A obsessão com o equilíbrio orçamental já era. Portugal pagou um preço elevado por alguns terem confundido causas com consequências. Na realidade, uma posição orçamental mais confortável é consequência do crescimento e do pleno emprego e estes só se alcançam com défices que reestruturem as economias e as tirem da estagnação ou da recessão. Na UE, a política económica de relançamento tem de ser coordenada devido às profundas ligações económicas existentes entre as economias nacionais. A coordenação é difícil no quadro das actuais regras. Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal, disse anteontem que «o défice é o preço a pagar pelo crescimento». Nem mais.
A ideia de que os direitos de propriedade privada são a única forma de controlo dos activos de uma economia também já era. Nacionalizar bancos é agora uma questão de bom senso. O último baluarte do consenso liberal em processo de esboroamento é assim a ficção do comércio livre. Daí a histeria liberal. O argumento dos três dogmas liberais abatidos e a abater é apresentado por Ha-Joon Chang, economista da Universidade de Cambridge muito citado neste blogue, num curto, mas instrutivo, artigo publicado na última Prospect.
Chang sintetiza a reinterpretação da história económica em curso e as principais ideias que têm orientado o assalto intelectual contra a ficção do comércio livre ainda dominante. Questão de pragmatismo na prescrição – todas as possibilidades que funcionam estão algures entre a abertura irrestrita e a autarcia – e de realismo na descrição e análise do que se passou e do que se está a passar no campo das políticas industriais e comerciais concretas: criar margem de manobra. Falta então demolir alguns mitos históricos. Um dos principais, assinala Chang, é o de que a depressão dos anos trinta foi de alguma forma causada ou simplesmente acentuada pelo proteccionismo. A reacção proteccionista nos EUA não constituiu uma ruptura assim tão grande com práticas passadas. As coisas são mais complicadas e não se prestam a simplismos liberais.
Discute-se agora muito a necessidade de redesenhar as fronteiras entre o Estado e os mercados. Howard Davies, director da London School of Economics, aborda este assunto no FT. Para isso é preciso perceber que é o Estado que institui os mercados e define as suas possíveis configurações. Só as abordagens da economia política institucionalista estão em condições de analisar estes processos e as variedades sistémicas que são assim geradas. Ha-Joon Chang mostra-nos como se faz em artigo que saiu no Cambridge Journal of Economics (uma versão está disponível aqui). Chang também desenvolveu bons argumentos a favor da um robusto sector empresarial do Estado num estudo para as Nações Unidas.
Já agora deixo aqui a completa recensão de Ricardo Paes Mamede ao último livro de Chang. A edição do livro que aqui se coloca é brasileira. Os editores portugueses andam muito distraídos.
Caro João,
ResponderEliminarJulgo que estamos a viver um periodo que se pode revelar como o mais imaturo (pode provocar uma crise ainda maior) das ultimas decadas.
"Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal, disse anteontem que «o défice é o preço a pagar pelo crescimento». Nem mais."
Eu entendo o que foi dito, mas temos de ter muito cuidado com aplicação desta frase. O histórico português revela que somos muito imcompetentes na aplicação de investimento público. E isto foi feito dentro de um contexto de deficit restringido.
O que é que mudou para podermos ter alguma esperança que futuros investimentos não serão igualmente fracassados? Que medidas de controlo são porpostas por qualquer uma das forças politicas que nos deixei minimamente seguros de que a tendência passada não se volta a repetir?
Fazer um investimento publico não é benéfico per si!
Manter um posto de trabalho não é benefico per si!
O estado não é bom regulador per si!
No entanto as soluções têm sido todas apresentadas como benéficas per si. Só nos dizem que é preciso fazer investimentos publico (quais e porquê?) que é preciso manter e criar postos de trabalho (quais e porquê), é necessario regular (como?).
Estamos a passar muito rapidamente de uma veneração cega do mercado para uma veneração cega do Estado! Sendo que o problema está pura e simplesmente (na minha opinião) na veneração cega!
