domingo, 20 de fevereiro de 2011

Eu disse?

Fiquei chocado ao ler na Pública de hoje um título assim: “Não gostam do mundo tal como é? Pois bem, a alternativa é a distopia totalitária, o comando da sociedade por um tirano, ou um computador, diz o economista José Castro Caldas”. Que horror. Eu disse isto?

Não, não disse. Felizmente ainda tenho o texto que mandei para o Público e que alguém que fabrica títulos, e eu não sei que é, resolveu manipular.

Já agora, aqui está o que realmente disse depois de ter visto o tal filme de um tal movimento Zeitgeist.

“Não sabia o que era o movimento Zeitgeist quando fui ver o filme de mais de duas horas e meia que está disponível numa página portuguesa desse movimento. Comecei de mente aberta, com interesse, depois passei à perplexidade. No fim estava indignado.
Em primeiro lugar o interesse: no prelúdio, uma história bem contada sobre o que se aprende jogando ao Monopólio em pequenino; depois, um conjunto de entrevistas a neurocientistas e biólogos com uma crítica dos determinismos genéticos, que me pareceu informada, e uma boa caracterização do ambiente físico e social na activação de disposições latentes e de mutações; por fim, uma abordagem já não tão informada, mas mesmo assim relativamente séria, da “economia mercantil monetarizada”, isto é, do capitalismo, acompanhada de uma caracterização das suas disfunções mais dramáticas na sua fase financiarizada. Nada de particularmente novo, mas mesmo assim, não é todos os dias que se ouvem estas coisas na TV.
Em segundo lugar, a perplexidade: chegados ao momento das alternativas, surge subitamente uma personagem alucinada que parece ser o guru do movimento, descrevendo o mundo “como deve ser”. Era um mundo com a “ciência” e “a tecnologia” no comando. Com recursos identificados à escala global e centros de produção optimamente localizados, com volumes de produção calculados a partir de necessidades humanas claramente quantificadas, com trabalho humano substituído por robots, tudo isto comandado por um supercomputador que realizava os cálculos que nenhuma mente humana isolada, ou conjunto de mentes humanas, é capaz de efectuar. Na escala micro, cidades (falanstérios) em que o lugar do Forum era ocupado de novo por um supercomputador que geria a colmeia.
Por fim a indignação: aqui está, com roupagens revolucionárias, uma encenação quase-perfeita da crítica ultra-liberal a tudo o que queira romper com o status quo. Não gostam do mundo tal como ele é? Pois bem, a alternativa é a distopia totalitária. O comando da sociedade por um tirano, ou um computador. Querem mudar as coisas nem que seja um pouco? Não vale a pena, qualquer passo é um avanço no plano inclinado que leva ao totalitarismo.
Se não é esta intenção do filme, não poderia parecer mais. Até pela estética que utiliza – saída de um estúdio de filmes publicitários – o filme parece ser um produto deliberadamente concebido para desacreditar a genuína crítica da “economia mercantil monetarizada” e desencorajar o esforço criativo de mudança. Zeitgeist? Que será isso? Continuo sem saber, mas a avaliar pelo filme parece-me gato por lebre.”

18 comentários:

  1. Infelizmente, uma das grandes dificuldades de muita gente é a interpretação do que lê... ou porque lê sem interesse, ou porque está limitado aos filtros com que absorve a realidade... ou porque, simplesmente, não sabe ler!!!

    ResponderEliminar
  2. Fantástico.
    Como se deturpam as coisas.
    Ignorância, Preguiça, Má-fé...
    Vergonhoso para um jornal que se autoinyiyula "de referência".

    ResponderEliminar
  3. A questäo é: já percebemos que com humanos näo vamos lá. Entäo que venha um super-computador a mandar.

    Se houve coisa que aprendi na 2.a cadeira do MBA foi a facilidade com que se produz uma matriz de optimizaçäo de recursos escassos com muitas variáveis. Esse JCC nem deve saber o que é.

