quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Um combate decisivo (II)
Enquanto PR, Cavaco também nunca hesitou em agir de acordo com as suas convicções. Com uma visão conservadora nos costumes, que assume com louvável clareza, nunca hesitou em usar os seus poderes para travar legislação com que não concordava. Pelo contrário, o seu centrismo em matéria socioeconómica levou a que não tenha travado nenhuma legislação relevante do governo (centrista) nesta área. Foi nas questões institucionais, tal como na dos costumes, que mais exercitou o seu poder de contrapeso, por vezes contra o seu próprio partido e o Parlamento. Dele podemos esperar conservadorismo na área dos costumes, centrismo nas políticas socioeconómicas e rigor no respeito pela arquitectura constitucional. Pelo contrário, de Alegre sabemos que é expectável esperar mais liberalismo nos costumes e mais valores socialistas na arena socioeconómica. No campo institucional, é legítimo esperar de Alegre um respeito estrito pelo pluralismo em cada campo ideológico e uma certa simpatia por maior liberdade dos eleitores na escolha dos deputados. Logo, os simpatizantes dos pequenos partidos podem “dormir descansados”…. Não sabemos bem o que pensa Cavaco neste domínio, de qualquer modo foi quando era premier que o CDS foi reduzido ao “partido do táxi” e foi proposta uma reforma eleitoral apelidada de “ignóbil porcaria” (por esmagar o CDS). Seja como for, a confirmarem-se estes candidatos, teremos clareza nas alternativas: um estímulo à participação e à competitividade.
Por um lado, dificilmente haverá candidatos vencedores sem apoio partidário forte. Aqui Cavaco parte em vantagem: terá a direita unida em seu redor. No caso de Alegre, está aqui aquele que poderá ser um dos seus calcanhares de Aquiles: se, por absurdo, o PS não o apoiasse; ou se, mais plausível, persistirem vozes contra no PS. Seria suicidário para todos: é expectável que os adeptos da governação musculada e do centrismo ideológico se remetam ao mutismo uma vez aprovado o apoio. Mas, por outro lado, um candidato ganhador tem que ter larga autonomia face aos partidos. Pelo seu exercício presidencial, Cavaco partia bem posicionado. Porém, o episódio das escutas deixou a ideia de que pode querer envolver-se na luta partidária e, por isso, parte algo fragilizado. Pelo contrário, Alegre parte bem posicionado: sempre demonstrou grande autonomia não só face ao seu PS mas também face à esquerda radical (criticando-a pela fraca predisposição ao compromisso e à assunção de responsabilidades governativas). Por isso, não faz qualquer sentido que Alegre se submeta a um caderno de encargos para ter o apoio do PS: seria o suicídio da candidatura e do partido.
Finalmente, numa situação de maioria relativa, o PR terá grande relevo na construção de consensos interpartidários. Cavaco é capaz de os estimular quando quer, pelo menos do PS para a direita. Resta saber se, caso fosse reeleito, estaria disponível para continuar a fazê-lo… provavelmente não e é por isso que Sócrates sabe que a sua vida política pode ficar em risco com a vitória de Cavaco... De Alegre podemos esperar que o estímulo a entendimentos abranja todo o espectro partidário. Mas este trunfo poderá ser também outro calcanhar de Aquiles: se a esquerda continuar a revelar-se incapaz de se entender em matérias fundamentais... A bola está também neste campo, portanto. O combate, esse, será decisivo para todos.
Segunda parte do artigo originalmente publicado no Público, 1/2/2010.
Caro André Freire, tenho-o em muito boa conta. Foi uma das pessoas que me deu estimulo para entrar na blogosfera. Criei o meu blog inspirado em análises suas. Nesta, não posso deixar de discordar em dois planos: 1º- a oportunidade: estrategicamente, e para um combate decisivo, é errado posicionar as tropas a tão grande distancia do embate e com tanta coisa a acontecer todos os dias; 2º- a divisão da esquerda: nunca, em eleições presidenciais, a esquerda perdeu por falta de apoio do PCP (cito MA), espero que o mesmo venha a acontecer com o BE. Espero que o PS... sei lá o que esperar do PS.
ResponderEliminarToda a sua análise me parece correcta, mas para amanhã. Fica a minha humilde reflexão.
Obrigado pelo seu comentário, caro Rogério!
ResponderEliminarNão pretendo estar certo em tudo e, sobretudo, concordo que timings são cruciais...
Mas Alegre tinha de avançar logo para não ter surpresas da parte do PS...
Claro que a esquerda radical dirá presente.
André Freire