quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Diário do Orçamento V - A moda dos papalvos


Com os tempos de crise, a vertigem liberal e os problemas orçamentais, uma moda instalou-se na Europa: a moda das Parcerias Público-Privado. E como acontece com tantas modas, ela bateu forte em Portugal. Portugal tornou-se rapidamente no país que mais investe através desta modalidade em percentagem do PIB. No Orçamento do Estado para 2010, constam mais de 700 millhões em encargos com estas parcerias e até 2050, só com as parcerias já contratadas até hoje, o Estado vai ter de pagar 48 mil milhões de euros, dados da Direcção Geral do Tesouro.

O princípio é simpático: O Estado faz avançar investimentos estruturantes, contornando as restrições orçamentais. Leve agora, pague depois. Parece bom de mais para ser verdade. E isso é porque não é verdade. O Estado já tem o equivalente a 30% do PIB comprometido com esta parcerias durante os 40 anos e os negócios, que oscilam entre o mau e o péssimo, são frequentemente renegociados, sempre em prejuízo do interesse público.

É o que diz Carlos Moreno, juiz jubilado do Tribunal de Contas, em duas entrevistas obrigatórias ao Jornal de Negócios e Sol (22 de Janeiro) e no seu relatório de final de mandato. “Se nas empreitadas tradicionais, o Estado assumia os encargos dos trabalhos a mais, agora, no âmbito das PPP, o Estado acaba por assumir o risco, mas por via dos processos de reequilíbrio financeiro, que afinal configuram mais do que encargos com trabalhos adicionais e outras alterações não previstas no projecto inicial.”

No seu Relatório de fim de Mandato, Carlos Moreno escreve: “Os bancos passaram a determinar o nível de exposição financeira e de risco para o Estado, exigem cláusulas contratuais de compensação por alteração de circunstâncias, aumentam as suas garantias, os spreads e os honorários – tudo isto, evidentemente, pago pelo contribuinte”. Segundo Carlos Moreno, chegou-se ao ponto de o Estado pagar “avultados encargos de consultores contratados pelos privados para negociar os contratos das PPP” […] “O sector público não retira qualquer benefício da curva de aprendizagem”.

Ou seja, o Estado negoceia mal, renegoceia pior, não aprende a negociar ao longo do tempo e ainda paga aos privados para negociarem melhor contra o Estado. As parcerias obedecem ao princípio de que o risco fica para o Estado e os privados ficam com receita garantida. De acordo com o Tribunal de Contas, no sector rodoviário, aquele em que há mais parcerias, os encargos do Estado chegam quase ao dobro do investimento previsto e a Ponte Vasco da Gama será paga entre três a quatro vezes, no total da concessão.

Carlos Moreno faz um balanço cristalino: “Em termos de gestão financeira e em termos de boas práticas, tirando a renegociação do contrato da Fertagus, todos os relatórios do TC mostram que não fez bons negócios.”

Acresce que, a cavalo das parcerias e do discurso do que agora se chama Investimento de Iniciativa Pública, este governo e o que o antecedeu, deu mais alguns passos na privatização de serviços. A saúde é o caso mais evidente, com consequências particularmente desastrosas. Carlos Moreno refere que as sucessivas derrapagens nas PPP na Saúde “conduziram a uma descredibilização, mesmo a nível internacional, do programa nacional nessa área”.

Estas entrevistas e o relatório levantam inúmeras questões sobre o relacionamento entre o Estado e os privados. Todas essas questões mostram que “deixar tudo para os privados” é uma estratégia que produziu resultados miseráveis, aliás, não apenas no domínio das parcerias. Mas mostram também as enormes insuficiências no comportamento do Estado nestes negócios. Insuficiências de natureza técnica (que aliás também resultam da mesma estratégia de “deixar tudo para os privados”) e escolhas erradas ao nível das regras de contratação. Sobre isso, tentarei falar amanhã.

4 comentários:

  1. Ora aqui está uma questão que deveria ser objecto de discussão séria na AR.

    Concordo inteiramente com o seu ponto de vista. O que lamento é que os temas mais discutidos não sejam aqueles que nos metem as mãos nos bolsos. Ou dos vindouros.

    Discordo, no entanto, que esta política classificada como neo-liberal. O que ela é é uma política pouco séria.

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  2. Como já foi dito, isto não é uma "política liberal", é apenas pouco sério. E no fundo até é mais uma prova do quão melhor é quando as coisas não estão mesmo na mão do estado. (Considera-se que uma ppp é na mesma investimento do Estado) Porque já se vê que quando estão, há sempre alguém a meter ao bolso.

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  3. Traz algum reconforto saber que ainda existem portugueses dignos das funções de que foram acometidos…Bem-haja, Sr. Juiz!

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  4. A denúncia das PPP-Parcerias Público Privadas.O mais grotesco é alienar o futuro na busca de soluções que não se encontram claramente definidas -com financiamentos públicos de montantes elevados,sem a previsão precisa dos riscos e um regime de garantias. O estado demite-se das funções de planeamento e fiscalização, de uma "concessão", definida como um contrato,que apresenta as características de um contrato público.
    http://ensaiosimperfeitos.blogspot.com

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