Caro Stran,
ResponderEliminarEssa do fado português eu também não compro. Veja aqui:
http://pedrolains.typepad.com/pedrolains/2008/07/pol%C3%ADticas-das-p%C3%BAblicas.html
Eu já aqui referi várias vezes os problemas associados à emergência de um estado predador, capturado por interesses capitalistas rentistas. Mas isto está relacionado com as incursões privadas em áreas que deveriam ser públicas e submetidas a interesse público. Privatizações e parcerias...
No actual contexto, fazer investimento público, em áreas que vão do ambiente à recuperação de equipamentos públicos, é bom em si.
Num contexto em que empresas viáveis estão a falir devido ao colapso dos circuitos de crédito, é preciso agir: usar todos os instrumentos à disposição. O Stran prefere uma depressão? Quer mesmo experimentar uma a sério, assim com desemprego muito acima de 10%?
Não há qualquer veneração cega. Nem perigos. Ainda só estamos quase no campo do debate. Ainda se fez muito pouco. Infelizmente. Veja o peso do relançamento europeu mencionado em posta anterior. Temos de ir muito mais longe. Muito mais.
Caros,
ResponderEliminarSobre a "histeria liberal" proponho a leitura de um artigo na 'Economist's View' (http://economistsview.typepad.com/economistsview/2009/03/the-argument-is-absurd.html) escrito pelo Prof. Robert Reich (Goldman School of Public Policy at the University of California at Berkeley) sobre uma ideia que está a tomar forma nos EUA: Is Obama responsible for the meltdown of the Dow?
O que me impressionou no artigo foi o nível de absurdo a que se chegou, nas teorias catastrofistas dos neoliberais ("depois de nós, só o caos") e na energia gasta a fundamentar as falhas destas teorias!
O sub-título desse artigo explica a 'cena': "Where Populist rage is Heading".
Abraço,
Miguel
Caro João,
ResponderEliminar"Essa do fado português eu também não compro."
Fui ler o artigo, mas infelizmente os links para o estudo não funcionaram (consegue-me arranjar outros?).
"No actual contexto, fazer investimento público, em áreas que vão do ambiente à recuperação de equipamentos públicos, é bom em si."
Temos opiniões contrárias, julgo que no contexto actual, é importantissimo ter muito cuidado no investimento publico. Mas não quero dizer que não se deve investir! A questão é que onde investirmos agora vai nos condicionar durante muito tempo.
Da ultima vez que investimos muito ficamos com um país cheios de estradas, auto-estradas e rotundas, mas culturalmente e socialmente subdesenvolvido!
Estou ansioso por ler o estudo, e pode ser que mude de opinião. Mas diga-me lá:
1. Foi bom termos gasto tanto dinheiro na Expo?
2. Foi bom termos gasto tanto dinheiro nos Estádios?
3. Foi bom o dinheiro que gastámos em rotundas? Ou tanto dinheiro gasto em Auto-estradas?
(forte enfase na palavra TANTO)
Você concorda com Investimentos que não tragam mais-valia para o país? Mesmo que sejam em areas como o ambiente?
"usar todos os instrumentos à disposição."
Concordo 100%. Mas isso é diferente de investir por investir.
"O Stran prefere uma depressão? Quer mesmo experimentar uma a sério, assim com desemprego muito acima de 10%?"
Não, mas também não quero experimentar um país em bancarrota! Você quer mesmo experimentar um país em bancarrota?
É que se gastarmos pelo simples facto de gastarmos (porque isso resolve um problema de curto prazo) estamos a criar as condições para no futuro não termos dinheiro para pagar as dividas do Estado!
"Ainda só estamos quase no campo do debate."
Quando o João diz isso eu admito que sim. Mas quando o Primeiro Ministro e outros politicos dizem exactamente as mesmas palavras ("é necessário investir", sem concretizar) já não estamos só no campo do debate.
