quarta-feira, 12 de maio de 2010

Os especuladores são europeístas?

A UE aprovou medidas históricas, medidas que vão no sentido de ‘mais Europa’ e que há muito eram defendidas neste blogue. Mas fê-lo a muito custo, perante a iminência do colapso do euro. Parece poder conclui-se que só nestas condições é que o projecto europeu avança.

Ficou também decidido um controlo mais rigoroso dos PEC, em particular antecipando e agravando as medidas mais recessivas nos países com maiores dificuldades financeiras. O resultado global será o mergulho da Eurozona em nova e mais profunda recessão. E como nenhum dos seus membros pode conduzir sozinho o relançamento da sua economia, o que é que nos espera?

Por agora vejo três cenários:

a) Mantermo-nos na moeda única custe o que custar, com uma distribuição dos custos que penalize o menos possível os grupos sociais de mais baixos rendimentos, sabendo que o processo de “consolidação” orçamental em curso à escala europeia vai agravar a crise e repercutir-se sobre a própria Alemanha. A ideia seria ganhar tempo até que a Alemanha mude de orientação política, por pressão interna e externa (ver aqui), já que os seus cortes orçamentais vão reduzir ainda mais a sua procura interna e, por outro lado, não vai poder manter o nível anterior das suas exportações para a ‘Europa deficitária’, ou mesmo para outros países como os EUA (ver aqui). Mas será que a Alemanha muda mesmo? Não haverá que considerar a inércia da sua “cultura” anti-défice que, para a generalidade dos alemães, está associada ao medo de uma “hiperinflação” (cultura do Bundesbank transposta para o BCE )?

b) Abandonarmos a moeda única, o que permitiria recuperar a margem de manobra da política económica pela desvalorização drástica da taxa de câmbio com reestruturação da dívida pública. É um cenário com prós e contras, a estudar melhor à luz do que aconteceu na Argentina (ver esta opinião). Em todo o caso, estou convencido que a Grécia vai acabar por abandonar, mais ano menos ano, porque a recessão em que vai mergulhar não permite gerar a receita fiscal necessária para pagar o imenso volume da sua dívida que os juros a 5% só agravam (‘efeito bola de neve’). A Irlanda e a Letónia já estarão na descida para o abismo: ‘cortes na despesa – mais recessão – mais cortes na despesa/subida de impostos – mais recessão’ (ver aqui). Com algum desfasamento temporal, Portugal e a Espanha far-lhes-ão companhia (ver aqui). E quando será a vez da Itália? Será isso mesmo que muitos alemães pretendem, uma reconfiguração da Eurozona?

c) Provocar um efeito de choque sobre a opinião pública alemã e a sua liderança política. Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda (com o apoio tácito da França), têm uma alternativa. Negociar em segredo uma posição colectiva e, daqui a uns meses, confrontar colectivamente Angela Merkel (entretanto enfraquecida politicamente) com a seguinte escolha: (1) regresso ao projecto, prematuramente abandonado, de relançamento coordenado do crescimento europeu pelo investimento público e por medidas de apoio social (a financiar pela 'economia da droga', pelo sector financeiro e por uma taxa sobre as suas transacções especulativas, por tributação altamente progressiva e, como agora se decidiu, por monetarização da dívida pelo BCE); reforço substancial do orçamento comunitário e revisão do Tratado de Lisboa para expurgar a ‘constituição económica’ da sua implícita ideologia monetarista, ou ... (2) saída simultânea dos quatro países com reposição das respectivas moedas, acompanhada de reestruturação unilateral das respectivas dívidas, nacionalização da banca, controlo rigoroso dos movimentos de capitais de curto prazo … e, em consequência, falência dos bancos que detêm dívida destes países, com destaque para os bancos alemães (ver figura).

A minha preferência vai para o cenário (c) que já aqui defendi há muito tempo. Na impossibilidade política desta ‘prova de força’ concertada, começo a ponderar seriamente se, quando confrontado com o cenário (a), o cenário (b) não acabará por criar, no médio/longo prazo, condições mais favoráveis ao desenvolvimento do nosso país (uma saída do euro ‘à Argentina’). Bem fazem os Polacos ao adiarem a entrada no euro.

