quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Até quando?

[Segundo o Ministro das Finanças] o governo pretende “fazer um esforço de redução do défice público já a partir deste ano.” Ao que parece, ter-se-á comprometido com “uma redução de cinco pontos percentuais do défice entre 2010 (inclusive) e 2013.” “Se for assim será o terceiro ritmo de consolidação anual mais violento a nível europeu e o maior da história das contas públicas portuguesas.” (Jornal i, 28 Dez. 09, p. 23)

A lógica desta insistência na redução imediata do défice decorre do facto de o peso da dívida pública no PIB estar a subir para níveis considerados “perigosos” do ponto de vista das agências de notação financeira. Para estas agências, que falam a uma só voz com Claude Trichet, presidente do BCE, e com o comissário europeu das finanças (até há pouco o espanhol Almunia), os juros da nova dívida, e da reciclagem da anterior, tenderiam a ser insustentáveis.

Pelo contrário, em meu entender, o Governo deveria adoptar a proposta de Paul Krugman: para além dos programas de formação já em curso que melhoram a empregabilidade dos desempregados (mas os deixam em casa no desemprego, com um subsídio mas deprimidos), deveria criar um grande programa gerador de empregos com evidente utilidade social, tanto quanto possível ajustados às qualificações dos actuais desempregados. As remunerações deveriam ser baixas e, no momento em que a economia começasse a criar empregos estáveis no sector privado, os beneficiários do programa seriam levados a abandoná-lo de forma apoiada através de preparação específica para as novas tarefas. A ideia não é original e tem sido defendida nos EUA (ver aqui).

Como diz Krugman, “Tudo isto custaria dinheiro, … e faria aumentar o défice orçamental a curto prazo. Mas há que ter em conta o enorme custo de nada fazer contra a situação de emergência social e económica.” Ou, como diz noutro artigo, “Se não fizermos descer o desemprego em pouco tempo, pagaremos o preço de uma geração.”

Perguntar-me-ão: e a subida dos juros da dívida no mercado de capitais por via da desclassificação aplicada pelas tais agências? A proposta que faço é uma “jogada de risco” que pressupõe uma mobilização diplomática destinada a criar uma frente de países dispostos a assumir unilateralmente o seguinte compromisso: a redução do défice só tem início após dois anos consecutivos de crescimento do PIB igual ou superior a 2%. A meu ver, uma ruptura política organizada nestes termos constituiria uma “terapia de choque” com resultados positivos para a UE. Entre outros, traria de volta o pleno emprego como prioridade da política económica. A alternativa será, mais tarde ou mais cedo, a implosão da actual Zona Euro, um cenário que já aqui admiti como muito provável se as autoridades permanecerem cegas pela doutrina neoliberal.

Como Keynes ensinou, é o crescimento do produto que permitirá reduzir, e mesmo eliminar, o défice público. Em recessão, reduzir o défice só diminui o crescimento, acabando por gerar no final do ano um défice ainda maior que o inicial. No entanto, a actual prioridade das várias instâncias da UE é que todos os países comecem a reduzir os seus défices públicos.

Sublinhe-se que para um programa europeu de relançamento da procura interna a UE parece não conseguir gerar convergências e passar à acção. Nem para emitir dívida europeia para ajudar países com dificuldades financeiras. Remete-os para o FMI. A concretizar-se esta orientação, o agudizar da crise estaria garantido assim como o crescimento dos próprios défices. Infelizmente, quase todos os jornalistas com formação em economia aparentam desconhecer as mais elementares noções do pensamento de Keynes.

Também por isso, os Portugueses (e restantes cidadãos europeus) estão hoje reféns do pensamento único na Economia, sobretudo através da poderosa influência da televisão. Estão confusos e sem esperança em melhores dias. A abstenção continuará a aumentar nas eleições. Até quando vai manter-se este impasse?

5 comentários:

  1. Sempre defendi a criação desse tipo de programas e não me sinto menos liberal por isso.. deveria?

    Não concordo com a obsessão do pleno emprego, é um conceito simplista, o que deve ser procurado é o pleno "trabalho produtivo", não há sentido nenhum em ter pessoas empregadas, de facto, mas em funções nada produtivas (seja no privado ou no público).

    É também curioso o facto deste blog ignorar constantemente a balança comercial negativa. Talvez seja por um lado por defenderem, como solução, o impopular proteccionismo ou, por outro, por terem o tabu de não defender/apoiar o empreendedorismo e a indústria privada. Uma balança estruturalmente negativa é ponto de fuga de massa monetária e, bem assim, diminuidora do efeito multiplicador e do dinamismo de uma economia. Como sabem disto, simplesmente omitem a menção a esta rubrica, pois tal os obrigaria a moderar os incondicionais apoios ao aumento do já desequilibrado rácio Trabalhadores Públicos/Trabalhadores do Privado (para uma economia com a competitividade da nossa), o que era uma chatice para a propaganda que fazem..

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  2. O Jorge Bateira está enganado em várias coisas, e uma delas é esta: Krugman não defende isso para países na situação de Portugal. Convém ler o que ele tem escrito sobre a Espanha, propondo uma redução geral dos salários. Não concordo com o Krugman, mas é o que ele diz.

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  3. http://ruadopatrocinio.wordpress.com/2010/01/06/por-uma-mudanca-da-politica-economica-na-uniao-europeia/

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  4. O Impasse vai continuar a manter-se até que estes F.D.G.P., morram todos, de preferência sentados na sanita do seu pensamento escroque e miserável.

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  5. Caro João Pinto e Castro,

    Admito que nesta posta eu esteja enganado em várias coisas, mas por agora respondo-lhe à única que menciona.

    De facto, Krugman disse que a única forma de a Espanha crescer era reduzir os salários para melhorar a competitividade-custo do sector dos bens transaccionáveis. Ainda bem que não concorda. Aliás, a proposta parte do princípio que há procura suficiente no resto do mundo para relançar as exportações. Em plena crise global, é uma receita muito problemática, mais ainda se todos forem pelo mesmo caminho.

    Acontece que as minhas citações de Krugman dizem respeito apenas à prioridade que ele agora dá ao objectivo emprego. Para mim, essa prioridade é válida para os EUA, para a UE e para Portugal.
    Entretanto, se leu com atenção a posta, deve ter percebido que a proposta de um Estado "empregador de último recurso" está condicionada ao sucesso de uma acção diplomática que mobilize alguns países contra o programa de austeridade que se pretende agora impor. O fracasso desta inciativa significa que tudo fica na mesma, o que (em meu modesto entender) não augura nada de bom para o euro.

    Quanto às receitas do Krugman para o conjunto da UE (e nisto a Alemanha vai ter um papel decisivo, mais uma vez) não tenho lido nada de relevante. Admito que ele próprio esteja "em transição" e já sinta necessidade de rever os seus modelos. Afinal, não se deita fora de uma só vez todo o pensamento (neoclássico) de uma vida que até foi consagrada com um "Nobel". A transição do Krugman para um novo paradigma, a concretizar-se, será certamente lenta e contraditória.
    Até lá, citarei as frases que forem consistentes com o que eu próprio penso. No combate político das ideias parece-me lícito.

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