Na semana passada, duas figuras relevantes do mundo católico português deram voz a perspectivas diametralmente opostas sobre a crise. No Prós e Contras, João César das Neves assume a narrativa da remissão dos pecados pela travessia do fogo da austeridade, segundo a qual os países que caíram na malandragem devem penar e purificar-se: «quem tem dívidas tem que as pagar, tem que apertar o cinto». Isto é, as disfuncionalidades da governação económica da UE não contam, a crise e os movimentos especulativos do capital financeiro não interessam, o impacto diferencial da abertura dos mercados europeus aos bens transaccionáveis é despiciente, a iniquidade na distribuição dos sacrifícios não é relevante e o ciclo vicioso da austeridade é uma minudência. É tudo muito simples: trata-se de culpa colectiva indiferenciada e de expiação necessária. A vida quotidiana, sobretudo dos mais afectados pela injustiça da austeridade, não é um dado do problema.
Para César das Neves, a economia de mercado constitui uma espécie de força da natureza (com leis que funcionam tanto melhor quanto menos o Estado e as políticas públicas nela se intrometerem), a que todos se devem adaptar e submeter, sem desculpas nem justificações. À escala comunitária, o professor da Universidade Católica advoga que os países em risco de incumprimento (como Portugal e a Grécia) devem resolver sozinhos os seus problemas (invocando para este efeito o exemplo da Califórnia, cuja situação de falência teria supostamente que ser ultrapassada sem ajudas federais de nenhuma espécie). À escala nacional, César das Neves recorre ao mantra do Estado preguiçoso e gastador, sentenciando que «temos um sistema de saúde pior que os outros e que gasta mais que os outros per capita» (não cuidando contudo de explicar como diabo teremos conseguido - entre outros méritos - que a taxa de mortalidade infantil passasse de 77,5‰ em 1960 para 2,4‰ em 2010, uma das mais baixas do mundo). (*)
Perante a frieza estratosférica do raciocínio de César das Neves, vale a pena ouvir a entrevista de Januário Torgal Ferreira à RTPN. Quando a jornalista Sandra Felgueiras lhe pergunta se o país está a viver um clima de medo e de fome, a resposta é lapidar: «claro que está... e de fome em muitíssimas situações», acrescentando a importância de serem criadas «soluções que não podem ser de forma alguma de caridade, neste sentido de assistencialismo». Sobre o impacto desigual da austeridade, o Bispo das Forças Armadas não hesita: «eu não vou aqui silenciar o que penso, nunca... (...) eu não posso compreender como é que instâncias altamente rentáveis e, neste pais, com dinheiro, que não haja um sentido de justiça».
(*) No próprio programa Prós e Contras, Ricardo Paes Mamede e João Ferreira do Amaral encarregaram-se de repor a verdade relativamente ao exemplo da Califórnia, lembrando os dispositivos federais de apoio social e os investimentos militares. No Jugular, Mariana Vieira da Silva demonstra a circunstância de Portugal se encontrar, na realidade, abaixo da média da OCDE em despesas de saúde per capita.
Caro Nuno Serra
ResponderEliminarLembre-se de que não há Joões Césares das Neves grátis, homem. Noutros termos, a verdadeira questão, neste caso, consiste em saber como é que ele tem a projecção que tem. O que remete, é claro, para a função social social que desempenha... Neste caso, tendo em conta que se trata precisamente da Católica, e por comparação com o sacerdote que também refere, creio que é aquilo que talvez possamos designar por função de "bad padre", que se opõe e simultaneamente complementa a de "good padre"...
Quanto ao post que refere e ao respectivo quadro, estão óptimos. Obrigado por isso. Permitem destacar, por oposição a casos como ainda o nosso, o dos EUA, onde é quase tudo à base de privados e de seguros, e onde se gasta em média, pelos mesmos tratamentos (ou piores) muito mais...
Ah, mas descansemos, que cá, com as PPP dos governos de uns e de outros, rapidamente convergiremos com o modelo ianque... mas a um nível de PIB per capita mais baixo, claro. Repare: é claro, que uma coisa ajuda à outra. Se deixarmos por exemplo de tratar velhotes, passando antes a administrar-lhes os últimos ritos, poupamos aí... e também na segurança social!