Persistindo a Alemanha na sua estratégia de ‘política da oferta’ (“reforma do mercado do trabalho”, “revisão das funções do Estado”, “mais rigor nos critérios de Maastricht”) para enfrentar uma ‘crise de procura’, não percebendo que as empresas só produzem se tiverem expectativas de que podem vender, os empréstimos de emergência que vários países (além da Grécia) vão ter de pedir não poderão ser reembolsados. A estagnação geral na Europa, ou mesmo a sua recaída na recessão, vai começar a tornar-se insustentável (ver aqui). Como vão todos crescer pelas exportações? (ver aqui) Estará a Alemanha à espera que os EUA e os “países emergentes” nos tirem da crise?

Na ausência de uma viragem completa na política da eurozona (como se explica aqui), os especuladores vão continuar o seu trabalho (ver aqui), só que agora será com o euro e já não com as obrigações de pequenos países.

Antes que seja tarde, a UE tem de pensar o impensável: a subordinação da finança ao poder político e, rapidamente, dar mais passos em direcção ao federalismo. Menos do que isto não chega.

12 comentários:

  1. Penso que o último paragrafo diz tudo, e se não for por aí....estamos mesmo muito mal....


    A.Küttner

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  2. http://www.youtube.com/watch?v=4RMOSaG6020

    http://www.youtube.com/watch?v=WOzV3b5MuLQ

    http://www.youtube.com/watch?v=IfG5U6iRrT8

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  3. Caro J. Bateira
    Poderia, por favor, explicar tão detalhadamente quanto possível o papel da 'economia da droga' no "relançamento coordenado do crescimento europeu pelo investimento público e por medidas de apoio social"? Muito Obrigado!
    Francisco

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  4. Caro Anónimo (das 23:15)

    Quando menciono a "economia da droga" quero referir-me ao facto de grande parte dos capitais que circulam no sistema financeiro de/para os 'paraísos fiscais' ter orígem no tráfico de droga, armas e outras actividades criminosas organizadas em redes internacionais.

    Obrigado pela participacão.

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  5. Uma pequena achega ao cenário c): e se os quatro países criassem a sua própria moeda comum, para ficarem um pouco menos vulneráveis a ataques especulativos?

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  6. Acho comovente ver os países que não cumprem acordos - nalguns casos deliberada e premeditadamente, não são sérios nem honestos e não sabem gerar riqueza querer ensinar à Alemanha como é que eles devem fazer as coisas...

    E culminaria tudo em beleza com esse "ultimato" tipo chantagem, da 3ª hipótese referida. Arrependidos do Euro - ou pelo menos da maneira como tudo foi feito - devem estar já os Alemães há muito. Acendam o rastilho mas depois não nos queixemos dos estilhaços...

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  7. Os "países", Pedro M? Quer dizer "os governos", não é. Porque aos países, se bem me recordo, foi sonegada voz na matéria - e isto porque os governos sabiam muito bem que se deixassem os cidadãos decidir, eles decidiriam contra.

    Os governos podem sentir-se vinculados ao viés monetarista do Tratado de Lisboa; os países, não. Quem assinou os contratos que os cumpra, se puder; mas não vai poder, porque quem foi impedido de os sufragar vai acabar por forçar a sua derrogação. Seja pela via da denúncia unilateral, seja por qualquer outra.

    Outra coisa: a riqueza não se cria nem se gera: produz-se. E quem a sabe produzir não são os "países": são as pessoas, se quiserem e puderem. E é evidente que a costureira a quem roubam a máquina de costura, ou que é obrigada a vendê-la para pagar ao merceeiro, não vai poder produzir riqueza nenhuma.

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  8. O cenário b) é catastrófico para os páises que saiam e para o sistema bancário europeu (e internacional) no seu conjunto (En passant, num blog que tanto tem criticado as agências de rating e os especuladores é estranho ler "estou convencido que a Grécia vai acabar por abandonar [o euro], mais ano menos ano, porque a recessão em que vai mergulhar não permite gerar a receita fiscal necessária").

    A hipótese c) se levada a brincar é hilariante ou se levada a sério explosiva e irresponsável. Mesmo admitindo que Irlanda e Espanha (com os gregos nunca se sabe) alinharima nessa "chantagem": i) a amaeaça não seria credível pois significaria a bancarrota dos 4 e ii) mesmo que o fosse seria absolutamente inaceitável para a Alemanha (e os outros países) não só pelo receio (justificado) da hiperinflação mas, também e sobretudo, pelo significado político. Já se fizeram guerras por muito menos.