E o mais perigoso é que ninguém fala nos "pitfals" desta opção, e uma delas é concretamente a bancarrota!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar1. Ainda não bastava o que já se andava a dizer... e não é que se vai logo citar o mandarim dos mandarins, a dizer que o défice é o preço não sei já do quê! Domina já o irrealismo e o discurso ABSTRACTO revestido de ciência económica, que é uma coisa que visivelmente mto pouca gente faz; mas que mais das vezes não é precisa para rigorosamente nada quando se quer fazer uma asserção sobre o estado do "mundo"; mas e pq dizer qualquer coisa sobre o que realmente se passa à nossa volta, isso é mt mais complicado.
ResponderEliminar2. E daí estranho que nenhum dos economistas aqui a serviço tenha vindo em reação à declrações pretéritas do por aqui tb já mtas vezes elogiado Silva Lopes, sobre qualquer coisa que ele disse para quem quis ouvir que todas as noites rezava à santíssima para que o Espírito Santo.... pronto, a gente sabe. Mas mais cortes não! Para isso já tivemos a censura. Será que ele não percebe que se está a criar um "movimento"; e tal força nos vai tirar da crise; pena, meus senhores, que vcs agora a queiram medir pelo peso ("as gramas" - vendemos coca, por acaso?) que tal e tais medidas têm no PIB.
3. O proteccionismo vs. livre cambismo! E voltamos ao mesmo. Esta expressões são só capas para cobrir a realidade. A recessão económica mundial vai fazer mt mais para a diminuição do comércio internacional de que qualquer cláusula "buy american"; é a globalização tb a dar as últimas de si, porque "institucionalmente" os mercados, os estados, as indústrias, as rotas comerciais faliram com a falência do processo que lhe dava a coerência - o brutal endividamento dos indivíduos, das empresas e das nações! As exportações japonesas caem 40%; não há modelo que os vá salvar, não há défice, num há nada! É ó capital a provar da sua própria irracionalidade; e que belas que eram aquelas imagens (pictures) sony!
4. A produção industrial espanhola cai 20%; e que margem de défice, dizem os peritos, os nuestros hermanos não terão; pois vêem-se os resultados! E o desemprego rompe todas as barreiras. Para o Krugman tudo se passa no mais natural dos mundos; aquela que queria ser a "Flórida" da Europa agora tem que apanhar com o desfazer da bolha, quer dizer, com a derrocada dos blocos de imobiliário. Para o ano, não lhe esqueçam de dar o Nöbel! Mas então, não me venham dizer que agora falta a coordenação. Balelas; a coordenação para o economista mediano é o multiplicador keynesiano standard a multiplicar por 1,2! E tanto que o défice podia fazer por Espanha; mas imaginem lá, tb não podemos viver num mundo onde a prod. industrial está sempre a crescer, ou podemos?
A pergunta tá mal colocada! Pq nós já temos em casa tudo que a industria nos pode fornecer; há uns 7/8 anos compramos casa, ao mesmo tempo o mobiliário, depois o computador de secretária (com benf. fiscais); depois o portátil (aqui o que há são dívidas fiscais do construtor); depois tivemos a Casa da Música (mas que belo equipamento!); no meio disto tudo as pessoas ainda continuaram a tirar os doutoramentos; mas, meus filhos, SENHORES, o nosso PARQUE AUTOMÓVEL é o mais elevado no rácio por habitante. Olhem lá, pq não vendem o carro, amortizam parte da dívida e passam a andar de transp. públicos?! (Poderemos sempre manter o frigorífico e o micro-ondas: pechinchas fabricadas no mundo asiático.)
5. Não dá; já estamos demasiado habituados ao portuguese way of life. Eu gosto. Só no gosto é da côr do intercidadades. Talvez isso dê para ser melhorado! E beneficiar o turismo.
