segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Retrato do capitalismo financeirizado português
Esta pequena notícia da semana passada sobre o empréstimo obrigacionista da Portugal Telecom merece reflexão. Podemos retirar duas leituras e uma conclusão de economia política desta pequena notícia.
A primeira diz respeito à forma como as grandes empresas se financiam nos dias de hoje. As tradicionais formas de recurso ao crédito para investimento não são feitas através de empréstimos bancários, mas sim através do recurso aos mercados financeiros internacionais. As grandes empresas, neste caso a PT, conseguem financiamento com um custo muito mais baixo (5% de juro) do que se recorressem directamente à banca. Ora, só as grandes empresas têm capacidade de acesso aos mercados internacionais. Pelo contrário, as famosas pequenas e médias empresas (onde a criação de emprego está concentrada) vêem-se obrigadas a recorrer ao escandalosamente mais caro crédito bancário. Se a ele tiverem acesso, o que é aparentemente bastante díficil nos tempos que correm. A primeira conclusão a tirar é pois que por mais competitiva que seja uma pequena empresa potencialmente concorrente da PT, ela estará sempre, à partida, em desvantagem devido à sua escala. Nos mercados o poder de cada agente importa e muito.
A segunda leitura a retirar da notícia é a forma como a banca retira proveitos deste novo modelo de financiamento. Não é através da diferença entre a taxa de juro paga aos depositantes e a cobrada aos devedores, mas sim graças às comissões cobradas na organização da emissão das obrigações pelos seus sectores de banca de investimento. No entanto, se olharmos para o sindicato de bancos que organizaram este empréstimo da PT e a estrutura accionistada empresa, observamos uma quase identidade entre eles. Os bancos necessitam assim de se apoderar de importantes fatias das grandes empresas não financeiras de forma a capturar o lucrativo mercado da banca de investimento. Bem ilustrativo do poder do sector financeiro rentista nesta era de capitalismo financeirizado no nosso país. Os bancos preferem capturar rendas financeiras dos mercados de investimento e servir-se dos seus sectores de banca comercial para o quase exclusivo financiamento expropriador aos indíviduos.
A conclusão prende-se com a urgência de destrancar a forma rentista como os mercados funcionam em Portugal por forma a permitir a famosa reconversão industrial do nosso país. Os instrumentos já estão ao nosso dispôr. O maior banco português, a Caixa Geral de Depósitos, deveria ser forçado politicamente a comportar-se não como um banco privado promotor de uma trajectória esgotada do capitalismo nacional, mas como instrumento de financiamento ao desenvolvimento e progresso social. Obviamente que tal redefinição das prioridades da banca pública não é suficiente. O reforço da provisão pública que liberte as familias do recurso ao endividamento para acederem a bens essenciais, uma nova política de investimento público que promova os sectores de bens transaccionáveis e uma redistribuição de rendimento que quebre o rentismo dominante são também necessários. Mas, começar por aquilo que já é de todos nós talvez não seja mal pensado. Não estamos condenados ao catastrofismo dos Medina Carreiras.
P.S.: Sobre os formidáveis lucros que a banca de investimento agora apresenta, vale a pena ler este artigo de Pedro Santos Guerreiro no Jornal de Negócios. Quando se pede emprestado a quase 0% e se investe em títulos de dívida pública que rendem 4%, é fácil obter lucros... Acrescento só uma achega que ajuda a explicar o actual festim: com as falências de alguns dos principais bancos, a consequente concentração traduz-se em maior poder de mercado.
Mas os senhores, tão adeptos da história económica, nunca perceberam que todo o capitalismo é, em última análise, financeirizado e nunca produtivo?
ResponderEliminarOu estão como os "ideólogos" do PS, numa busca do capitalismo social que nunca aparecerá e que serve apenas para dar cobertura aos crimes atrozes que se vão cometendo contra o povo e os trabalhadores?