Oiço muitas vozes a dizer: “não sei se vai ser possível fazer este ‘ajustamento’ em democracia”. Às vezes fico na dúvida se isto exprime uma sincera preocupação com a sustentabilidade da democracia, ou um apelo à suspensão da democracia.
Daqui para a frente vamos assistir (e participar) em muitas formas de protesto. Além das manifestações de indignação justas e necessárias, veremos também protestos cuja legitimidade é duvidosa e mesmo acções de destruição gratuitas que não gostaríamos de ver. O desespero é mau conselheiro. E veremos essas formas desesperadas de expressão da raiva, ou mesmo de aproveitamento das circunstâncias, suscitarem a ira pública e serem usadas por quem quer efectivamente suspender a democracia “um bocadinho”.
Se tudo correr mal haverá, como sempre, quem se ponha na berma do passeio a aplaudir os tanques que prometem ordem. Eu não estarei nessa triste parada da vitória e lamentaria ver nela alguns democratas.
Acima de tudo gostava de estar enganado. Gostaria de acreditar que as tristes paradas não são possíveis na Europa “civilizada”. Mas pelo sim pelo não sinto que devo contribuir, nos estreitos limites das minhas possibilidades, para evitar o pior e teria vergonha de ficar calado. O que aconteceu em Espanha foi um pré-aviso. É só isto e não me parece complicado.
Partindo do princípio de que se as corporações foram capazes de se instalar tão confortavelmente, também não lhes será difícil arregimentar meios e aliados para caso "necessário", suspender um bocadinho a democracia. É só o tempo estrito aos reajustes do palanque.Claro que o alarme, passe a ironia, é pertinente, pois é nos incautos e crédulos que os astutos fazem a sementeira. Por mim espero ter o descernimento suficiente para não estar na parada, antes na barricada.
ResponderEliminarA democracia que conhecemos não está a dar a todos nós uma voz isso é uma realidade. Quem pensar que a ditadura faz falta ou é necessária em determinadas alturas apenas está a querer tirar partido próprio da situação.
ResponderEliminar"O que aconteceu em Espanha foi um pré-aviso"
ResponderEliminarNote-se que, muito significativamente,para si é o austeritarismo (vd post anterior) que alavanca o autoritarismo e põe em perigo a democracia.
Para além de não lhe merecer qualquer reparo o facto dos 442 controladores aéreos terem justificado ausência ao serviço invocando doença (a conivência médica, nestes casos, não é apanágio de médicos portugueses) ficamos sem saber o que faria se a decisão para a resolução do problema lhe pertencesse.
Mas não é difícil deduzir: aceitaria as condições impostas pelos 442 atacados simultâneamente por doença súbita.
E apresentava a factura a Ângela Merkel.
Ou não?
Este comentário vai entrar também no "post" anterior. É verdade que os controladores aéreos são privilegiados. É verdade que não tiveram a decência de fazer greve como se deve, com perda dos dias de ordenado. É verdade que prejudicaram outros trabalhadores.
ResponderEliminarFaz-me lembrar que, no nosso período revolucionário, houve greves “politicamente incorretas”, a que me opus, de setores favorecidos, como os metalúrgicos da Lisnave ou os trabalhadores da TAP.
Mas o que está aqui patente, nesta grande lista de comentários, é aquilo que ainda não permite que esta situação, objetivamente tão favorável, se transforme numa situação subjetivamente revolucionária. O nosso problema, gramsciano, é que a situação político-económica estabelecida tem hegemonia, como se vê claramente por estes comentários. Tem, à Gramsci, a hegemonia da ideologia.
Claro que a greve espanhola tem grandes aspetos negativos. Mas eles podem fazer esquecer que, no momento crucial, é essencial ver-se quem está num lado e no outro da barreira? Claro que a greve de trabalhadores privilegiados prejudicou outros trabalhadores. Mas alguma vez uma greve a sério não o fez? Há comentadores que parecem estar contra o esbulhamento dos nossos povos mas terem como alvo outros trabalhadores, mesmno que privilegiados, em vez dos predadores que os estão a atirar uns contra os outros.
Estamos a viver um tempo de rotura e há que escolher claramente a posição, não se pode ter um pé num lado e o outro pé do lado de lá. Eu creio que 2011 vai ser um novo 1848 na Europa. Preparem-se para decidirem onde ficarão, na “barricada”. Conversas como as que ouvi no dia 24, “eu apoio a greve mas não a faço porque é contribuir para o agravamento da crise” até as entendo, mas se não as desmontarmos - outra vez Gramsci - não vamos lá.
JVC,
ResponderEliminarDiga-me, por favor:
Se tivesse que decidir neste confronto, se estivesse no lugar de Zapatero, o que faria?
Cederia aos controladores?
Esta é a questão que ninguém aborda.
Porquê?
Porque não sabem?
Rui Fonseca, não é querer fugir com o rabo à seringa, mas não me parece ser esse o ponto central. Admito bem que, se fosse governante, teria de lidar com autoridade com uma greve selvagem, a perturbar gravemente a vida do país.
ResponderEliminarNão foi contra isso que escrevi, foi contra a evidência, na esmagadora maioria dos comentários, da capacidade da ideologia dominante de virar trabalhadores contra trabalhadores. claro que há trabalhadores de muitos e extremados níveis de vida e privilégios, mas esta diferença não se compara com a diferença de todos eles com os tubarões da finança.
Veja o exemplo que dei, das greves da Lisnave ou da TAP, em 75. Eu teria lutado democraticamente contra elas, nos plenários, e veementemente. Mas não a teria furado nem insultado quem a fez. Muito menos por me terem perturbado a delícia burguesa de um voo de fim de semana de férias.