quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
Onde é que os liberais traçam a linha?
A crise, sempre a crise, a revelar a natureza utópica dos projectos neoliberais. Martin Wolf, editorialista do Financial Times (FT) e insuspeito de simpatias socialistas, tem sido muito citado neste blogue. Isto deve-se ao facto de ser hoje um dos mais atentos observadores, dentro das correntes de opinião que se exprimem em jornais como o FT, das complexas dinâmicas que estão a redefinir a relação entre Estado e mercados. Em artigo recente, Wolf reconhece implicitamente que os processos de liberalização financeira foram responsáveis pelas mais de 100 crises bancárias ocorridas nas últimas três décadas. Isto obriga-o a identificar as especificidades do sector financeiro e a necessidade de um controlo público muito superior ao existente: (1) «são quase o único sector capaz de devastar a totalidade da economia»; (2) «em nenhum outro sector a incerteza é tão relevante»; (3)« é muito difícil para os que estão no exterior observar a qualidade da tomada de decisões, pelo menos no curto prazo». E não há sofisticação e inovação financeiras que resistam a isto, como aliás as sucessivas crises financeiras nos EUA mostram. Um dos seus principais pontos chama imediatamente a atenção: «temo que a combinação de fragilidade do sistema financeiro com as remunerações gigantescas que gera para os insiders [ver caso BCP] irá destruir algo muito importante - a legitimidade política da própria economia de mercado - um pouco por todo o lado». Esperemos que, pelo menos, mine a legitimidade de algumas das suas variedades. Como bom liberal, Wolf sabe que é altura do Estado «intervir» para pôr ordem nas aberrações do «mercado»: é preciso alterar os incentivos dos gestores que geram os comportamentos de risco e isto exige intervenção dos poderes públicos. O problema é onde traçar a linha. Aqui entra a dinâmica política: é preciso traçá-la o mais longe possível por forma a terminar com a preponderância nefasta da finança de mercado. Acabar com off-shores, limitar a especulação disfarçada de «inovação financeira», limitar as práticas predatórias dos bancos, reconhecer e reforçar a presença pública no sector financeiro. Pesada agenda para superar o neoliberalismo, essa «expressão ideológica da hegemonia da finança». A linha de Wolf ficará um pouco mais atrás. Não sei bem onde. Nem ele. Nem ninguém.
Como bom liberal, Wolf sabe que é altura do Estado «intervir» para pôr ordem nas aberrações do «mercado»: é preciso alterar os incentivos dos gestores que geram os comportamentos de risco e isto exige intervenção dos poderes públicos.
ResponderEliminarA intervenção do poder público é a intervenção dos gestores públicos, e seria bom explicar porque esses gestores são melhores, em intenção ou eficácia, que qualquer outro. Incentivos? Explique qual o incentivo de um "empreendedor político".
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ResponderEliminarDevolvo a pergunta bluecastro. Com perguntas. O que é um empreendedor político? E quais os pressupostos sobre as motivações humanas que estão por detrás desta forma de pensar? E depois há que reconhecer que a «intervenção» (sempre com aspas) é inevitável. Afinal de contas os mercados são sempre uma criação política. A questão é saber quais as regras que os enquadram. A liberalização financeira, processo dirigido por «empreendedores políticos e intelectuais» produziu desastre atrás de desastre. É preciso mudar as regras. Quem as criou também as pode mudar. Afinal de contas podemos aprender com várias décadas de mercados financeiros bem circunscritos. E depois é preciso reconhecer que uma das variáveis cruciais para o desenvolvimento dos países é a existência de um corpo de funcionários públicos qualificado e idóneo. Não é com conversas sobre empreendedores políticos que se consegue captar esse elemento crucial. Sobre a importância económica disso e sobre as regras e incentivos que promovem os comportamentos que associamos a quem tem de velar pelo interesse público veja este artigo.
ResponderEliminarhttp://www.iew.uzh.ch/wp/iewwp166A.pdf
É evidente que o comportamento dos indivíduos e as suas motivações são influenciados pelas instituições onde agem.