quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Pela flexibilidade dos lucros


Só agora reparei numa interpelação de João Pinto e Castro no Jugular. Pareceu-me do que li que a sua opinião poderia ser resumida com um “se fosse possível definir o que é ter lucro, até achava que quem tem lucro não deveria despedir numa situação como esta”. Será assim, ou estou a deturpar de acordo com as minhas conveniências?

Se assim é, não vejo razão para um tão veemente desacordo. Bastaria concordarmos com o que significa uma empresa ter lucro, e pronto. O assunto merece ser discutido. Estou de acordo que ter ou não lucro é coisa que só se pode determinar ex-post. Sabendo que não é fácil chegar a um critério, proporia, sujeito à consideração de contra-argumentos, uma possibilidade: (a) será sujeita a uma sobre-taxa de IRC a empresa que tendo lucros a distribuir pelos accionistas tenha procedido no exercício a despedimentos “preventivos”.

Despedimentos são encargos públicos sob a forma de subsídio de desemprego. E o dinheiro não cai do céu. Os contribuintes devem ser ressarcidos da externalização dos riscos pela empresa. Os lucros podem ser variável de ajustamento. Porquê sempre os salários e o emprego?

O despedimento preventivo, baseado em expectativas negativas quanto ao futuro, é o que deve ser evitado. Expectativas dessas são na realidade profecias que se auto-realizam.

Um acordo claro com João Pinto e Castro para terminar: “qualquer gestor dotado de um sentido mínimo de decência deve pensar setenta vezes antes de proceder a despedimentos (sobretudo numa situação como a actual)”. O problema é que os que não são dotados de um sentido mínimo de decência podem, com tanto despedimento preventivo que por aí anda, obrigar os outros a comportar-se de forma indecente.

2 comentários:

  1. Deixo aqui o comentário que fiz ao post de João Pinto e Castro.

    "Em primeiro lugar, JPC demonstra ignorância sobre pressupostos básicos da comunicação política. Nomeadamente, a necessidade de condensar políticas em breves frases, que (obviamente de modo simplista) capturem a essência do que se pretende fazer. Ainda muito recentemente, José Miguel Júdice, em artigo de opinião no jornal Público, criticou severamente a política de comunicação do PSD. Em particular, porque optou por apresentar o seu programa de combate à actual crise sob a forma de 20 medidas, em vez de as sintetizar em apenas algumas ideias mais facilmente comunicáveis e apreensíveis pelos eleitores (o que não impediria a publicitação das 20 medidas na mesma, mas em "apêndice"). E se há alguém que continuamente defende a "seriedade" contra o populismo e a "demagogia" é JMJ . É óbvio para qualquer pessoa com um palmo de testa que a frase do BE - "Quem tem lucro não pode despedir" - não é para ser interpretada literalmente. Serve apenas para comunicar um dos princípios que o BE acha que deve estar por detrás das políticas económico-sociais de combate à actual crise.

    Mas, exactamente por ser previsível uma interpretação literal da frase em questão por parte de certos comentadores cuja ideologia assenta antes de mais numa aversão à Esquerda e ao BE em particular, acho que o BE devia ter tido o cuidado de divulgar algumas possibilidades de implementação do princípio publicitado pela frase "Quem tem lucro não pode despedir". E essas possibilidades existem, ao contrário do que JPC quer fazer acreditar. Será apenas falta de imaginação?...

    Em primeiro lugar, é óbvio que o despedimento a que o BE se refere é o despedimento colectivo. Que é relativamente fácil de fazer em Portugal, ao contrário do despedimento individual. Quer-se portanto impedir o despedimento colectivo (enquanto durar a crise actual) por empresas com lucro. JPC sente dificuldade em definir que empresas serão essas. Mas há uma solução óbvia: as próprias empresas decidem se são ou não lucrativas, e portanto se podem ou não despedir. Como? Por exemplo, toda a empresa que em 2008 incluiu nos seus relatórios previsões (que são obrigadas a fazer pelo menos no caso das sociedades anónimas) de lucros em 2009, não pode fazer despedimentos colectivos em 2009. Ao contrário do que alguns comentários ignorantes, nem todas as empresas se sentiriam na tentação de então "preverem" prejuízos. Isso é evidente no caso das empresas cotadas em bolsa, pois sabem que a previsão de prejuízos é razão mais que certa para uma violenta queda do valor das suas acções. Vão por mim, nenhuma empresa em bolsa precisa tanto de despedir que vá inventar prejuízos. Mas existem outras possibilidades, como por exemplo, toda a empresa que quiser distribuir dividendos em 2009 não pode fazer despedimentos colectivos em 2009. Ou ainda, toda a empresa que quiser aumentar os salários ou distribuir bónus aos seus gestores em 2009 não pode fazer despedimentos colectivos em 2009. Todos estes critérios parecem-me bons critérios para aferir sobre o grau de sucesso duma empresa: uma empresa que prevê lucros, que distribui dividendos ou premeia os seus gestores, deve ser uma empresa com lucros e sucesso, ou não? Porque é que os trabalhadores dessa empresa não podem partilhar o seu sucesso com os accionistas e gestores da empresa, simplesmente mantendo os seus empregos?... Será mesmo demagogia ou justiça?"

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  2. (Ainda o Jugular JPC)

    Que o lucro seja encarado (ou adornado) como “prémio do risco”, não é muito conveniente, sobretudo nesta fase…
    Mas, existindo, não é o facto de ser encarado como “garantia de futuro” para uma modernização posterior da empresa, que o “credencia” para o despedimento colectivo. Ou será?

    Sobre a decência, é verdade que cada caso é um caso, mas o cartaz também não diaboliza a actuação dos empresários (e para generalizações, já basta as que o governo faz!).

    Muito bom comentário, P. Viana!

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