O debate em Portugal sobre a derrota da Esquerda Arco-Íris nas últimas eleições italianas parece estar condenado a centrar-se na questão da participação no governo. Tal como escrevi no 'post' anterior sobre o tema, esta não é uma questão menor. As condições em que os partidos da esquerda crítica participaram no governo Prodi (aderindo à coligação de centro-esquerda de forma incondicional), aliada à escassa maioria parlamentar que apoiava este executivo, imobilizaram a acção daqueles partidos: no governo não tiveram força para fazer vingar as suas propostas, fora dele viram-se obrigados a conter as suas críticas para não serem acusados de estar a favorecer o regresso da direita ao poder.
No entanto, mais do que saber se em 2006 a Esquerda Arco-Íris poderia ter optado por manter-se fora da coligação de centro-esquerda ou do 2º governo Prodi, ou se deveria ter reivindicado condições programáticas mínimas para essa participação (e quais seriam os custos políticos das várias alternativas), creio que importa reflectir neste momento sobre as opções tomadas pelos líderes da esquerda crítica italiana em matéria de organização e de formas de intervenção política nos anos mais recentes.
Aquilo que os 4 partidos que constituíram a plataforma Esquerda Arco-Íris nestas últimas eleições (PRC, PdCI, Verdes e SD) tinham de comum era a (vontade de) identificação com os vários movimentos sociais e de protesto que marcaram a Itália no período 2001-2006. Como aqui escrevi, este foi um dos períodos mais significativos de mobilização popular das últimas décadas em Itália, envolvendo muitos milhões de pessoas que faziam questão de se distanciar das políticas de centro-direita, prosseguidas pelo 2º governo Berlusconi, tanto no plano interno como no externo.
Impressionados pelo sucesso dos movimentos sociais de protesto e perante a opção recorrente por parte do centro-esquerda de não se misturar com estes movimentos (supostamente para não afastar o eleitorado centrista), os líderes dos partidos do Arco-Íris convenceram-se que poderiam constituir-se como representantes da Itália da paz, do ambiente e da resistência a Berlusconi - um espaço político amplo, onde cambiam comunistas e socialistas de várias extracções, pacifistas, feministas, activistas LGBT, ambientalistas e católicos progressistas.
Neste processo destaca-se o papel da Refundação Comunista (PRC), o partido mais representativo deste espaço político e cujo líder histórico, Fausto Bertinotti, encabeçou a lista da Esquerda Arco-Íris às eleições de 2008. Procurando sinalizar a sua predisposição para dar voz aos 'movimentos', a direcção de Bertinotti começou por promover o envolvimento dos activistas do PRC nos movimentos sociais (em detrimento da vida partidária), e por favorecer a integração de figuras destacadas (sem filiação partidária) dos vários 'movimentos' (nomeadamente, dirigentes de ONGs dedicadas a temas como a paz, a cooperação, o ambiente, etc.) nas listas eleitorais do PRC. Percebendo que esta estratégia corria, ainda assim, o risco de ser vista como uma tentativa de controlo hegemónico do PRC sobre os movimentos sociais em Itália - o que tenderia a fragilizar tanto aquele como estes - Bertinotti foi promovendo uma aproximação aos outros partidos de orientação 'movimentista', e a crescente diluição do PRC no seio de uma plataforma Arco-Íris.
Em certa medida, os Verdes pela Paz representaram para o PRC o mesmo que a Margherita representou para os DS, ou seja: um parceiro de coligação útil, capaz atenuar o preconceito existente em algum eleitorado relativamente à herança comunista do partido, permitindo o alargamento da base eleitoral. Tendo em vista promover a aproximação à esquerda não comunista, o PRC optou por privilegiar os temas consensuais entre a esquerda de protesto (paz, ambiente, direitos civis), em detrimento dos temas de potencial divergência (e.g., questões laborais); reforçar a crítica relativamente às experiências de 'socialismo real', sem insistir na discussão sobre modelos alternativos de sociedade; aligeirar a organização partidária (e.g., desvalorizando as células locais e de empresa), assentando a intervenção política numa lógica essencialmente mediática e personalista (centrada na figura de Bertinotti); promover uma imagem de respeitabilidade institucional (simbolizada pela eleição de Bertinotti para a presidência da Câmara dos Deputados em 2006).
Esta estratégia de diluição da identidade e da organização do PRC no conjunto das forças pretensamente representativas dos 'movimentos', e de institucionalização da imagem do partido, revelou-se bem-sucedida nas penúltimas eleições (2006), quando o PRC obteve mais 2,5 milhões de votos (e o conjunto da esquerda movimentista quase 4 milhões), tornando-se incontornável neste período da vida política italiana.
Mas o custo a pagar por esta estratégia não demorou tempo a fazer-se sentir: a base eleitoral ampla assente nos sectores menos ligados à tradição crítica não resistiu a um contexto de bipolarização; a diluição da identidade política favoreceu a perda eleitores tradicionais para o voto útil; finalmente, a opção de criar um 'partido ligeiro', guiado mais pela abertura aos movimentos sociais do momento do que pela tentativa de construir uma presença orgânica no território e nos locais de trabalho, acabou por alienar muitos militantes e simpatizantes entre o eleitorado popular menos atento às dinâmicas macro-sociais.
O espaço deixado livre pela esquerda italiana (seja a Esquerda Arco-Íris ou a do Partido Democrático, que herdou as principais estruturas do PCI), ao desistirem da forma de partido de massas, próximo da vida quotidiana das populações, foi eficaz e utilmente ocupado por parte das direitas pós-'Operação mãos Limpas' - o que ajuda a explicar porque é que a Esquerda Arco-Íris perde parte do seu eleitorado para a Lega Nord. Mas sobre isto escreverei noutra oportunidade.
Concordo plenamente.
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