Afirma o Ministro Álvaro Santos Pereira, neste caso no contexto do Prós e Contras de ontem, que não tem “a menor dúvida que vamos alcançar o sucesso”. Santa confiança nas virtudes redentoras da miséria e do sofrimento, sobretudo quando tocam aos outros. É que o Ministro, que até é alguém que tem demonstrado interesse na evidência histórica, teria bons motivos para ter mais dúvidas.
Portugal não é o primeiro país a estar sujeito a um programa de ajustamento estrutural, caracterizado pela combinação “compressão salarial + privatizações + redução da despesa pública + deterioração dos direitos dos trabalhadores” no contexto de uma crise da dívida. No fundo, tudo aquilo a que A.S. Pereira chama “tornar o país mais amigo do investimento”. Não é o primeiro, porque têm sido às centenas, e em dezenas de países, as intervenções do FMI neste sentido ao longo das últimas décadas. Com a diferença que, em geral, estas experiências prévias previam também fortes desvalorizações cambiais a fim de aumentar a procura externa – algo que, no contexto presente, está, até ver, vedado, exigindo que todo o fardo de uma hipotética recuperação da competitividade recaia sobre a ‘desvalorização interna’ (leia-se redução dos salários directos e indirectos).
Ora, sendo assim, o que nos diz então a evidência histórica acerca do desempenho das economias sujeitas a este tipo de intervenção? Nem vou referir-me aos estudos de perigosas organizações radicais como a UNICEF, que apontam para aumentos consistentes dos níveis de mortalidade infantil e desnutrição nos países sujeitos a programas de ajustamento estrutural. Não. Vou limitar-me a apontar, por exemplo, estudos como este e este, que avaliam os programas nos seus próprios termos e revelam, basicamente, que o efeito da austeridade sobre o crescimento é negativo no curto prazo e nulo no longo prazo. Agora, o que estes estudos revelam também é que, de forma consistente e muito significativa, a parte dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional sofre uma forte redução face à parte dos rendimentos do capital, como consequência directa das políticas da austeridade e do medo. Ou seja, se se sabe alguma coisa das experiências históricas de austeridade e ajustamento estrutural é que não conduzem ao crescimento, não conduzem ao aumento do investimento, mas conduzem à deterioração da situação social e dos indicadores básicos, ao mesmo tempo que as elites detentoras do capital reforçam a sua capacidade de capturar o valor gerado na economia.
Talvez isto permita compreender melhor o Ministro quando diz que não tem dúvidas que vão alcançar o sucesso...
O Krugman diz muitas vezes que os acólitos da austeridade são fanáticos ideológicos que não conseguem ver que a sua fórmula não se traduz em crescimento e melhoria das condições de vida da sociedade.
ResponderEliminarPessoalmente acho que sabem perfeitamente que é um modelo falhado mas extremamente eficiente a persuadir o público em geral da benevolência do que na prática é um saque total.
Basta ver os milhões de almas penadas que em Portugal pedem e exigem mais austeridade penitente, para obterem o perdão da igreja da austeridade.
Os austeritários não estão enganados: sabem muito bem o que querem e para onde vão.
ResponderEliminarPara além dos estudos, existem exemplos práticos de desobediência ao FMI, como o caso da Argentina, da Islândia e até da Alemanha a seguir à 2ª Grande Guerra. A questão é se, actualmente, a globalização da divida trará o fim do capitalismo como o conhecemos.
ResponderEliminar