Jonathan Wolf na sua Introdução à Filosofia Política, editada pela Gradiva, convida-nos a imaginar um desfile muito especial de todos os cidadãos britânicos ao longo de uma hora [como a coisa teria decorrido há quase quarenta anos é necessário descontar as diferenças]:
«O Grandioso Cortejo faz-se numa fila única, com as pessoas ordenadas segundo o seu rendimento: os de menor rendimento à frente e os de maior rendimento atrás. (...) A característica peculiar do cortejo reside na altura de cada um ser determinada pelo respectivo rendimento tributável. (...) Suponhamos que, enquanto espectadores, temos estatura mediana e assistimos à passagem do cortejo. O que veríamos?
Em primeiro lugar, durante uns segundos, vemos umas pessoas extraordinárias, de altura negativa. Trata-se dos indivíduos que possuem empresas geradoras de prejuízos. Mas estes são rapidamente substituídos por pessoas do tamanho de um fósforo ou de um cigarro: donas de casa que trabalharam durante uma semana (...), crianças(...) que fazem umas horas como ardinas (...), etc.
Estas pessoas levam cinco minutos a passar e, passados dez minutos, começam a surgir indivíduos com uns noventa centímetros (...). Entre estes estão muitos desempregados, reformados, mulheres divorciadas, alguns proprietários de lojas em dificuldades. A seguir vêm vulgares trabalhadores dos sectores mais mal pagos. (...) Há muitos trabalhadores negros e asiáticos neste grupo. Após quinze minutos, os participantes do cortejo atingem finalmente cerca de um metro e vinte centímetros de altura.
(...) Decorrem quarenta e cinco minutos até vermos pessoas de estatura mediana. Entre elas contam-se professores, comerciantes, capatazes e alguns agricultores.
Nos últimos seis minutos, o cortejo torna-se extraordinário, com a chegada dos últimos dez por cento. Com uma altura a rondar um metro e noventa e cinco centímetros, vemos reitores, jovens licenciados em vários empregos, mais agricultores e chefes de departamento (...) Depois, nos últimos minutos (...) um advogado (...) com cinco metros e quarenta centímetros. Os primeiros médicos, com cerca de sete, oito e nove metros (...).
Durante os últimos segundos vemos pessoas com alturas de torres de apartamentos.(...) O príncipe Filipe tem sessenta metros de altura, o cantor Tom Jones tem quase quilómetro e meio. A fechar o cortejo surge John Paul Getty: entre quinze a trinta quilómetros de altura.»
O que explica estas diferenças abissais? Melhor e pior remuneração do trabalho, mas também, e sobretudo, maior ou menor rendimento da propriedade. O que as justifica? Diferenças proporcionalmente descomunais no mérito, no esforço e na inteligência? Não me parece.
O problema está em que uns bebem champanhe francês, enquanto outros comem carapau, ou nem isso? Também, sobretudo quando nem isso. Mas, o pior é que aquilo que sobra a uns depois do champanhe francês e do caviar – e sobra muito porque não há estomago que resista – serve para conseguir coisas que o dinheiro não deveria comprar. Poder sobre os que tendo de seu apenas o corpo vendem o que têm – capacidade de trabalho e inteligência. Poder na definição das regras do jogo. Poder na resolução de conflitos. Poder sobre os outros enfim.
A desigualdade na distribuição da propriedade é o preço da liberdade que só a propriedade garante, oiço dizer. Diria antes: a desigualdade é o poder e a liberdade de poucos (pelo menos dentro de condomínios fechados ou ilhas do paraíso).
É isso o que me custa a compreender no liberalismo corrente. Custa-me entender que não se veja que propriedade desigual é poder diferencial, poder de uns sobre os outros, dominação – aquilo que o liberalismo em princípio mais abomina. Por isso mesmo me pareceu importante recordar o que alguns dos melhores defensores do princípio da propriedade de todos os tempos, incluindo figuras veneráveis da tradição liberal como Locke e Stuart Mill, tinham a dizer sobre ela:
- Direitos de propriedade sem obrigações correlativas de bom uso e guarda, de repartição, como dizia Tomás de Aquino, não são legítimos;
- Direitos de propriedade irrestritos, sem limite na capacidade de trabalho e de uso, como dizia Locke, não são legítimos;
- Direitos de propriedade obtidos sem esforço próprio e de forma irrestrita, como dizia Mill, não são legítimos.