    Até porque recursos existem para acabar com a fome e com as guerras. Näo é que ficássemos pior. O cientista do "Managing without Growth" postulou no fim da investigaçäo que poderíamos pör *toda a gente* do mundo a viver ao nível da OCDE em 2007, com o nível de tecnologia actual (i.e. se näo houver mais desenvolvimento tecnológico, que haverá sempre). Ora bem, se isto é distopia, prefiro-a à utopia neoliberal!!!

    Mas é assim: agora no mundo árabe os famintos revoltam-se contra os ditadores locais, até perceberem que quem os mantém na miséria säo os países ricos. E breve um dia virá em que deixam de exportar os produtos *alimentares* sem ser pelo preço justo. E aí os países ricos väo ter de mastigar telemóveis, que o que se produz aqui para comer... näo chega!

    ResponderEliminar
  4. O Público, evidentemente, referir-se-ia ao Jonathan Swift como um tipo que queria pôr os irlandeses a comer as crianças...
    A isto se chama, entre nós, "informação". A isto chegámos. E o pior é que esta malta acabou por se constituir em detentora de um quase-monopólio da produção do discurso...
    Para se garantir que a narrativa sai enviesada à "nossa" maneira não se hesita em empobrecê-la drasticamente. Da produção quotidiana da "falsa consciência" acaba por um resultar um grande "colateral": a verdade.
    Ou será que mesmo isto é susceptível de ser "torcido" e reabsorvido, sendo transformado, digamos, em... "verdade performativa"?

    ResponderEliminar
  5. Diria que ter ouvido todo o vídeo foi um sacrifício inútil. Não é bem assim. Devemos fazer estes sacrifícios para podermos intervir, porque cada vez mais estamos a ser manipulados habilmente por uma máquina "secreta".

    Neste caso, até conhecemos a origem desta coisa orwelliana. Noutros, com a net que é a mistura do ótimo (revolução no Egito) e do péssimo (conspirações, desinformação, etc) é mais difícil.

    Nos últimos dias, tenho recebido uma mensagem ma apelar a uma petição "vamos demitir os políticos". Cai fundo na zanga e na revolta das pessoas. Mas foi assim que Hitler e Mussolini ganharam o poder em eleições democráticas. "Vamos demitir os políticos" é coisa de que podemos compreender as razões mas de que temos que dizer isto é fascista!

    ResponderEliminar
  6. Portanto não se demite os politicos com o receio de vir um novo ditador,mas entretanto vamos ao fundo com a corrupção e incompetencia,é isso??
    Viva a demo..perdão.Viva a liber..perdão.Viva a hipocresia!

    ResponderEliminar
  7. Já que se falou nisso:

    http://portugal-verdades-e-consequencias.blogspot.com/

    ResponderEliminar
  8. Entäo näo é que eu escrevi "JCC" em vez de "jornalista da Pública"?
    Com mil raios. Ó JCC, desculpa lá o enconträo, foi sem intençäo!

    ResponderEliminar
  9. Há muitos jornalistas que não sabem (ou não querem?) distinguir entre discurso directo e discurso indirecto. Ficam-me duas perguntas: então os jornalistas não têm um Código Deontológico? E o Público não tem um Livro de Estilo?

    ResponderEliminar
  10. Também já vi o filme e tirei dele uma conclusão muito diferente!
    Penso que fala de iliminar o factor monetario - valor - custo - da sociedade. Claro que para um economista é inconcebível. Ao libertarmos as pessoas de um custo seja para comer, viajar, etc elas ficam livres para usar o seu tempo como bem entenderem. Isto parece-me claro! Acabar com a exploração do homem pelo homem. Acabar com as actividades que nada produzem e lkibertar-nos da teia das teorias e burocracias. As máquinas (como já vem sendo feito) podem e devem libertar-nos dos trabalhos pesados e repetitivos. Não consigo ver nada de errado nisto.

    ResponderEliminar
  11. Atenção que para perceber melhor este terceiro filme, é fundamental que se vejam os 2 primeiros que estão disponíveis no site do movimento.

    ResponderEliminar
  12. Sinceras críticas porém pouco fundamentadas.. Agradecia que se aprofundá-se os conhecimentos que suportam uma economia baseada em recursos. Para podermos partir daí numa saudável e empírica discussão.