Relativamente à Califórnia e ao Minesota, é claro que o nosso caso (e o dos gregos) é diferente do deles. Mas sublinhe-se que é diferente em tudo! Eles elegem quem depois os "ajuda", recordemo-lo de passagem... No nosso caso, mesmo que quisessem de facto ajudar-nos (que não querem, querem é sangrar-nos) seria ainda assim moralmente indigno, politicamente insultuoso e indefensável... É tão importante resgatar os PIGS economicamente como moralmente e politicamente. O principal problema deles/nosso é precisamente esta mendacity colectiva que se apossou de deles/nós, isto é, de nós outros...
A nosssa via de salvação colectiva é necessariamente outra: nunca seremos Californias nem Minesotas, desenganemo-nos quanto antes. A questão está em sabermos que queremos ser Porto Ricos... ou países democráticos e independentes. ("Independentes" não implica "dempocráticos", mas "democráticos" ainda implica "independentes", não é assim?)
"... ajudemo-nos a nós próprios,
ResponderEliminarnem Deus, nem César (ohohoh) nem tribuno,
decretemos a Salvação comum..."
Do que análise económica
ResponderEliminarApesar de tudo a César o que é de César
Nesse programa do Prós e Contras, o César das Neves devia ter sido confrontado de uma forma mais dura. Ele foi desonesto e mal educado e não vi ninguém a chamá-lo à pedra. Julgo até que, para muitos, a mensagem dele prevaleceu, precisamente por ser simplista e bombástica.
ResponderEliminarFala-se mal de António de Oliveira Salazar, que foi um fascista, um ditador, dizem alguns sem “tomates”, mas que conseguiu juntar ouro que tem desaparecido às toneladas. Foi no seu tempo que eu sem livros, consegui tirar a Secção de Económicas do Instituto Comercial de Lisboa. Hoje os alunos com todos os livros à sua disposição, têm no nono ano uma percentagem de negativas que não dá para eleger a Matemática como ciência subjacente às matérias contábeis; mas os alunos vão passando cortados a duas disciplinas e chegamos a um ponto em que são mestres e professores doutores, mas que nem sabem a tabuada, nem a gramática. Como nos está no sangue o verbo adulterar, temos a maior corrupção da Europa, que até os passarinhos com um trinar divino, cantam numa singela melodia:
ResponderEliminarCANTAR DIVINO
E há corrupção no Fisco
também há nos Tribunais
disse-me hoje um Pisco
e me disseram os Pardais!
-
e de contente o charneco
em cima de uma figueira
e todos pássaros, caneco;
dizem:-cá, ela é a cimeira!
-
e dizem que ela é notória
e até atinge a terra minha
o registo na Conservatória
ai tem omissa a Vilarinha!
-
e a minha relação de bens
para que haja uma noção
lhes dou os meus parabéns
em nome de outros, estão?
-
e dum Manuel Constantino
ai um grande empreendedor
estes serviços já sem tino
ai nada têm dele, qu'horror?
-
e lá num livro a folhas tais
descreve assim certa casa
que vem de actos notariais
sem matriz, fico em braza!
-
e eu olho e fico abismado
e parece um jogo de lerpa
de Messines, um avogado
relaciona o meu, o Serpa?
-
o nosso chefe de Secretas
vai ter de ir à Assembleia
por causa de tantas tretas
tenho o Bairrão, na ideia?
-
e é costume trocar nomes
e estes corruptos de génio
tu de parvo, não me tomes
eu é que sou José Eugénio!
-
e quando eu vou à Igreja
bem perto, pombo arrulha
ele canta p'ra que se veja
ai vai à Igreja tanto pulha?
-
e lá na Cruz de Portugal
tem lá perto, as oliveiras
onde o meu Pisco divinal
que me conta as asneiras!
-
cores lembram Bandeira
estão em tom desbotado
ai a lembrar tanta asneira
e tantos erros do passado?
-
os pardais e um charneco
que por lá passam a voar
dizem o País é um beco
sem saída e para mudar!
-
Eugénio dos Santos
InConsciência
ResponderEliminarver num programa de 2 horas
e num discurso detalvez 20 minutos
em tiradas breves
toda uma caracterização de um personagem bastante maleável
diga-se a bem da verdade
é o memo que ber o Dibino
no Eu génio...
