Ontem celebrou-se o dia da criança. A decência de uma sociedade também se mede pela forma como cuida das suas crianças. Em Portugal, há pouco que celebrar nesta área. Esta semana ficámos a saber que duas em cada cinco crianças podem viver em situação de pobreza, ou seja, em situação de gritante desvantagem. Somos uma sociedade indecente.
Somos uma sociedade onde as medíocres elites gostam muito de falar de mérito, mas onde a investigação continua a apontar para a nossa incapacidade institucional, quase sem paralelo na Europa, em igualizar minimamente as oportunidades. São as falhas de um sistema fiscal cuja regressividade se vai acentuar, de um Estado social em quebra e de uma regulação cada vez mais frágil das relações laborais, incapaz de favorecer o trabalho decente, de evitar a pobreza laboral e de reduzir as desigualdades salariais.
Na realidade, estamos bem acompanhados, por exemplo, pelos EUA: a pobreza infantil que aí se regista ambém está acima da média, e a mobilidade social abaixo da média, dos países desenvolvidos. Também se sabe que quanto mais desiguais são os países, menor é o contributo do crescimento económico para diminuir a pobreza. Pobreza e desigualdade económica não são separáveis, como muitos teimam em pensar num país desigual. Nas últimas décadas, e como sublinha o excelente observatório das desigualdades, não cessaram de se acentuar as desigualdades de remuneração no sector privado. Agradeçam à troika interna que nos tem governado.
É estranho que seja nos países de capitalismo mais desigual que mais se tenda a responsabilizar os pobres pela sua situação. Estamos num país onde uma nojenta campanha de extrema-direita contra uma prestação frágil como o RSI pode ter sucesso, onde se corta com todo à vontade no abono de família, onde se multiplicam as famílias com todos os adultos desempregados, onde mais de 50% dos desempregados não tem qualquer apoio, onde 50% dos trabalhadores leva para casa menos de 750 euros por mês, onde o investimento público em creches e infantários escasseia. A pobreza infantil é filha de um sistema em que uma minoria com voz vive em cima das possibilidades de desenvolvimento de tantas crianças e de tantos adultos, os que nunca tiveram tempo para ser crianças.
Se isto é assim, não acham também estranho que se multipliquem as palas sociais que impedem tantos de ver o que deve ser visto? Não acham estranho que sejamos dominados por um credo de “mercado” que parece assumir que todos nos tornamos adultos autónomos como que por uma mão invisível? Há tanta coisa estranha no capitalismo desigual, não há?
Pois é, temos um Estado que absorve 50% da riqueza produzida e que deixa que situações dessas aconteçam. Acha que se absorvesse os outros 50% resolveria o problema? Tudo indica que não. Ainda ontem uma mãe solteira desempregada se queixava que o Sócrates lhe tinha retirado 23 dos 43 euros de majoração monoparental. Isto para perceber que basta a incompetência dos burocratas do Estado Social para tramar os mais pobres. A direita não faz nada disto. Vindo de quem defende a construção de auto-estrads vazias e TGV, o seu texto chega a fazer uma certa impressão estomacal.
ResponderEliminarEste país é para velhos cheios de velhas ideias
ResponderEliminarou de velhas ideias que fazem velhas as novas gentes
creches infantários sítios onde se arregimentam crianças como se fossem leitões
obviamente as velhas gerações sem creches não socializavam
iam directamente da barriga das mães para as engrenagens do soeiro pereira gomes
qual a diferença dos ranchos de crianças que brincavam nos campos
e os que fechados em salas brincam com plásticos pouco higienizados?
são mais crianças uns e menos os outros
são mais crianças os adolescentes de 12 e 13 que phodem para reduzir o stress escolar e que metem álcool nas goelas e piercings e tatuagens noutras partes
obviamente devem ser mais crianças
as actuais
ó mãe ê quero-me matar
Caro João
ResponderEliminarO "mérito" é evidentemente algo muito difícil de medir; mesmo quando esse mérito é algo aferível dedutivamente, por aplicação a casos práticos de determinadas fórmulas ou algoritmos, por sofisticados que estes sejam.
Muito mais assim, claro, quando essa tal medição do "mérito" não consiste numa operação "algorítmico-dedutiva", mas numa prática, por assim dizer, "político-indutiva"...
Sinteticamente: Sócrates é engenheiro? Bom isso é evidentemente antes de mais um caso de polícia, pode haver ou não matéria para "dúvidas razoáveis", etc. Mas aí estamos perante um mérito sobretudo "dedutivo" (embora não completamente, claro, e ainda menos numa privada, mas deixemos agora isso de lado). Quanto ao aspecto político: tem ele o "mérito" necessário para ser não agora engenheiro, mas primeiro-ministro? Bom, reconheça-se que, se ele conseguir convencer-se e a um número suficientemente grande de pessoas disso mesmo, nesse sentido ele tem realmente esse mérito. Trata-se dum mérito político, logo indutivo... e também "performativo", como se diz, é claro.
Uma elite política só vai a um exame: o da factualidade, e da eficácia. Se ela conseguir convencer os outros de que "merece" ser elite, bom... nesse sentido merece realmente.
Não existe nenhuma "realidade dura" por detrás destas "aparências". A "realidade" resume-se mesmo a elas...
Mel Gibson, em Apocalipto, retrata-nos o modus operandi típico duma elite em tempos difíceis. A elite convence os demais do perigo enorme que a comunidade no seu conjunto corre, ou usa esse perigo na medida em que ele de facto existe, fazendo-o virar contra alvos precisos, "inimigos" externos ou internos, e faz do castigo ou supressão física destes "bodes expiatórios" um momento de limpeza, de catarse colectiva, através do qual a sociedade no seu conjunto recupera a confiança em si própria e se considera como tendo retomado o controlo sobre os seus medos - numa certa medida, independentemente de as ameaças (neste caso climátericas) terem sido superadas ou não.
É claro que a elite, procedendo "leo-straussianamente", não precisa ela própria de acreditar nesses mitos. Basta-lhe produzi-los, ou sobretudo geri-los em proveito próprio.
De certo modo, o mesmo vale para nós, a nossa "capacidade para permanecer no euro", a nossa "austeridade" e os nossos "sacrifícios", etc. Há altura em que, de facto, "plutôt ça change, plutôt c'est la même chose"...
Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=O_99mcINufQ
Artigo interessante aqui:
http://www.beyondchron.org/news/index.php?itemid=4074
Concordo consigo é sinistro o capitalismo que conhecemos e penso que está tão impregnado na alma das pessoas que quando de uma forma mais distanciada tentam olhar para ele acabam sempre por sentir uma certa complacência com o seu "modus operandi".
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