    Os Media servem para se auto perpetuarem. Como diz o ditado "Muita parra, pouca uva".

    Sinceros cumprimentos

    Francisco Guerreiro

    ResponderEliminar
  13. Estimado Castro Caldas,

    Como bem supra foi mencionado, este filme faz parte de toda uma sequela de consciencialização e investigação que neste terceiro, espelha muito bem, o resultado de anos de pesquisa científica, metódica sobre questões técnicas e sociais. Não sobre questões políticas.

    Zeitgeist significa espírito da era. O Movimento Zeitgeist não é um movimento político, nem tão-pouco reconhece nações, governos, raças, religiões, credos, classes ou qualquer tipo de estratificação. Estas distinções são incoerentes e obsoletas, estando longe de serem factores positivos para o verdadeiro desenvolvimento e potencial humano. As suas bases assentam na divisão de poder e na estratificação, não na igualdade ou na união, que são, acima de tudo, os nossos objectivos. Se é importante perceber que tudo na vida é o resultado de um progresso natural, devemos também reconhecer que a espécie humana tem a capacidade de reduzir drasticamente ou paralisar este progresso, através de estruturas sociais obsoletas, dogmáticas e, consequentemente, desalinhadas da própria natureza. O mundo a que assistimos hoje, repleto de guerra, corrupção, elitismo, poluição, pobreza, doenças epidémicas, abusos dos direitos humanos, desigualdade e crime é o resultado dessa mesma paralisia social.

    Do que se trata no Movimento Zeitgeist é de uma revolução na consciência individual que permita o ser humano se libertar dos actuais paradigmas sociais que condicionam a sua acção.

    Gostaria de lhe poder passar a informação toda, afim de após espírito critico pudesse dar uma opinião ou parecer mais fundamentado.

    Por isso lhe solicito se me pode facultar o seu endereço de e-mail.

    ResponderEliminar
  14. Fiquei chocado ao ler na Pública de hoje um título assim: “Não gostam do mundo tal como é? Pois bem, a alternativa é a distopia totalitária, o comando da sociedade por um tirano, ou um computador, diz o economista José Castro Caldas”. Que horror. Eu disse isto?

    Não, não disse.
    [...]

    "[...]
    Por fim a indignação: aqui está, com roupagens revolucionárias, uma encenação quase-perfeita da crítica ultra-liberal a tudo o que queira romper com o status quo. Não gostam do mundo tal como ele é? Pois bem, a alternativa é a distopia totalitária. O comando da sociedade por um tirano, ou um computador. [...]”

    ???

    Ok, na edição mudou um ponto por uma vírgula. O sentido continua a ser algo que me pareça uma conclusão precipitada. Como está em Coimbra tal como eu, gostaria de falar consigo sobre a realidade económica e o zeitgeist.

    Obrigado por ver o filme. Estamos também nós em Portugal a investigar para produzir um filme português/europeu


    Cumprimentos

    Rogério

    ResponderEliminar
  15. Se não for pedir muito, gostaria de saber quais as soluções que o José Castro Caldas recomenda para resolver os problemas descritos nos primeiro e segundo capitulos do filme.

    Obrigado

    ResponderEliminar
  16. Please inform me it labored right? I dont want to sumit it once more if i should not have to! Either the weblog glitced out or i am an idiot, the second option doesnt shock me lol. thanks for an amazing blog! Anyway, in my language, there are usually not a lot good supply like this.

    ResponderEliminar
  17. Possivelmente os produtores do documentário que se critica devolverão a pergunta: Nós dissemos? O fato é que a nossa visão de mundo limitada pela nossa ciência não aprecia novos horizontes e possibilidades e tendem a ridicularizar sonhos e utopias. Se são loucos por imaginar uma sociedade fantástica, somos também nós pela revolta estéril, e revolução inerte e práxis morta. Eu prefiro as possibilidades e aplaudo qualquer ensaio que especule sobre elas, ainda que de maneira ridícula. De qualquer maneira não são mais 'risíveis' do que a nossa racionalidade.

    ResponderEliminar