CANTAR DIVINO
E há corrupção no Fisco
também há nos Tribunais
disse-me hoje um Pisco
e me disseram os Pardais!
-
e de contente o charneco
em cima de uma figueira
e todos pássaros, caneco;
dizem:-cá, ela é a cimeira!
-
e dizem que ela é notória
e até atinge a terra minha
o registo na Conservatória
ai tem omissa a Vilarinha!
-
e a minha relação de bens
para que haja uma noção
lhes dou os meus parabéns
em nome de outros, estão?
-
e dum Manuel Constantino
ai um grande empreendedor
estes serviços já sem tino
ai nada têm dele, qu'horror?
-
e lá num livro a folhas tais
descreve assim certa casa
que vem de actos notariais
sem matriz, fico em braza!
-
e eu olho e fico abismado
e parece um jogo de lerpa
de Messines, um avogado
relaciona o meu, o Serpa?
-
o nosso chefe de Secretas
vai ter de ir à Assembleia
por causa de tantas tretas
tenho o Bairrão, na ideia?
-
e é costume trocar nomes
e estes corruptos de génio
tu de parvo, não me tomes
eu é que sou José Eugénio!
-
e quando eu vou à Igreja
bem perto, pombo arrulha
ele canta p'ra que se veja
ai vai à Igreja tanto pulha?
-
e lá na Cruz de Portugal
tem lá perto, as oliveiras
onde o meu Pisco divinal
que me conta as asneiras!
-
cores lembram Bandeira
estão em tom desbotado
ai a lembrar tanta asneira
e tantos erros do passado?
-
os pardais e um charneco
que por lá passam a voar
dizem o País é um beco
sem saída e para mudar!
-
Eugénio dos Santos
Sobre o facto de estar errado o raciocínio do sr. que fui obrigado a estudar no sistema ideológico que domina as nosas universidades e institutos, pois isso reflecte uma escolha, deplorável é o facto de este e tantos outros qause monipolizar o direito de "opinar" sobre o que diz respeito a um país inteiro. Mas para que uma ideologia se torne dominante, carece de um modo de produção que lhe dê crédito e uma moral que o apoie. Será assim?
ResponderEliminarabaixo da média em despesas de saúde do sector público?
ResponderEliminare a média é ?
na grã-bretanha no Ulster e na escócia pagava-se menos por certas operações e medicamentos do que no resto do Reino Unido
se essas despesas incluem os sub sistemas de saúde ADM ADSE etc
acho difícil...
ponha nºs nisso e eu faço uma comparação gratuita
Noto, desculpe, algumas gralhas: 'remissão dos pecados'deve ser ´remição' (de remir), 'despiciente' > 'despiciendo' e 'ciclo vicioso' > 'círculo'...
ResponderEliminarA.M.
César das neves é um néscio.
ResponderEliminarQue ainda por cima se assume com católico praticante, militando diligentemente na... universidade católica.
É que ele que costuma assinar alguns dos comentários mais "pios" da nossa classe de "comentadores" nem sequer mostra alguma "crítica social" ao que se passa nos nossos dias.
Um néscio e um hipócrita
Como alguém diria não se percebe o peso e a projecção que tem.
Ou percebe-se?
E como alguém também comentaria,malcriado e desonesto sem que ninguém ouse afrontá-lo e chamar-lhe alto e bom som o que ele de facto é...
Vamos ser simpáticos?
Um canalha neo-liberal travestido de beato hipócrita,
Com tiques de extremista de direita
Caro João Carlos Graça,
ResponderEliminarÉ bem vista essa do «bad padre» e «good padre». Ao contrario dos policias, felizmente estes não fazem uma «dupla combinada»...
Caro A.M.,
Obrigado pelo reparo nas gralhas, sobretudo no rigor devido à palavra «remição».
Mas do Cesar das Neves nada se pode esperar a não ser a miséria e a mesquinhez da defesa do neoliberalismo.
ResponderEliminarAcontece é que o tal C. das Neves arranjou maneira( a única, aliás, que tinha) para ser conhecido e ganhar mais uns cobres para fugir á crise.
Mas ele não tem culpa disso, culpa tem que lhe dá voz.