A propriedade como extensão do corpo, como a via Locke, é uma coisa. A propriedade tal como existe e sobretudo como é imaginada pelo liberalismo corrente, como um direito exclusivo e irrestrito sem consideração do valor da igualdade, é outra. E essa outra coisa, se não é um roubo, é pelo menos um ultraje.
Essa nem o João Rodrigues diria.
ResponderEliminarDireitos de propriedade obtidos sem esforço próprio e de forma irrestrita, como dizia Mill, não são legítimos.
ResponderEliminarEntão é um roubo.
Já que se fala de ladrões e de roubos gostaria de vos alertar para a movimentação que desde algum tempo vem sido feita no sentido de retirar ao Estado a sua televisão pública e entregá-la também sabe-se lá a quem. Pacheco Pereira, um dos ideólogos do maior partido da oposição que um dia poderá regressar ao poder e, o “novo cão de guarda” do sistema liberal e director do jornal “O Público” são para já os maiores e mais perigosos defensores de tal medida. Não são defensores de uma reestruturação no sentido da desgovernamentalização da estação pública mas sim suspeitos acérrimos combatentes de interesses privados. Ainda na passada semana bastou mais um ataque de Pacheco Pereira à RTP no seu blog para que este merecesse no jornal de José Manuel Fernandes o respectivo destaque. Posso confiar na vossa vigilância e na vossa denuncia? Muito agradecido
ResponderEliminarSFF passem por lá
ResponderEliminarwww.geometria-variavel.blogspot.com
Tiago
Aliás, o que é defendido no post é a funcionalização da propriedade à igualdade. O que leva sempre, mas sempre, ao totalitarismo.
ResponderEliminarsim, para os conservadores qualquer coisa que se pareça com igualdade é um totalitarismo.
ResponderEliminarn é totalitarismo ver centenas de milhares de precarios engordando os bolsos de meia duzia de belmiros. mas pensar em alternativas é um totalitarismo.
"o que é defendido no post é a funcionalização da propriedade à igualdade. O que leva sempre, mas sempre, ao totalitarismo."
ResponderEliminarQue engraçados são estes chavões e que péssimo glosador é o Pedro Sá. Não percebeu que o post defende a igualdade no acesso à propriedade contra a sua interpretação absolutista, essa sim, totalitária.
E então não há igualdade no acesso à propriedade ? Alguém está impedido de o fazer por limitações legais ?
ResponderEliminar"E então não há igualdade no acesso à propriedade ?"
ResponderEliminarNão. Na terra temos um problema económico que se denomina por escassez. Dos rendimentos da acumulação do capital, obtens propriedade que não é proporcinal ao valor que acrescentaste ao produto. O sistema é desigual à cabeça.
"Alguém está impedido de o fazer por limitações legais?"
Por razões económicas...
Este último comentário é decididamente patético.
ResponderEliminarPorque por essa ordem de ideias:
1. Toca todos a subsidiar alguém para comprar uma propriedade X só porque quer e não tem dinheiro. Ridículo.
2. Toca todos a subsidiar-me porque eu quero um Mercedes CLS e não tenho dinheiro para isso. Absurdo.
Patética é a sua réplica, que não é réplica nenhuma porque se desvia da pergunta original.
ResponderEliminarA pergunta era: Há igualdade no acesso à propriedade?
Eu respondi que não e justifiquei. Tão só isso. Não ofereci remédios para a solução, apenas apontei um problema.
Os Estados modernos, consoante as prioridades, minoram essas desigualdades. Você dá um bom exemplo:
"1. Toca todos a subsidiar alguém para comprar uma propriedade X só porque quer e não tem dinheiro. Ridículo."
Eu diria patético. Onde é que já se viu isso?!?!
E já nem lhe falo da propriedade comum para que não comece a estrebuchar.
este pedro sa devia ter mais sorte.
ResponderEliminarde facto falta-lhe dinheiro para comprar um cerebro.
olhe, mas n está impedido legalmente de o fazer.