Vivemos actualmente num mundo de negócios globalizados, disseminando-se como a peste numa rede universal de transacções instantâneas representadas por números cambiando constantemente nas pilhas de monitores e consolas de controle das bolsas, firmas de corretagem, da banca, das empresas e agências do sector… O conhecimento transforma-se em mercadoria debaixo dos nossos olhos, tal como anunciou Lyotard em 1986. Cria-se-lhe um valor (é o mistério da transubstanciação) e este adquire uma expressão quantitativa, podendo o processo da sua produção ser orçamentado, avaliado, certificado e, assim, posicionar-se no mercado. Imaginemos a rentabilização da produção destas novas mercadorias da “sociedade do conhecimento” agora que sabemos, por exemplo, que o valor mercantil da língua portuguesa corresponde a 17% do PIB.
Trata-se, pois, de equacionar a mensurabilidade da mátria: quantificamos o valor da língua, a expressão primordial da nossa existência humana, incluindo as palavras dos poetas e dos escritores que a cantaram e celebraram, o trabalho, o suor e as lágrimas de todos os que a falaram nas quatro partidas do mundo… e admitimos que isto será decisivo para os desafios do futuro, pela competitividade potencial de que os falantes da língua poderão usufruir para obtenção de ganhos para si e para as suas empresas – com a marca “Portugal”, claro! É preciso “criar riqueza”, dizem… Tudo em conformidade com o zeitgeist cor-de-rosa de um governo optimista e de um primeiro-ministro empreendedor. Mas em plena crise, anunciando-se o frenesim da inovação e a compulsão dos negócios, é bom lembrar que se queremos ser indivíduos autónomos – cidadãos livres, não poderemos nunca excluir do nosso horizonte de valores a ideia de Kant que o Jorge Bateira tão certeiramente aqui evocou ontem. Para isso deveria servir a educação.
Numa rede, tudo tende a ser distribuído, a circular (ainda que os constrangimentos da arquitectura das redes condicionem a priori o exercício do livre-arbítrio) entre os vários nós e cruzamentos (outros serão excluídos) – e, claro, a ser representado em grafos, medido em fluxos, expresso em quantidades e mercadorizado até que outros produtos inovadores e mais baratos se imponham e se lhes substituam. Até ao esgotamento e a novos patamares de crise. Esquecem-se amiúde os promotores da teologia do mercado, porém, que a vida humana e as suas instituições, em todo o arco da sua diversidade, revela anseios muito mais dignos e profundos do que aqueles que lhe reservam a obsessão da mensurabilidade e a histérica mentalidade mercantil em que estamos atolados. Como dizia o filho de um bom amigo meu, “o mais importante da vida é podermos desfrutar do incalculável”; ou, então, como Kant: “todas as coisas têm um preço, ou uma dignidade”. Como chuva e frio dentro das escolas. Ou dezenas de milhares de novos desempregados. Ou a tragédia da pobreza que alastra nas novas fronteiras da crise…
Muito bem. A ver vamos quando o homem deixará de ser escravo da economia e a inclusão social tenha a ver com outras facetas que não a produção de riqueza material. Espero que não falte muito.
ResponderEliminarHá um debate interessante relacionado com isso e com Obama no Porto esta Quinta:
ResponderEliminarhttp://ovalordasideias.blogspot.com/2009/01/e-agora-obama-debate-sobre-relao-entre.html