Jobs, not shopping!
ResponderEliminarBom artigo. Falemos mais de protecção de emprego e menos de proteccionismo…
“Proteccionism did not cause the depression. Indeed, moderate protection is what we need”.
Sobre o tema do investimento público que apareceu aqui no debate, também deixo umas notas breves.
Primeiro, a transparência.
Casos como o alargamento do cais de Alcântara, sem concurso público e sem estudo de impacto ambiental, NÃO! Além da controvérsia técnica sobre a solução, que ainda hoje é alvo de debate (e associável à TTTejo), o processo é péssimo. Queremos um Estado democrático, com agentes e trabalhadores que sejam avaliados pelo zelo da coisa pública. No entanto, este governo ao criar outro tipo de “critérios”, tem propiciado o regabofe que se faz sentir.
Segundo, a priorização.
De um momento para o outro “é preciso investimento público”. Acontece que o governo foi apanhado desprevenido, pois só tinha (e tem) olhinhos para as obras faraónicas (Aeroporto e TGV): maná para o(s) grande)(s) empreiteiro(s) da construção civil, para as empresas de equipamentos electromecânicos (totalmente estrangeiras?) e para os bancos. Pessoalmente, não vejo de todo o TGV como prioritário, muito longe disso. Crescer para onde, ganhar 20 minutos para quê? (Percebo o alerta do J. Marco no seu comentário!)
Valia mais investir em melhores transporte públicos urbanos e sub-urbanos, entre outros, melhorar e criar equipamentos (quem não quer uma ciclovia?). Por exemplo, em vários projectos de infra-estruturação rural, que foram abandonados por este governo e que custariam uns “tostões”, além de tidos como estruturantes - desenvolvimento rural e segurança alimentar. Todos estes múltiplos projectos disseminados pelo país valeriam muito mais que o monstro TGV, com retornos sociais e financeiros muito importantes. Uma outra maneira para olhar para a ACB. O dinheiro é curto, estabeleçam-se as prioridades que melhor sirvam a maioria.
D.H. Concordo plenamente
ResponderEliminarApenas não consigo ser tão taxativo contra um TGV que nos ligue a Madrid. E daí à europa.
Sou daqueles maluquinhos que acreditam que andar de avião se vai tornar cada vez mais caro e dificil. Ou seja, mais depressa rifava o aeroporto.
Daqui a 20-30 anos poderiamos já ter uma estrutura ferroviária para suplantar essa dificuldade.
Nada a opor, L.Rodrigues, ou seja, a ligação Lisboa-fronteira (ou seja, a Madrid). Será expectável e legítimo que as pessoas do Norte também queiram Porto-Vigo…
ResponderEliminarLisboa-Porto? Vai-se tão bem de alfapendular.
Caro L.Rodrigues,
ResponderEliminar"Sou daqueles maluquinhos que acreditam que andar de avião se vai tornar cada vez mais caro e dificil. Ou seja, mais depressa rifava o aeroporto."
Julgo que não. A aviação tem tido um esforço continuo de eficiencia energética e poderá vir daqui a introdução de novas formas de energia.
No entanto também na minha opinião o TGV (Lisboa-Madrid) é mais relevante actualmente que o aeroporto.
Uma ultima nota sobre o aeroporto. Se este for criado com o intuito de criar uma plataforma logistica de passageiros, podemos ter aqui uma oportunidade de ouro para retirar uma alta rendibilidade.
Antes de mais, parabéns pela recensão de que gostei sinceramente.
ResponderEliminarDo post ressaltaram duas frases: "As coisas são mais complicadas e não se prestam a simplismos liberais". com que obviamente concordo mas apenas em pate pois, para mim, "A economia não se presta a simplismos" nem liberais nem de outros quadrantes. Quanto à frase "A obsessão com o equilíbrio orçamental já era", espero estar errado mas temo que o futuro venha a provar prematuro este epitáfio.
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