    Resta-nos, feliz ou infelizmente, o cenário a). Sendo que não se pode esperar que a Alemanha mude muito. Primeiro porque não se altera a estrutura de uma economia de um dia para o outro, sugundo porque a margem de manobra da própria Alemanha é relativamente reduzida. Consequências: provavelmente um cenário de estagdeflação (crescimento muito lento e inflação baixa ou negativa) à japonesa ou de estagflação (crescimento lento e subida da inflação). Entre estes dois cenários prefiro o segundo que representaria um reeditar das condições da década de 70, mas na verdade vai depender das opções do BCE e da conjuntura internacional (e.g., sobretudo do que vierem a ser as escolhas dos EUA e China).

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  9. Caro J P Santos

    Ao que parece, a Argentina está agora a crescer a uma taxa de 7 ou 8%. Claro que para chegar aqui passou um mau bocado. Mas agora compare com a alternativa de estagflação por tempo indeterminado.
    Em todo o caso, sem crescimento não se paga a dívida. Acredita que a Grécia, Espanha e Portugal vão cortar os salários nominais do sector público e privado (em muitos por cento) como propõe Vítor Bento? Imagina o que isso significa, social e politicamente?

    Suspeito que nem nós nem as cimeiras da UE vão tomar as decisões que dariam futuro ao actual euro. Os mercados financeiros vão tomá-las por nós. É uma questão de tempo.

    Sobre a 'chantagem' do cenário c), ela já começou, e a França foi porta-voz. Lei aqui: http://www.liberation.fr/economie/0101635443-sarkozy-aurait-menace-de-quitter-l-euro-pour-sauver-la-grece

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  10. JP Santos, a utilidade da bomba atómica está em nunca ser usada.

    Talvez o cenário c) seja, como a Guerra Fria, um caso de destruição mútua assegurada. A ser assim, não se tratará dum equilíbrio ideal nem confortável, mas será ainda assim o equilíbrio possível - muito preferível a uma situação em que uma das partes se julgue capaz de aniquilar impunemente as outras.

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  11. Caro Jorge Bateira,

    Os custos economicos e sociais da crise Argentina foram devastadores com niveis de desemprego de cerca de 30%, niveis de pobreza elevadissimos e quase destruiçao da classe média. Creia-me aue nao é um cenario agradavel.
    Mas alem disso, quando referi o cenario de estagflacao, estava a referir-me a um cenario mais global - para a zona euro - para a qual nao e possivel uma estrategia à Argentina de crescimento baseado nas exportaçoes.

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  12. a) A unica forma de segurar a moeda unica é não ajudar os PIIGS, deixálos declarar bancarrota ou sairem do euro e monetizarem os defices, entrarem em inflação e esmagarem os salarios reais. Depois do acordo de dia 9 a sobrevivencia do euro é impossivel, uma vez que as crises orçamentais vão alastrar a mais paises, e como não faz sentido apenas a frança e a alemanhã permanecerem no euro, o euro acabará.

    b)a hipotese B é o que se vai verificar depois do acordo de dia 9.

    c)esta hipotese é um conjunto de disparates, não só porque a ameaça não é credivel, como já foi mencionado, mas tambem porque sai mais barato para alemanha ajudar os seus bancos do que ajudar os outros paises a não entrar em default. Para mais, como já foi dito, já se fizeram guerras por menos.

    Enfim, a crise actual resulta de uma europa cada vez menos competitiva, que consome cada vez mais e produz cada vez menos. Esta situação é insustentavel, as economias não crescem com base no consumo, as economias apenas crescem com o aumento da produção. O aumento do consumo sustendado na erradicação da poupança e no recurso à divida externa apenas provoca expansões no curto prazo que levam as pessoas a habituram-se a niveis de consumo que não sustentaveis.

    É justo criticar a alemanhã por procurar aumentar a produtividade apenas por via da contenção salarial e não por via das qualificações das pessoas e do investimento em tecnologia. Mas é muito mais criticavel a atitude dos governos dos PIIGS, que não se preocupam a produtividade, ponto. Nem pela contenção salarial, nem pelo aumento das qualificações. Simplesmente estão-se nas tintas, e os resultados estão á vista.

    Por ultimo, vejo criticar as medidas de austeridade por serem recessivas, e o pacote do FMI na grecia por levar a uma quebra no PIB de quase 10%. Mas será que estas pessoas que se dizem economistas não percebem que o crescimento do PIB nos PIIGS das ultimas decadas deve-se apenas à expansão insustentavel do consumo! É apenas natural que os PIIGS, ao voltarem a consumir de acordo com as possibilidades, sofram uma forte recessão. É uma recessão inevitavel.

    Pai Natal (ex - João)

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