terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
As Entorses do Pensamento
Os números da Execução Orçamental estão a originar um concurso de contorcionismo entre o Governo e a Direita. É bastante comum que toda a gente pegue pelo lado que mais lhe agrada e isso faz parte da política.
Acontece que os números de Janeiro deste ano se prestam particularmente a excessos de interpretação, sobretudo no que diz respeito à Receita. Sendo números relativos ao primeiro mês de um ano em que entram em vigor várias alterações fiscais por comparação com um ano que teve alterações fiscais a meio. Assim, há que ter em conta que:
1. Os dados de Janeiro de 2011 comparam com Janeiro de 2010, o que significa que expressam as alterações fiscais do OE2011 (IVA) e ainda as do PEC (IRS, IRC e mais IVA). Assim sendo, as variações homólogas de Janeiro nunca seriam uma boa medida do ajustamento no final do ano, já que o segundo trimestre comparará com meses em que já vigorava o PEC II.
2. O aumento da receita fiscal de 350 inclui 50 que dizem respeito à amnistia fiscal para repatriamento de capitais (a segunda deste Governo, que quer mostrar que quem deve, não tem nada a temer);
3. Os resultados são ainda influenciados de forma anormal pela entrada em Janeiro de receitas tributárias relativas a dividendos distribuídos que foram antecipados para o final de 2010, para evitar as novas regras de tributação.
4. Assim, os resultados da receita são marcados fundamentalmente por um aumento extraordinário de 125 milhões do IRC (amnistia e dividendos), 76 milhões de IRS (reflexo do aumento do IRS do PEC) e 60 milhões do IVA (+3p.p. do que em Janeiro do ano passado).
O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, provavelmente por ser incapaz de fazer as figuras que faz o nosso Primeiro-Ministro, lá reconheceu que este arranque se diluirá ao longo do exercício. Com efeito, o que uma análise mais cuidada dos dados mostra é que não é possível extrapolar estes números para o conjunto do exercício. Nem na sua dimensão, nem no contributo relativo das várias componentes.
Há uma coisa, no entanto, que é muito evidente. Com o país novamente em recessão e com a diminuição drástica dos impostos que irão ser pagos pela banca, quem vai suportar o ajustamento orçamental são aqueles sobre quem irá incidir o aumento do IVA e do IRS e os cortes salariais e das prestações sociais, que são as duas variáveis que contribuíram para a contenção da despesa.
O que Sócrates considera muito positivo é um processo de expropriação dos expropriados do costume, num contexto que voltou a ser de recessão económica.
Querem pior?
A resposta da Direita é que o problema é o ajustamento ser feito do lado da receita. Só é pena não completar o raciocínio. Se não é pelo lado da Receita, é por onde? É que o desajustamento orçamental foi pelo lado da Receita, como se pode ver pelos dados das Contas Gerais do Estado (2008-2009):
O que a Direita propõe é que um desajustamento orçamental, criado pela quebra de receita decorrente da crise económica, seja corrigido através da despesa. Certamente que muito haverá a cortar em desperdícios mas, entendamo-nos bem, um ajustamento orçamental desta magnitude, ou se faz com crescimento e uma reforma fiscal corajosa, ou se faz com cortes nos serviços públicos, investimento público e prestações sociais e mais impostos para os mesmos. O Governo e o PSD fizeram as suas escolhas. Infelizmente, são demasiado parecidas.
O fim da macacada:
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