(...)
2. O trabalho é, nas sociedades modernas, a principal fonte de rendimento monetário e, por conseguinte, constitui, indirectamente, o meio de acesso ao bem-estar material individual. Assim sendo, parece incompreensível que, em democracia, a fixação das remunerações fique entregue às leis do mercado e ao livre arbítrio dos gestores das empresas.
A prática de negociação colectiva entre representantes de organizações patronais e organizações sindicais com recurso, quando necessário, à mediação do Estado, surgiu com objectivos de prossecução de valores de equidade e de coesão social. O actual enfraquecimento deste enquadramento institucional constitui um grave retrocesso na via da indispensável democratização da economia.
Construir o futuro passará, a meu ver, por uma forte dinamização da negociação social. Esta, obviamente, não incidirá apenas sobre as remunerações mas deverá abranger todas as componentes do bem-estar de quem trabalha e da coesão social.
Por outro lado, a presente crise e o fenómeno do desemprego que lhe está associado obrigará a sociedade no seu todo a ter de encontrar novas modalidades de repartição do trabalho produtivo disponível (duração e horários de trabalho, tempos de vida activa, formação e reforma) que tenham em conta os níveis de produtividade alcançados na produção de bens materiais bem como a transição em curso para economias cada vez mais baseadas no conhecimento. Estamos de novo perante opções que relevam do campo ético mas, neste caso, com consequências também para o funcionamento da própria economia, nomeadamente pela via da sustentação da procura, por um lado, e pelo poder de competitividade, por outro.
O espectro de um desemprego massivo é, justamente, uma das consequências mais temidas desta crise, pois arrasta consigo maior extensão e severidade da pobreza, risco grave de exclusão social e demais fenómenos conexos em matéria de segurança, de saúde, de coesão social.
Por estas razões, os governos da UE e não só têm demonstrado alguma preocupação em reforçar as redes de segurança social, através do aumento dos subsídios de desemprego, em valor e duração, e prevendo novos esquemas de solidariedade social para os casos em que aquelas prestações não são elegíveis.
Trata-se de medidas necessárias e que revestem carácter de urgência, mas se o objectivo é, como é justo, fazer face ao desemprego gerado pela presente crise, então não basta ampliar o leque das prestações compensatórias da perda de salários. Há que pensar em repartir melhor os empregos disponíveis e bem assim criar novas oportunidades de trabalho produtivo por efeito de políticas de investimento público em projectos de desenvolvimento local ou de incentivos destinados ao aparecimento de novas iniciativas no âmbito da economia social. A este propósito, gostaria de referir que seria oportuno aproveitar a crise para dar enquadramento jurídico-institucional ao trabalho-cuidado, de modo a assegurar o seu reconhecimento e justa remuneração.
A sociedade no seu todo só tem a ganhar com a garantia de um trabalho digno e devidamente remunerado acessível a todos os cidadãos e cidadãs que o desejem e procurem.
(conclui amanhã)
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