segunda-feira, 14 de março de 2011

A melhor das políticas possíveis

Referindo-se ao Sacro Império Romano-Germânico, dizia Voltaire que este não era “nem sagrado, nem romano, nem império”. Pois nós temos um Programa de Estabilidade e Crescimentoque não é de estabilidade, nem de crescimento, nem um programa.

Não é um programa porque não assenta numa visão estatégica para a economia portuguesa que articule meios e fins, de modo a atacar simultaneamente os vários défices que a caracterizam (de emprego, de competitividade, de justiça social, de financiamento externo). Em vez disso, corta-se a eito sem olhar às consequências e procura-se apagar fogos com gasolina, mostrando depois surpresa quando estes ganham redobrado vigor. Tudo de uma forma tão ad-hoc que imagino que já nem os seus próprios executantes acreditem na exequibilidade das metas que anunciam a cada passo.

Não é de estabilidade pois agudiza as tensões sociais e fomenta o medo e a insegurança na nossa sociedade. Facilita ainda mais o despedimento num país onde já reina a precariedade. Reduz os apoios sociais num país que já é dos mais desiguais da Europa. Liberaliza um segmento do mercado de arrendamento que é em grande medida ocupado por idosos de baixos rendimentos, colocando-os a um passo da indigência. Prepara o caminho para nova ronda de privatizações, submetendo mais e mais necessidades sociais à lógica do lucro e da capacidade para pagar.

E não é de crescimento nem em termos conjunturais, nem em termos estruturais. Conjunturalmente, aprofunda a contracção da procura interna num contexto em que não é possível contar com a procura externa (as exportações), privando a economia portuguesa de qualquer tipo de motor que permita aproveitar a capacidade produtiva existente (de onde os níveis de desemprego com que nos deparamos e continuaremos a deparar).

Estruturalmente, reforça ainda mais um modelo de organização produtiva terceiro-mundista, caracterizado pela precariedade (a que chamam flexibilidade), pelos baixos salários (a que chamam factor de competitividade) e pela desigualdade (apresentado como uma consequência natural do mérito e da ‘atitude’). Esquecem-se, claro, que não é a tentar bater a China no seu jogo que conseguiremos crescer ou, mais importante do que isso, construir uma sociedade em que valha a pena viver.

Um Programa de Estabilidade e Crescimento que não é nenhuma destas coisas, executado por um Partido Socialista que não só não é socialista, como nem sequer é social-democrata. Maravilhas do duplipensar à portuguesa. E apesar de tudo isto, não falta, tal como no Cândido, quem proclame que se trata da melhor política possível no melhor dos mundos possíveis.

12 comentários:

  1. O optimista acredita que tudo corre pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. O pessimista teme que seja esse o caso.

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  2. pronto 1984 e o cândido tudo num único post

    e nos comentários anexos


    nem o socialismo socrático
    foge muito do socialismo líbio ou estalinista

    enquanto há distribui-se
    quando deixa de haver liquida-se

    pode não ser a melhor

    havia outros sítios onde cortar

    mas as reformas são 9mil milhões

    e corta-se nos salários
    para pagar as reformas

    porque não nas reformas para continuar a pagar o funcionalismo?

    os comentadores da sic com 57 a 61

    definem-se todos como reformados é reformado a mais

    um procurador com 2 anos de serviço militar reformado aos 59 anos

    e agora com 80

    recebeu 21 anos de reforma

    ilíquidos cerca de 1 milhão de euros

    onde descontou ele durante os seus
    33 anos de serviço público tal montante?

    e se chegar aos 90 é mais meio milhão

    e aqui no burgo ministério público administradores e generais na reforma ou coronéis na reserva é o que mais há

    ou os concentraram aqui

    ou se a distribuição é nacional....

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  3. Caro Alexandre
    Post muito sugestivo, e para digerir devagar.
    Sim, uma das dimensões da situação actual é a "candidização", isto é, a tendência para representar como natural-inevitável aquilo que existe... e sim, até certo ponto como corolário da primeira tandência aparece também a segunda, a incapacidade até para pensar um qualquer "dever ser" distinto deste "ser" da realidade económica e social "fenoménica"... isto é, incapacidade para pensar para além do que está à vista, racionalização, transformação da aparente "necessidade" em virtude... e logo também necessariamente duplipensar.
    Conclusão algo paradoxal: convencidas da impossibilidade da "engenharia social" consciente, amedrontadas pelo papão dela, as sociedades procedem, de facto, a uma ou várias formas de "engenharia social" ainda bem mais radicais e violentas. A "guerra de todos contra todos" não é um "estado natural": é já um produto da vida sociedade. Rousseau, portanto, tinha nisso razão contra Hobbes.
    Quanto à China, bom, sinceramente, comparar os assuntos deles com os nossos nem sequer sugere um caso de tragédia e de farsa. Mais talvez de epopeia e de cançoneta pífia... Mas é um debate a ter à esquerda esse, sim. Conhece as teses do Arrighi? Já viu o site infra? Devo declarar, a si, pessoalmente, e também publicamente, que simpatizo muito mais com a posições dele do que com as do Harvey e do Andreas. Mas reconheço a importância de debater, claro: http://www.archive.org/details/2640Arrighi
    O Arrighi é daqueles casos em que se lamenta mesmo, mesmo muito - e por todos os motivos - o desaparecimento prematuro.
    All the best.

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