Como compreenderão, sou frequentemente abordado por jornalistas para comentar os assuntos políticos, nomeadamente agora que as eleições se aproximam. Uma das coisas que mais me choca pela falta de cultura política e/ou pela falta de informação sobre outros países (europeus e não só) é a forma como os jornalistas interiorizaram o “drama da ausência de maioria absoluta”. Trata-se de uma ideia muito difundida pelos dois grandes partidos, mas especialmente o PS e o seu líder, na presente conjuntura, e pela qual parece que o país já foi até penalizado pelas agências de rating das dívidas públicas dos países. Aos jornalistas pede-se que investiguem um pouca mais o que se passa nos outros países e que não reproduzam tanto as ideias que a classe política dominante gosta de enfatizar…
Por exemplo, no livro que escrevi (com Manuel Meirinho e Diogo Moreira) e coordenei, “Para uma melhoria da representação política”, verificámos que “Na Tabela 1.6. podemos ver que, dos 30 países em análise (isto é, os da UE a 27 mais a Islândia, a Noruega e a Suíça, entre os anos de 2000-2007), e considerando apenas a eleição mais recente em cada um deles, apenas cinco não tem governos de coligação (Reino Unido, onde o sistema eleitoral produz maiorias artificiais, Espanha, Malta, Suécia e Grécia). Mais, pelo menos um destes cinco tem uma espécie de governo de coligação: em Espanha, o PSOE tem minoria no Parlamento e tem governado com o apoio da Izquierda Unida (PCE e outros) e da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). As coligações em causa incluem geralmente partidos de um mesmo quadrante ideológico (da esquerda ou da direita), mas nem sempre é assim. Alguns sistemas mais fragmentados, e/ou com maior tradição em termos de “democracia consociativa”, juntam por vezes forças de diferentes quadrantes ideológicos (Bélgica II, Finlândia, República Checa II, Roménia, Suíça, Islândia, Alemanha, Hungria) – note-se, contudo, que estamos apenas a considerar os três partidos mais fortes dos governos de coligação, mas em alguns casos podem ser mais. Portanto, conforme se pode verificar, os governos de coligação são a norma esmagadora na Europa. E ainda que possam nalguns casos ser mais instáveis, em termos de não cumprimento integral dos mandatos, a verdade é que é falsa a ideia de que se trata de governos ineficientes e com má performance económica e social.” Quem quiser saber mais pode sempre comprar o livro.
Os modelos espaciais da competição política, importados pelos cientistas políticos à ciência económica, e sobretudo a ideia da competição (exclusiva) pelo eleitor mediano, que o economista Carlos Santos tão bem problematiza aqui, adaptam-se bem a sistemas eleitorais maioiritários e a sistemas bipartidários onde a competição política é, geralmente, unidimensional (sendo tal padrão de competição usualmente uma subproduto artificial das regras eleitorais). Mas a ideia da competição (exclusiva) pelo eleitor mediano adapta-se muito mal a sistemas eleitorais proporcionais e a sistemas multipartidários como o nosso (e que são também esmagadoramente dominantes na Europa).
Será que o "drama da ausência de maioria absoluta" será ultrapassável pelo Bloco Central?
ResponderEliminarTirada oportuna de Rui Tavares no Público de hoje sobre o “processo manipulatório em curso” para o Bloco central: “ E até os eleitores poderão abster-se de ir às urnas, ganhando três domingos inteirinhos. Em vez de suspender a democracia por seis meses, suspendamos-lhe antes o sentido por quatro anos – e porque não oito ou doze?”
Nem compreendo como os arautos da democracia ainda se abespinham com o facto de Chavez ter alterado a lei, o que lhe permitirá ficar no poder ad eternum…Legalmente!
Hoje, aqui, Portugal, nunca foi tão verdadeira a frase: “A Democracia é quando eu mando em você”. A democraciazinha de Sampaio a JMF, de Pulido Valente a Van Zeller parece mais a da preservação do “portugalzinho” da meia-dúzia de famílias e respectiva criadagem.
Contra o furacão da ingovernabilidade que nos vai assolar, “Gritai pelo Bloco Central”.
PS: Temo que o Medina Carreira acabe por ter razão: “Nós não temos seriedade na política. Isto é um espectáculo, uma aldrabice pegada.”