades. Os verdadeiros adversários políticos de um amplo bloco social transformador são o capital financeiro, os grandes grupos rentistas que com ele estão imbricados e os seus ideólogos, ou seja, os que vivem da “expropriação financeira” e da pilhagem de bens comuns e os que as legitimam à sombra de romances de mercado. Husson e todos os que querem construir uma aliança progressista “anti-liberal” devem ter isto em conta.
Entretanto, veja-se também a resolução do Partie de Gauche sobre o euro. Este partido integra, com o PCF, uma Front de Gauche que tem em Jean-Luc Mélenchon um candidato presidencial forte. As marcas deste debate francês, que a esquerda portuguesa que não desiste faria bem em transpor com toda a intensidade para a realidade nacional, estão aí bem patentes, assim como o necessário trabalho colectivo de reflexão, por exemplo, para pensar também em soluções intermédias de moeda comum, entre a moeda única e o regresso às moedas nacionais, para as quais Jacques Sapir tem igualmente chamado a atenção.
abraços. gostei de saber...
ResponderEliminar(de recomendar ao novel Secretario Geral do Partido Socialista).
Na faculdade em que andaram ensinaram-vos que um Estado é liberal quando tem um peso na economia de 50%?!
ResponderEliminarJá têm censura e tudo, o debate está mesmo a ser feito.
ResponderEliminarO Michel Husson continua a não querer perceber, ou a querer fazer de conta que não percebe, apesar de toda a paciência do Lapavitsas a tentar explicar-lhe tintim por tintim:
ResponderEliminarhttp://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article2091
A eventual saída do Euro, diz o MH, "é pois uma solução nacional, não cooperativa, em que um país procura ganhar partes de mercado aos seus parceiros comerciais."
É preciso ter lata, reconheça-se. É difícil ir-se mais longe no "blaming the victims"... Será que o MH ainda não percebeu que o próprio Euro é que é "uma solução nacional, não cooperativa, em que um país procura ganhar partes de mercado aos seus parceiros comerciais"?
Face a um grotescamente óbvio free-riding da elite alemã, este "internacionalista" patético continua abertamente a pregar-nos a conduta sucker, em nome de histórias da carochinha, de concertações imaginárias que não têm qualquer sombra de ligação com a realidade factual...
Os problemas não se limitam a isso, claro, bem longe. Por exemplo, uma taxa de câmbio alterada, com desvalorização, pode realmente trazer alguma inflação importada e algum ciclo vicioso. Mas isso não é interminável. Existe de todo uma "taxa de câmbio de equilíbrio"? Claro que sim! Ou, pelo menos, se o MH acha que não existe, parece-me bem que o ónus da prova é dele. E podíamos continuar. Mas duvido sinceramente que valha a pena.
Ah, com uma "esquerda" destas, descansem, não admira realmente que seja a FN a capitalizar com o descontentamento popular...
Eduardo:
ResponderEliminarEste seu argumento da «censura» é de peso, deixa qualquer um a meditar.
Se tivesse visitado os comentários dos Posts anteriores, em que um «troll» enchia permanentemente as caixas de coisas abstrusas, talvez percebesse a necessidade da moderação.
Ela foi feita a pedido dos leitores, e eu fui talvez dos primeiros a fazer o pedido aos Administradores do Blog.
A censura é outra coisa, só quem não viveu com ela se pode permitir invocar tal nome de forma tão leviana.
Há pessoas que andam sempre a confundir as coisas e a reagir com o fígado em vez de reagirem com o cérebro; a cegueira ideológica é uma coisa incrível, cega as pessoas definitivamente.
"Na faculdade em que andaram ensinaram-vos (...)"
ResponderEliminarEnsinaram a procurar alguns numeros reais em vez de chavoes ignaros repetidos em segunda e terceira mao.
O Estado tem um peso inferior a 10%do PIB para funcionar , o resto e redistribuido.
Lowlander, isso quer dizer que a Unão Soviética era um Estado liberal?
ResponderEliminarEduardo, quer dizer exactamente o que la esta escrito, frase por frase.
ResponderEliminarE a sua resposta confirma a justeza dos adjectivos.