1. As opções de fundo do OE 2011 são economicamente erradas e socialmente desastrosas. Proceder a um esforço de consolidação orçamental num momento em que a economia está a sofrer os efeitos da crise financeira internacional vai contra os princípios básicos da macroeconomia e é uma receita certa para a crise social. Face às crescentes dificuldades de financiamento internacional e face inacção da UE, o governo português não tinha grande opção senão enveredar por esse caminho. A UE tem instrumentos para evitar esta chantagem e não o faz por uma opção política daqueles que a dirigem. Estes estão a aproveitar o clima de medo e de incerteza para impôr uma austeridade que vai conduzir à perda de salários e de direitos, e à aceleração da destruição do Estado Social em toda a Europa. Quanto a isto, só ao nível da UE é possível resistir a esta trajectória, que se vai traduzir em maior desemprego, pobreza, desigualdade e desperdício de recursos.
2. Face às pressões externas e à opção da UE pela inacção, o espaço que resta aos governos das economia mais frágeis é exíguo. Recusar as regras do jogo que são impostas a partir de fora, neste momento, traria ainda mais custos económicos e sociais. Jogar segundo essas regras implica proceder a um esforço de consolidação orçamental brutal, procurando maximizar as receitas e minimizar as despesas num curso espaço de tempo. Dicilmente isto poderia ser feito sem cometer injustiças gritantes, por uma razão: a pressão orçamental tem sido uma constante em Portugal na última década e não foi feito um esforço significativo para diversificar as fontes de receita e as formas de poupança de despesa. Logo, se é preciso reduzir fortemente o défice num curto espaço de tempo, as soluções só podem ser ir poupar onde é mais fácil poupar (i.e., reduzir salários e diminuir direitos sociais) e aumentar receitas nas fontes que estão mais à mão (IVA e IRS). Ou seja, essencialmente, vão pagar os do costume.
3. Não obstante os constrangimentos externos, o governo português poderia aproveitar o momento para contribuir para uma redução da iniquidade do sistema fiscal em Portugal – e não o fez. Portugal é um dos países mais desiguais do mundo desenvolvido e um dos motivos para tal é a reduzida tributação dos rendimentos elevados e da riqueza. A tributação do património imobiliária é escassa, boa parte dos rendimentos individuais não é tributada, não existem impostos sobre as grandes fortunas e o imposto sucessório foi abolido – pelo que sabemos, a proposta de OE para 2011 pouco ou nada faz nestes domínios. É verdade que o governo propõe cortes substanciais nas deduções em sede de IRS e limites estritos aos benefícios fiscais (PPRs, seguros de saúde, etc.) – fontes de perda de receita que tendem a beneficiar quem tem maiores rendimentos. Mas a solução conseguida não vai muito longe: na verdade, de acordo com a simulações publicadas na imprensa, a quebra do rendimento depois de imposto é, em termos percentuais, frequentemente superior para os escalões de rendimento mais baixos. Nem aqui a injustiça está a ser corrigida.
4. Pelo que se sabe, o OE 2011 introduz algumas medidas que atenuam a evasão fiscal das empresas – estes avanços têm de ser consolidados e reforçados. Há muito que se sabe que a generalidade das empresas paga muito menos impostos do que deveria, ou não paga de todo. A proposta de OE 2011 parece conter alguns avanços a este nível, por exemplo: limitação do uso dos benefícios fiscais para as empresas; o fim da isenção total dos lucros das SGPS (as 'cabeças' dos grupos económicos); a maior tributação das mais-valias associadas a vendas de participações sociais; um maior controlo da declaração de prejuízos fiscais (os quais permitem às empresas que declaram prejuízos num ano diminuir os impostos que têm de pagar caso obtenham lucros nos anos seguintes); ou o fim do sigilo bancário a quem tem dívidas ao fisco ou à Segurança Social. Mas fica ainda muito por fazer a este nível, por exemplo: os limites ao benefícios fiscais não se aplicam a alguns dos benefícios mais relevantes em termos de receita (e.g., benefícios ao investimento de natureza contratual) e o Tribunal de Contas tem apontado a falta de critérios claros de aferição das vantagens associadas a esta perda de receitas (foram cerca de 600 milhões de euros de benefícios concedidos entre 1999 e 2008); a proposta de OE 2011 não parece dar o passo decisivo na adopção de métodos indiciários, apontados pelos fiscalistas desde há muito como a única solução para a evasão fiscal generalizada por parte das empresas; a evasão fiscal via paraísos fiscais (offshore da Madeira incluído) continuará a ser prática corrente; o princípio do sigilo fiscal continuará a ser a regra, a não ser para as empresas menos hábeis ou mais azaradas.
Em suma, se é verdade que a opção pela austeridade, pelo desperdício de recursos e pela crise social – que constituem a essência da proposta do OE para 2011 – surgem como inevitáveis neste momento, mais uma vez o governo não parece empenhado em aproveitar a oportunidade para proceder à necessária correcção das injustiças decorrentes do sistema fiscal de classe que é descrito por este artigo do Público. Como se afirma nesse artigo, um combate sério à evasão fiscal no passado teria evitado este PEC III. Tomar tais medidas agora provavelmente não evitaria a necessidade de aumentar o IVA, de conter salários ou de reduzir contribuições sociais. Mas daria um sinal de empenho na construção de uma sociedade mais decente. Tudo aponta para que esta seja mais uma oportunidade perdida.
"...o governo português não tinha grande opção senão enveredar por esse caminho...". Outro governo, não tinha? Claro que este não tinha... nem queria, ou queria? "...só ao nível da UE é possível resistir a esta trajectória...". Só? Então a Greve Geral de 24 de Nov. é uma perda de tempo, não? E as lutas de França, da Grécia, etc. igualmente? Talvez só uma greve geral conjunta europeia é que valerá qq. coisinha? Ou nem isso? Quer dizer que até que UE tenha a revelação da mudança - "Recusar as regras do jogo que são impostas a partir de fora, neste momento, traria ainda mais custos económicos e sociais."? É assim sem mais considerações? Gostaria que o autor explicasse esta.
ResponderEliminar"Em suma, se é verdade que a opção pela austeridade, pelo desperdício de recursos e pela crise social – que constituem a essência da proposta do OE para 2011 – surgem como inevitáveis neste momento...". Como assim, terei lido bem? Será que um governo decente, este não, claro, não poderia hoje fazer mais nada, nadinha, senão apenas não “perder a oportunidade”… de não ser tão neo-liberal?
Ou eu já estou maluco ou limitar-se a estas "ideias”, num momento em que o governo ataca desbragadamente a esmagadora maioria só para servir os mais poderosos e essa maioria ainda anda toda acagaçada, é mesmo gostar de dar tiros no pé. Ou não?