sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Em quem voto e porquê
A comparação dos discursos de apresentação, sem prejuízo do debate a que assistiremos nos próximos meses, permite fazer luz sobre os propósitos de cada uma das candidaturas e sobre a forma como os dois candidatos se pretendem posicionar sobre os grandes problemas do país.
1. Como nota prévia, adianto que não conheço nenhum dos candidatos pessoalmente. Trabalhei com Fernando Nobre durante a campanha do Miguel Portas e tenho dele a melhor impressão possível. Foi um mandatário dedicado, uma pessoa acessível e entregou-se à campanha da mesma forma abnegada com que se entrega ao activismo da sua vida. Com Manuel Alegre, nunca trabalhei politicamente.
2. Escrevo esta nota prévia para dizer que não são as considerações pessoais que faço sobre cada um que pesam na minha escolha. Manuel Alegre e Fernando Nobre têm ambos percursos de peso, ambos disseram e fizeram coisas com as quais concordo e coisas com as quais discordo. O que é preciso é perceber é qual dos dois pode derrotar Cavaco e qual dos dois daria um melhor Presidente da República.
3. Não a guerras fratricidas - Confesso que alimentava a esperança de que Alegre pudesse ser a candidatura que unisse toda a esquerda. Mas rejeito acusações de divisionismo ou chantagens políticas a Nobre. Fernando Nobre tem todo o direito de ser candidato e toda a gente tem reconhecido que esse direito tem de ser respeitado. Ora respeitado é mesmo respeitado, ponto final. Resta agora assegurar que, das primárias à esquerda, não resulte nenhuma desmobilização. Que as duas candidaturas somem votos para levar Cavaco à segunda volta e, depois, unam votos para o derrotar.
4. Não há cidadãos mais cidadãos do que os outros - Não aceito que nenhum dos candidatos reclame para si o espaço da cidadania, muito menos através de uma oposição, tão demagógica como absurda, entre cidadania entre partidos. Não o aceito em Alegre, não o aceito em Nobre. Alegre, Nobre, Cavaco são três cidadãos iguais, igualmente cidadãos. Espero que todos eles resistam à tentação de ganhar uns votos à custo de um discurso populista que fere a democracia e a própria cidadania que pretende invocar.
5. De todos os candidatos, espero que digam ao que vêm - Não aceito que o discurso sobre as competências do Presidente da República seja desculpa para não falar de nada. Sei, no entanto, que não posso esperar tal simpatia da parte de Cavaco Silva. Já dos outros, espero mais, melhor e menos redondo. Manuel Alegre e Fernando Nobre coincidem na identificação de muitos dos problemas, o que já é bom, mas Manuel Alegre é muito mais claro nas escolhas políticas.
6. "O trabalho precário é um cancro para o desenvolvimento económico do país" - Esta é uma frase do discurso de Manuel Alegre. Quando Manuel Alegre diz o que o João Rodrigues citou aqui , não traça um programa de Governo, que não lhe compete elaborar. Mas resume uma visão sobre a nossa democracia que é definidora de um conjunto de escolhas políticas claras. Essas escolhas, essa clareza, eu não a encontro no discurso de Nobre, por muito que as possa intuir nas suas preocupações.
7. Manuel Alegre define-se inequivocamente como um candidato em confronto com o consenso liberal, na linha, aliás, da intervenção pública que tem tido e das divergências que foi acumulando com o actual Governo. Fernando Nobre, ao fugir dos conceitos políticos, foge também das definições, por muito que diga que não é apolítico. Ora, eu aceito votar em alguém com quem sei que tenho divergências para derrotar a Direita. Não passo cheques em branco a ninguém.
Com o devido respeito, essa afirmação e esses enunciados de Manuel Alegre, sendo correctas, não revelam mais clareza e coragem do que, por exemplo, estas de Fernando Nobre, segundo o Jornal i:
ResponderEliminar«O presidente da AMI, Fernando Nobre, criticou hoje a posição das associações patronais que se têm manifestado contra aumentos no salário mínimo nacional Na sua intervenção no III Congresso Nacional de Economistas, Nobre considerou "completamente intolerável" que exista quem viva "com pensões de 300 ou menos euros por mês", e questionou toda a plateia se "acham que algum de nós viveria com 450 euros por mês?" "Quando oiço o patronato a dizer que o salário minimo não pode subir.... algum de nós viveria com 450 euros por mês? Há que redistribuir, diminuir as diferenças. Há 100 jovens licenciados a sair do país por mês, enfrentamos uma nova onda emigratória que é tabu falar. Muitos jovens perderam a esperança e estão à procura de novos horizontes... e com razão»